Valor Econômico
O “anarcocapitalista” que aderiu a todas as
bandeiras mundiais da extrema direita ganhou no segundo turno a companhia da
direita tradicional, em especial do ex-presidente Mauricio Macri
A primeira incógnita que se abre em relação
ao presidente eleito da Argentina, Javier Milei, é se será um governo marcado
pela ruptura ou pela tutela. Houve um Milei até a realização do primeiro turno
da eleição da Argentina e outro na rodada final das eleições.
O “anarcocapitalista” que aderiu a todas as bandeiras mundiais da extrema direita ganhou no segundo turno a companhia da direita tradicional, em especial do ex-presidente Mauricio Macri. Foi uma contradição flagrante a um de seus principais lemas, o da antipolítica. Não se sabe o que Milei pactuou com Macri. Segundo disse o presidente eleito em seu primeiro discurso, nada. Ele agradeceu o ex-presidente por ter dado apoio “desinteressadamente”. Mas o poder de barganha de Macri não é pequeno.
O partido de Milei elegeu 7 senadores, em um
universo de 72. Na Câmara são necessários 129 para a maioria, e o La Libertad
Avanza, abrigo para a extrema direita, conta com 38. É pouco para quem se
propôs na campanha a cortar gastos públicos equivalentes a 15% do PIB, fechar o
Banco Central e acabar com o peso argentino. Nada disso foi mencionado por
Milei em seu discurso de presidente eleito, ainda que tenha sinalizado para
objetivos ambiciosos: “as mudanças que necessitamos são drásticas. Não há lugar
para gradualismo”, disse.
A aliança de Macri elegeu 24 senadores e 93
deputados, mas deve perder algumas cadeiras, de lideranças inconformadas com a
decisão do ex-presidente de respaldar o extremista. Ou seja, mesmo com Macri,
Milei tende a ser um presidente com minoria nas duas casas do Congresso.
Milei conseguiu uma maioria popular
expressiva, o que tende a fortalecê-lo na negociação com Macri. Foi o recado
que procurou mandar em seu discurso de eleito, que teve toda uma coreografia
para dizer que não reconhece sócios na vitória: fez questão de aparecer no
palco sozinho e suas mais calorosas deferências foram para seu próprio grupo
político. Citou a irmã e chefe de campanha, Karina Milei, e Santiago Caputo, um
de seus estrategistas.
A “entourage” de Milei lembra a do
ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018. Trata-se de gente com pouca experiência
política, a começar da vice-presidente Victoria Villarroel, ligada a um setor
muito minoritário que defende o sanguinário regime militar que governou o país
entre 1976 e 1983.
Caberá à vice-presidente o comando formal do
Senado. Pode-se prever que Villarroel procurará colocar os militares de volta
ao jogo político, mas a possibilidade de Milei tentar seduzir as Forças Armadas
para uma aventura autoritária é mínima. O risco de ruptura por esse lado é
significativamente menor do que o que o Brasil viveu durante o governo
Bolsonaro, recheado de ministros militares, ele mesmo egresso da caserna. O
ativo mais importante que Villarroel agrega em um primeiro momento é o
desestímulo à classe política em articular um impeachment.
O quadro de Milei mais articulado
politicamente é Guillermo Francos, político do pequeno Partido Federal, ligado
ao empresário Eduardo Eurnekian, dono do grupo Corporación América, que no
Brasil têm a concessão do aeroporto de Brasília e de quem Milei foi empregado.
Possivelmente será o articulador político do governo. Em relação ao restante da
equipe, tudo dependerá da queda de braço entre Milei e “a casta” dos políticos
que ele prometeu varrer do país. Na sua primeira fala após às eleições,
sinalizou que tentará compor. “Quero dizer a todos os dirigentes que aqueles
que quiserem se somar serão benvindos”, disse.
O ministro da Economia Sergio Massa
reconheceu rapidamente a derrota, telefonou para Milei e acenou com uma
transição organizada com o atual presidente Alberto Fernández, mas convém
cautela. Faltam apenas 14 dias úteis para a posse e Massa não fala mais pelo
peronismo. Na oposição, a principal referência passa a ser o governador
reeleito da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, muito mais à esquerda. Os
peronistas já se mostraram no passado capazes de desestabilizar governos. No
seu discurso, Milei acenou com um tratamento duro a uma oposição forte em
manifestações de rua. “Dentro da lei, tudo. Fora da lei, nada. Não há lugar
para os violentos. Vamos ser implacáveis”, disse.
Essa segunda-feira é feriado nacional na
Argentina, e o país deve viver uma busca desenfreada pelo dólar nas “cuevas”,
onde se negocia o dólar no paralelo. Não se pode descartar um cenário comentado
internamente como de “dolarização sangrenta”, um abandono da moeda nacional que
brotará das ruas. É um cenário de curto prazo desastroso para empresas
argentinas que dependem de importações, o que preocupa muito o governo
brasileiro.
Uma autoridade do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio comentou que há uma grande quantidade de
exportadores brasileiros de pequeno porte que operam sem seguro. Podem ficar
sem receber.
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