COP28 enfim cita os responsáveis pelo aquecimento global
O Globo
Apesar de faltarem compromissos objetivos,
menção a combustíveis fósseis é conquista histórica
Foi sem dúvida histórica a resolução assinada por quase 200 países na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Pela primeira vez, chegou-se a um acordo para, de forma explícita, afirmar que o mundo precisa deixar de usar combustíveis fósseis para chegar à neutralidade em emissões de carbono até 2050. Já era hora. O ano de 2023 é o mais quente desde que as medições começaram. Até o final do mês, as emissões globais deverão somar o equivalente a 36,8 bilhões de toneladas de CO2 em 12 meses, outro recorde. A queima de combustíveis fósseis — derivados de petróleo, carvão e gás — é responsável por 75% dessas emissões. Sem combatê-las, qualquer acordo seria apenas faz de conta.
É verdade que, para manter o aumento da
temperatura global perto de 1,5 oC acima do período pré-industrial, será
preciso maior senso de urgência, com prazos e compromissos mais objetivos. Mas
construir consenso em torno disso, ainda mais numa conferência organizada por
um dos maiores exportadores de petróleo, não era tarefa simples. Contra todas
as previsões, a COP28 deu um passo notável ao produzir um documento citando
nominalmente o principal responsável pelas mudanças climáticas, conquista
elogiada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por diplomatas da União
Europeia e de países como Estados Unidos e Canadá.
O rascunho apresentado na segunda-feira
mencionava apenas a necessidade de reduzir o uso de carvão. Por pressão
liderada pela Arábia Saudita, não constavam as palavras “combustíveis fósseis”,
“petróleo” e “gás natural”. A maioria dos países defendia ao menos uma
referência genérica à necessidade de interromper o uso de combustíveis fósseis
sem a devida compensação. Três dos dez maiores produtores de petróleo apoiavam
a ideia: Estados Unidos, Canadá e o Brasil. O acordo final exigiu concessões de
lado a lado.
Mesmo nos países que defendem a transição
energética, ela será politicamente difícil. Nos Estados Unidos e na Europa,
populistas já aprenderam a explorar o sentimento anticiência e a assombrar o
eleitor com aumentos de gasolina e na conta de luz. Para piorar, o mundo ainda
é faminto por combustíveis fósseis, responsáveis por 80% da oferta global de
energia. Mudar essa realidade é urgente, mas complexo.
Noutros temas, a COP28 avançou sem tanta
controvérsia. Houve consenso sobre a importância de reformar a arquitetura
financeira global para reforçar o combate às mudanças climáticas. Foram
definidas regras do fundo destinado a cobrir perdas e danos em países
vulneráveis. E 50 petroleiras, entre elas Petrobras, ExxonMobil, TotalEnergies,
BP e Shell, anunciaram o compromisso de eliminar até 2030 vazamentos de metano
— responsável por 16% das emissões — e de adotar metas agressivas para outros
gases.
O documento de Dubai não tem o poder de
obrigar os signatários a cumprir o prometido. O efeito, porém, será palpável.
Decisões de políticas públicas e investimentos privados o levarão em conta.
Países que ficarem para trás sofrerão pressão da opinião pública. No balanço,
sempre será possível dizer que o resultado da COP28 ficou aquém do necessário,
mas ninguém tem dúvida de que foi além do esperado. Caberá agora às próximas
conferências, em especial a COP30 prevista para Belém em 2025, concluir o
trabalho que falta.
Elucidação insatisfatória de homicídios
incentiva o crime
O Globo
Quase dois terços dos assassinatos cometidos
em 2021 ficaram impunes, revela novo estudo
Não é incomum a polícia prender um criminoso
e descobrir que é um velho conhecido, ainda que oficialmente não deva nada à
Justiça. Muitas vezes as acusações, mesmo as mais graves, não vão adiante. Os
crimes permanecem impunes. E os suspeitos, livres para continuar a
praticá-los. Apenas pouco
mais de um terço (35%) dos quase 31 mil homicídios dolosos cometidos
no Brasil em 2021 foi esclarecido, revelou pesquisa do Instituto Sou da Paz. No
ano anterior, haviam sido 33%. Ao longo dos anos, a taxa tem se mantido
estável. Só em 2018 ficou acima da média, com 44%. Não surpreende que as
pesquisas de opinião apontem a violência como
uma das maiores preocupações dos brasileiros.
