segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Carlos Pereira - As diversas agendas do STF

O Estado de S. Paulo

Juízes agora definem políticas outrora determinadas apenas por presidentes e legisladores

O Judiciário, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF), tem adquirido um hiperprotagonismo no sistema político brasileiro. Mas a agenda de atuação que o STF tem escolhido e priorizado para exercer esse protagonismo tem se diferenciado ao longo dos anos.

Até o julgamento do escândalo do mensalão, o STF era uma instituição praticamente desconhecida não apenas para a sociedade, mas também para os outros Poderes. No livro Courts in Latin America, Helmke e Ríos-Figueroa mostram que a percepção dominante era de que o Judiciário, não apenas no Brasil, mas também na América Latina, era fraco, ineficiente, paroquial, conservador e irrelevante para arbitrar conflitos entre Poderes, pois, basicamente, se dedicava à garantia de direitos individuais.

Os principais conflitos políticos ocorriam entre o Executivo e o Legislativo. Isso, inclusive, se refletia na grande maioria dos estudos sobre as instituições políticas, que ignoravam o Judiciário como ator relevante e se centravam nas dificuldades de o Executivo governar em um ambiente multipartidário.

O fato de ter sido capaz de impor perdas judiciais incomuns a uma elite política diretamente envolvida em um escândalo de corrupção ao tempo em que essa mesma elite política ainda estava no poder, o que é raro em democracias mesmo consolidadas, catapultou a percepção do STF como uma instituição relevante no jogo político.

Em que pese o legislador constituinte de 88 tenha delegado amplos poderes à Justiça para controlar um Executivo forte, foi a partir do mensalão que o STF se firmou como árbitro de conflitos entre os Poderes.

O combate à corrupção, que passou a ser a principal preocupação do brasileiro, também passou a ocupar o espaço central da agenda do STF. A Operação Lava Jato foi o corolário do protagonismo do Judiciário na luta contra a corrupção. O STF deu amplo apoio às ações coordenadas entre procuradores, investigadores e juízes, que foram capazes de impor perdas judiciais a políticos desviantes envolvidos no escândalo do petrolão.

A chegada de Bolsonaro à Presidência, com uma estratégia iliberal e de confronto institucional, representou uma janela de oportunidade para que o STF mudasse mais uma vez a prioridade de sua agenda. A luta contra a corrupção cedeu lugar para a defesa da democracia e da própria instituição STF, que passou a se defender de ataques diretos do presidente, inclusive contra ministros da própria Suprema Corte. Será que quando o STF se livrar da “ameaça”, voltará a exercer o papel de árbitro entre os Poderes?

*Professor titular FGV Ebape e sênior fellow do Cebri

Nenhum comentário: