O Estado de S. Paulo
Outra vez, o Estado vem a público com discurso e medidas paliativas, que talvez a mais ninguém enganam
Há alguns problemas geradores de angústia e
sofrimento que já se tornaram crônicos, quer pela sua antiguidade, quer pela
ausência de perspectiva de serem solucionados. Um desses é o da segurança
pública, que vem sendo tratado pelas autoridades de forma episódica, sempre
após a ocorrência de algum evento relevante.
Nesse momento, as autoridades fazem
promessas, apregoam soluções, levantam a voz, esbravejam, mas acaba-se
percebendo que as falas não passam de bazófias, conversas fiadas, pura
enganação.
Quanto ao fenômeno do crime, impressiona estarmos absolutamente sem um norte a ser seguido para minimizar o problema. Discute-se, elaboram-se planos, aumenta-se o rigor das leis, prende-se antecipadamente e mantêm-se presos milhares de cidadãos durante anos sem serem julgados. No entanto, paradoxalmente, a criminalidade aumenta dia a dia.
Há, no entanto, uma questão indiscutível:
todas as ações tidas como de combate ao crime só são desenvolvidas após a sua
ocorrência. Interfere-se nos efeitos do crime, mas suas causas nem sequer são
detectadas. Ademais, essas condutas consideradas anticrimes colocam as
autoridades reféns de uma pauta elaborada pelo próprio crime. Não há ações
preventivas que atuem nos fatores desencadeadores do delito. Há uma acomodação
às situações desencadeadoras do fenômeno e as ações somente ocorrem na forma de
reação. O crime age e o Estado tenta reagir. Quem comanda as duas atividades é
o criminoso.
As reações – as de agora e as de sempre – são
de total e já conhecida ineficácia. São elas fruto de situações emergenciais e
motivações emocionais. Infelizmente, o crime é permanente e a reação estatal é
episódica. Agora mesmo, foram mortos médicos no Rio de Janeiro; lá mesmo,
ônibus foram incendiados; no Guarujá e nos Estado da Bahia, pessoas foram
mortas – criminosos ou não, não se sabe – em resposta à morte de policiais.
Esses foram os mais recentes sanguinários acontecimentos. Este ano e os
anteriores registraram um sem-número de mortes, incluindo crianças, velhos,
criminosos e não criminosos. Portanto, nada barra a escalada criminosa. Nem
prisões nem mortes. E, outra vez, o Estado vem a público com discurso e medidas
paliativas, que talvez a mais ninguém enganam.
Todas as ações dos aparelhos de combate ao
crime deveriam ser constantes. Nos campos da investigação, da inteligência e do
policiamento ostensivo, deveriam ser planejadas, sincronizadas, duradouras. No
entanto, passado o impacto dos episódios de intensa gravidade, retorna a rotina
da quase inércia, da pasmaceira, do cruzar os braços.
Ademais, observa-se um injustificável desvio
de funções. Eu fui secretário de Segurança Pública há mais de 30 anos, e assim
já era. Policiais militares trabalhando em órgãos públicos, ao invés de estarem
fazendo policiamento ostensivo. Os civis atuando no setor de segurança das
empresas privadas. Estes pouco investigam e aqueles não vão às ruas, para
evitar o crime.
A nova – que não é nova – cortina de fumaça
lançada pelas autoridades para maquiar o problema foi anunciar novamente a
colocação das Forças Armadas, desta feita, nos portos, aeroportos e fronteiras.
Com esse anúncio, imaginam que estão iludindo a sociedade. Mas ilusão é pensar
que iludem. A descrença é geral. Mesma descrença em relação à enganosa ideia da
necessidade de armar a população, apregoada pelos que, na verdade, só desejam o
crescimento dos índices de violência.
O aumento da criminalidade não se deu da
noite para o dia. O crescimento da desigualdade e das carências sociais, a
omissão estatal, o desinteresse das classes abastadas e a ineficiência das
ações repressivas são alguns dos fatores que fizeram ferver o caldeirão do
crime nos últimos 50 anos. A criminalidade no Brasil tornou-se um problema
crônico, e não esporádico, emergencial. Está, há tempo, exigindo soluções
efetivas, e não casuais e demagógicas.
A violência policial, por sua vez, é uma
mancha no contexto do combate ao crime. Bandidos matam policiais e devem ser
rigorosamente punidos. Os policiais devem e podem atuar com rigor para se
proteger e proteger terceiros. Mas a polícia não pode instaurar a violência
quando ela não foi instaurada pelos bandidos. Têm acontecido mortes de
inocentes, incluindo crianças, por ações policiais tão criminosas quanto a dos
criminosos. Atirar sem alvo certo, supondo que serão recebidos a tiro, ou matar
pessoas já imobilizadas são episódios que têm tido uma constância assustadora.
Tais ações não podem ser consideradas como operações contra a violência;
constituem, sim, verdadeiras chacinas.
É preciso entender que a segurança é uma
questão de Estado, e não de governo. Proteger a sociedade contra o crime e não
a tornar vítima dos excessos repressivos; tornar permanentes as atividades de
investigação e de inteligência; e dar visibilidade à polícia nas ruas, como
forma de intimidação para os criminosos, são as condições mínimas para uma
séria e correta política de segurança, em substituição a discursos e
providências demagógicas e inócuas.
*Advogado
Nenhum comentário:
Postar um comentário