Os índices de elucidação de crimes no Brasil
são constrangedores quando comparados aos de outros países. A média mundial,
com base nos números mais recentes da ONU (para 2019), chega a 63%. Nos países
das Américas, que apresentam índices mais baixos, 43%. Nos Estados Unidos, em
2020 e 2021, foram 53,1% e 54,2% respectivamente, segundo o Murder
Accountability Project.
O estudo do Sou da Paz compilou dados de 18
estados para mortes ocorridas em 2020 e denunciadas até 2021 e de 16 estados
para mortes em 2021 denunciadas até o fim de 2022. São visíveis as
discrepâncias no país. No Rio Grande do Norte, apenas 9% dos crimes foram
solucionados em 2021. Paraná e Minas Gerais conseguiram elucidar 76%. São
Paulo, 47%.
Não apenas os índices pífios impressionam.
Chama a atenção também o perfil da população carcerária. Dos 642.638 presos em
regime fechado, 11% cumprem pena por homicídio. A maior parte (40%) está
encarcerada por crimes patrimoniais e 21% por delitos relacionados a drogas. Os
dados evidenciam que o Brasil prende mal. Muitos estão trancafiados por usar
drogas, pois a legislação não estipula a quantidade apreendida para distinguir
o usuário do traficante. Enquanto isso, perigosos homicidas estão fora das grades.
Se a polícia não investiga ou investiga mal,
é pequena a chance de os crimes serem esclarecidos. A negligência obviamente
alimenta a impunidade. Autores de crimes graves não são denunciados à Justiça e
não vão a julgamento. Resultado: ficam soltos, aterrorizando a vida dos
cidadãos, enfileirando crimes e dando trabalho à polícia, que vive um eterno
prende e solta.
Compreende-se que um país que registra mais
de 47 mil assassinatos por ano, fora a infinidade de outros crimes, exige
estruturas robustas nas polícias, no Ministério Público e na Justiça — todos
abarrotados de inquéritos e processos. Mas volume de trabalho e falta de
recursos não podem ser pretexto para não investigar. Tanto é possível que
vários estados alcançam taxas satisfatórias de elucidação. A impunidade é um
incentivo ao crime. Não é admissível que bandidos andem livremente pelas ruas
cometendo atrocidades só porque seus crimes não são investigados. A sociedade
não aguenta mais.
COP28 enquadra energia fóssil, mas avanço tem
de ser maior
Valor Econômico
Emissões de gases de efeito estufa seguem
crescendo e precisam ser reduzidas à metade até 2030
A COP28 seguiu o roteiro de suas antecessoras
e terminou com avanços, ainda que insuficientes diante da urgência para deter
os efeitos cada vez mais potentes do aquecimento global. No ano mais quente da
história, após quase três décadas de discussões, o comunicado final foi objeto
de agudas divergências ao longo de dias até que se aceitasse mencionar, de
maneira polida, a necessidade de uma transição energética que reduza a produção
de combustíveis fósseis - responsáveis por 80% das emissões de CO2. A menção
tornou-se um feito histórico na COP28, até porque há apenas um par de anos isso
sequer constava dos documentos oficiais - o que não deixa de ser notável em
reuniões que anualmente reúnem o melhor da ciência e milhares de ativistas
ambientais.
As dificuldades para apontar a importância de
conter a produção de energia fóssil eram mais que previsíveis, diante da
escolha do país para sediar a conferência, os Emirados Árabes Unidos, um dos
maiores produtores de óleo do mundo, e do presidente da reunião, Sultan Al
Jaber, que dirige a Abu Dhabi Nacional Oil Co, a petrolífera estatal. Relatos
revelaram que Al Jaber usaria a COP para negociar contratos de petróleo
(Financial Times) e que dissera que não havia evidência científicas de que a
redução de produção de combustíveis fósseis contribuísse para deter o
aquecimento global. Negou ambos os fatos. Além disso, pouco antes do fim da
COP, a Opep, o cartel do petróleo, enviou mensagem a todos os países membros e
observadores da organização, para que rejeitassem qualquer menção ao petróleo
no documento final.
