segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guga Chacra - Será mais difícil para Milei

O Globo

Um libertário sem experiência administrativa e de um pequeno partido venceu as eleições na Argentina em um dos maiores acontecimentos políticos da história deste país conhecido pelas sequências de crises econômicas e decadência crônica. Javier Milei, visto por muitos como um lunático extremista e por outros como uma solução para décadas de fracassos, sentará no sillon de Rivadavia, como é conhecida a Presidência da Argentina, em menos de um mês. Tentará implementar suas políticas para transformar o país.

O governo Lula precisará lidar com um líder que o critica abertamente. As relações entre os dois países correm enorme risco de se deteriorarem. Para Joe Biden, a Argentina possui pouca relevância, mas será inevitável a comparação de Milei com Donald Trump a um ano da eleição presidencial nos EUA. Muitos comparam a vitória de Milei à do republicano em 2016, e a de Jair Bolsonaro, no Brasil, dois anos mais tarde. Como os dois, Milei surpreendeu o establishment e os partidos tradicionais. Também conseguiu enorme conectividade com seus seguidores em um populismo de direita. Ao mesmo tempo, há grandes diferenças no contexto das eleições de cada um dos três.

Trump era uma figura famosa, com histórico de empresário rico (ainda que vigarista) e de sucesso na TV. Nunca tinha exercido cargo político. Bolsonaro sempre foi um deputado do baixo claro e passou pelo Exército. Já Milei ganhou fama por suas performances em programas de TV como economista medíocre, mas bom comunicador. Estas não são, no entanto, as maiores diferenças. Milei, ao contrário dos ex-presidentes do Brasil e dos EUA, não terá maioria para governar. Trump iniciou seu mandato com maioria na Câmara e no Senado. Bolsonaro conseguiu o suporte do Centrão, além de ter base forte com evangélicos, militares e o agronegócio. O argentino leva desvantagem em todos estes temas que facilitaram as administrações, ainda que fracassadas, dos líderes de extrema direita em Brasília e Washington.

A coalizão de Milei será minoritária e, mesmo com o apoio de parte da direita tradicional, não terá maioria no Congresso. No sistema argentino, assim como no brasileiro, é praticamente impossível governar sem maioria no Legislativo. Há ainda o agravante de o peronismo ser uma das agremiações mais hábeis do planeta para sabotar rivais – só Mauricio Macri terminou o mandato em cerca de um século sem ser peronista e mesmo assim acabou derrotado quando tentou a reeleição.

Trump e Bolsonaro sucederam governos que não deixaram heranças catastróficas. Barack Obama conseguiu ao longo dos seus oito anos no poder reduzir a taxa de desemprego e melhorar a economia depois da crise no final da administração de George W. Bush. Michel Temer também recolocou a economia relativamente nos trilhos no Brasil antes de Bolsonaro assumir. Milei herdará uma economia com inflação descontrolada. Planeja dolarizar o país, mas deve enfrentar enorme dificuldade, por não ter apoio político e porque a Argentina já tentou e fracassou com uma espécie de dolarização (câmbio fixo) com Carlos Menem nos anos 1990. E, mais importante, porque a Argentina não tem dólares para dolarizar.

Milei tampouco terá o disciplinado suporte dos evangélicos de que tanto Bolsonaro como Trump desfrutaram. A população evangélica argentina é muito menor se comparada com as do Brasil e EUA. Para agravar, o futuro presidente xingou o popular Papa Francisco, que é argentino. Os militares, enfraquecidos desde a ditadura e o fiasco na Guerra das Malvinas, tampouco podem ajudá-lo. Será muito mais difícil para Milei implementar sua agenda do que foi para Bolsonaro e Trump.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Quem sabe assim ele renuncie,o problema é que a vice é igual,rs.