O Estado de S. Paulo
Juízes agora definem políticas outrora determinadas apenas por presidentes e legisladores
O Judiciário, particularmente o Supremo
Tribunal Federal (STF), tem adquirido um hiperprotagonismo no sistema político
brasileiro. Mas a agenda de atuação que o STF tem escolhido e priorizado para
exercer esse protagonismo tem se diferenciado ao longo dos anos.
Até o julgamento do escândalo do mensalão, o STF era uma instituição praticamente desconhecida não apenas para a sociedade, mas também para os outros Poderes. No livro Courts in Latin America, Helmke e Ríos-Figueroa mostram que a percepção dominante era de que o Judiciário, não apenas no Brasil, mas também na América Latina, era fraco, ineficiente, paroquial, conservador e irrelevante para arbitrar conflitos entre Poderes, pois, basicamente, se dedicava à garantia de direitos individuais.
Os principais conflitos políticos ocorriam
entre o Executivo e o Legislativo. Isso, inclusive, se refletia na grande
maioria dos estudos sobre as instituições políticas, que ignoravam o Judiciário
como ator relevante e se centravam nas dificuldades de o Executivo governar em
um ambiente multipartidário.
O fato de ter sido capaz de impor perdas
judiciais incomuns a uma elite política diretamente envolvida em um escândalo
de corrupção ao tempo em que essa mesma elite política ainda estava no poder, o
que é raro em democracias mesmo consolidadas, catapultou a percepção do STF
como uma instituição relevante no jogo político.
Em que pese o legislador constituinte de 88
tenha delegado amplos poderes à Justiça para controlar um Executivo forte, foi
a partir do mensalão que o STF se firmou como árbitro de conflitos entre os
Poderes.
O combate à corrupção, que passou a ser a
principal preocupação do brasileiro, também passou a ocupar o espaço central da
agenda do STF. A Operação Lava Jato foi o corolário do protagonismo do
Judiciário na luta contra a corrupção. O STF deu amplo apoio às ações
coordenadas entre procuradores, investigadores e juízes, que foram capazes de
impor perdas judiciais a políticos desviantes envolvidos no escândalo do
petrolão.
A chegada de Bolsonaro à Presidência, com uma
estratégia iliberal e de confronto institucional, representou uma janela de
oportunidade para que o STF mudasse mais uma vez a prioridade de sua agenda. A
luta contra a corrupção cedeu lugar para a defesa da democracia e da própria
instituição STF, que passou a se defender de ataques diretos do presidente,
inclusive contra ministros da própria Suprema Corte. Será que quando o STF se
livrar da “ameaça”, voltará a exercer o papel de árbitro entre os Poderes?
*Professor titular FGV Ebape e sênior fellow do Cebri
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