De certa forma o tiro saiu pela culatra. Al
Jaber conseguiu impedir o perigo maior, o de um acordo pela “eliminação
progressiva” dos combustíveis fósseis, apoiado pela maioria dos países, mas não
que essas fontes de energia fossem apontadas como parte maior do problema a ser
enfrentado. O resultado das posições conflitantes foi um comunicado importante,
mas que poderia ter sido mais forte. O documento propunha a aceleração das
ações de transição nesta “década crítica”, de “forma justa, ordenada e equitativa”
- o que precisa ser definido com mais profundidade.
Se a menção atenuada à eliminação ainda que
gradual da principal fonte de emissões de CO2 foi obtida a muito custo - em 21
páginas o documento final não cita a palavra petróleo e menciona apenas duas
vezes combustíveis fósseis -, outras demandas terminaram sem ser consideradas.
Brasil e outras nações defenderam que os países desenvolvidos tomassem a
dianteira das iniciativas de redução das fontes fósseis, mas isto não foi
aceito. O gás natural, uma fonte poluente, foi apontado no comunicado final
como “combustível de transição”.
Entre avanços inequívocos, foi aprovada a
meta de triplicar a capacidade de produção de energias renováveis e duplicar a
eficiência energética até 2030. São passos essenciais, que exigirão
investimentos de US$ 5,2 trilhões até lá para elevar a capacidade de 3,4 mil GW
para 11 mil GW, estima Francesco La Camera, da agência internacional de
energias renováveis (Valor, 12 de dezembro). Isso representa quadruplicar os
investimentos, hoje de US$ 1,3 trilhão.
Os EUA anunciaram na COP medidas do governo
americano para reduzir as emissões de metano, um gás de efeito estufa muito
mais potente que o CO2. O país é responsável por um terço das emissões,
provenientes, no caso da indústria, da exploração de petróleo e gás. Há um
acordo firmado por 100 nações para o corte de 30% do lançamento de metano na
atmosfera até 2030.
A COP28 fez progressos ao sacramentar a
criação, logo no seu primeiro dia, de um fundo de perdas e danos a nações em
desenvolvimento para cobrir prejuízos decorrentes de catástrofes climáticas. As
doações dos países desenvolvidos e outros chegaram a US$ 770 milhões, quantia
pequena perto dos prejuízos que as mudanças climáticas já têm provocado.
É esperado que esse fundo não tenha a mesma
sorte do Fundo Verde do Clima, criado em 2010 na COP16 com o compromisso dos
países ricos de transferir US$ 100 bilhões anuais aos países em desenvolvimento
para adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento. Uma década depois, o
fundo recebeu US$ 83 bilhões em 2020, US$ 17 bilhões abaixo da meta anual,
nunca cumprida. Até 2030, serão necessários entre US$ 160 bilhões e US$ 340
bilhões anuais para essa finalidade, estima relatório da ONU feito para a
COP27.
Os progressos nas COPs, no entanto, seguem muito aquém do necessário. Segundo o Centro Internacional para Pesquisa do Clima, as emissões cresceram 1,1% este ano, o dobro da média da década passada. Para atingir a meta de impedir que o aquecimento global ultrapasse 1,5° C em relação à era pré-industrial, precisará cair à metade até 2030. O Global Carbon Project estima que há 50% de chance de esse limiar ser ultrapassado. Pelas metas atuais apresentadas pelos países, o aquecimento atingirá entre 2,6° C e 2,9 °C. Diante disso, o resultado da COP28 foi, como disse Márcio Astrini, secretário do Observatório do Clima, “forte em sinais, mas fraco em substância”
Freios falhos
Folha de S. Paulo
Sabatina conjunta de indicados a STF e PGR
expõe baixa disposição a escrutínio
Sem maiores surpresas, o Senado Federal
aprovou nesta quarta-feira (13) as indicações de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
para o Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, e o comando da Procuradoria-Geral
da República, Paulo Gonet.
Houve certo burburinho em torno do nome de
Dino, de longa carreira política e adepto do confronto aberto com adversários,
em particular bolsonaristas. A escolha
mais explicada pela expectativa de lealdade ao presidente do
que pela capacidade jurídica, ademais, é uma preocupação que deveria
transcender as rixas ideológicas.
Quanto a Gonet, as objeções mais visíveis
partiram da esquerda, dadas as posições conservadoras já expressadas pelo
procurador.
Ambos foram questionados sobre esses e outros
temas, mas o que marcou o processo foi a inovação
autoconstrangedora do Senado ao sabatinar simultaneamente os dois indicados —para
funções, note-se, inteiramente distintas.
A nomeação de juízes para a corte principal é
um dos pontos mais sensíveis do equilíbrio entre os Poderes. Trata-se de um dos
órgãos mais cruciais da República, com capacidade para revogar leis e julgar a
cúpula dos políticos, e o único Poder cujos integrantes não são eleitos e
sujeitos a mandatos fixos.
No caso do STF, a escolha do presidente, na
prática, é quase livre. Ele pode indicar qualquer brasileiro nato entre 35 e 70
anos que julgue possuidor de notório saber jurídico e reputação ilibada, dois
conceitos elásticos. O único filtro a que a indicação está sujeita é o
escrutínio do Senado.
Aqui, essa é tarefa que os senadores
historicamente negligenciam. Desde a Proclamação da República, houve apenas
cinco vetos a indicações presidenciais, todos sob Floriano Peixoto (1891-94).
No caso do procurador-geral, outro posto
estratégico, a escolha presidencial é menos livre, pois deve-se necessariamente
apontar alguém com trajetória na carreira.
Porém a passagem de Augusto Aras pelo cargo
mostra que não é difícil para um mandatário encontrar alguém que lhe dedicará
fidelidade canina —especialmente quando se ignora a lista tríplice de opções
escolhidas pela PGR, como fizeram Jair Bolsonaro (PL) e Lula. De novo, o filtro
aqui deveriam ser os senadores.
Ao juntar as duas sabatinas, diluindo tempo e
atenções que deveriam recair sobre cada um dos indicados, a Casa legislativa
tornou ainda mais ligeiro e superficial o cumprimento de um dever do qual já
tende a se descuidar.
Fica enfraquecido o sistema de freios e
contrapesos entre os Poderes e instituições, cerne do Estado democrático de
Direito.
Limites paulistanos
Folha de S. Paulo
Maior oferta de imóveis e ocupação
equilibrada são metas legítimas a conciliar
A Câmara Municipal de São Paulo aprovou na
terça-feira (12), ainda em primeira votação, a proposta de revisão da Lei de
Zoneamento. Trata-se de um marco regulatório que delimita quais atividades
podem ser desenvolvidas nas quadras da cidade e de que forma se dará o uso e a
ocupação do solo.
Em uma metrópole marcada pelo crescimento
vertiginoso e pouco ordenado, estabelecer e padronizar o alcance de edificações
residenciais e comerciais —e seus impactos no tecido urbano— é estratégico na
busca de um futuro mais sustentável, sobretudo diante dos porvires das mudanças
no clima.
A Lei de Zoneamento é subordinada ao Plano
Diretor Estratégico, aprovado em junho. Com o intuito de estimular o transporte
público, o PDE determina, de modo geral, que a construção dos maiores edifícios
deve ocorrer nos arredores de
corredores de ônibus e estações de trem e metrô, as chamadas ZEUs (Zonas
Eixo de Estruturação da Transformação Urbana).
Se o projeto trará consequências para toda a
capital, é no centro expandido, região que compreende as áreas mais
valorizadas, que as atenções estão concentradas.
O desafio está em desenhar as balizas da
expansão imobiliária e o potencial construtivo —as dimensões dos novos
edifícios conforme tamanho do terreno e localização.
Não é à toa, portanto, que representantes de
incorporadoras foram à Câmara defender a liberação de
prédios sem limite de altura em mais regiões de São Paulo. Pela
regra atual, apenas as ZEUs têm essa vantagem, que é calculada observando a
proporção da área construída em relação ao terreno.
Para urbanistas e associações de bairros,
mais e maiores edifícios nos miolos dos distritos, afastados dos eixos de
transporte, produzirão verticalização indiscriminada, privilegiando assim
empreendimentos de alto padrão, com poucas famílias, em detrimento das
habitações de interesse social.
Além de afastar estratos menos abastados de
áreas estruturadas, adensando as já superpovoadas franjas da cidade, tal
tendência teria impactos sobre o trânsito e a permeabilização do solo.
O setor imobiliário argumenta, contudo, que
uma lei mais flexível ampliará a oferta de moradia para trabalhadores e classe
média.
Os vereadores têm até o dia 20, data prevista para a votação definitiva, para equalizar interesses, esquadrinhar as disparidades de cada um dos 96 distritos e adotar um modelo que, enfim, vislumbre a São Paulo das próximas décadas.
A retórica perdulária de Lula
O Estado de S. Paulo
O presidente diz que o País só vai crescer se
se endividar, classifica a responsabilidade fiscal como um problema e
desmoraliza mais uma vez seu ministro da Fazenda
O presidente Lula da Silva estava animado na
última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável,
conhecido como Conselhão. Em discurso, declarou que não vê nenhum problema em
fazer dívida para gerar crescimento econômico, tornou a questionar a meta de
déficit zero defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ainda
incluiu a inflação entre os parâmetros que podem ser ignorados em nome da
necessidade de estimular a economia. Ou seja, Lula corroborou, praticamente na
íntegra, o documento irresponsável do PT que, dias antes, defendeu que o
governo dê uma banana para os limites fiscais em nome da necessidade de ganhar
eleições – a única coisa que realmente importa para o lulopetismo.
“Se for necessário este país fazer um
endividamento para crescer, qual é o problema?”, questionou Lula. Em vez de
fazer essa pergunta retórica, o presidente poderia ter consultado seu ministro
da Fazenda, que certamente saberia lhe explicar que endividamento não gera
crescimento, mas inflação, juros altos e estagnação. Se gastança fosse solução,
o
Brasil, cujo Estado é perdulário praticamente
desde a Independência, teria crescimento chinês.
Enquanto o pobre ministro da Fazenda tenta
encontrar tostões nos bolsos das calças para fechar as contas de um governo com
cada vez menos recursos, o presidente desmoraliza publicamente seu esforço: “Eu
não quero saber de onde a gente vai ter dinheiro”.
O flerte de Lula com a irresponsabilidade
fiscal está se transformando em relacionamento sério. A certa altura de sua
arenga, o chefão petista declarou que já conhece “o caminho das pedras” e que,
portanto, é preciso “decidir agora se vamos retirar essas pedras ou não”, isto
é, “se a gente vai chegar à conclusão que, olha, por um problema da Lei de
Responsabilidade Fiscal, de superávit primário, de inflação, a gente não poder
fazer”.
Ou seja, Lula considera que a Lei de
Responsabilidade Fiscal é um “problema” a ser ignorado, uma “pedra” a ser
removida, em nome do crescimento econômico. No mesmo fôlego, desestimou o
caráter inflacionário do endividamento. Esse é o receituário do desastre, como
já deveria ter ficado claro para um presidente que está em seu terceiro mandato
e que teve bastante tempo para aprender com seus próprios erros e com os de sua
inesquecível criatura, Dilma Rousseff, cujo mote “gasto é vida” ornou a maior
recessão da história recente do País.
Não há milagre. Somente o aumento da
produtividade da economia é capaz de induzir períodos de crescimento perenes e
estáveis. Não basta ampliar de forma desmedida qualquer tipo de investimento
sem considerar a qualidade desses gastos nem a óbvia necessidade de encontrar
as receitas correspondentes – isso num país já sufocado por imensa carga
tributária. Não adianta escolher a dedo setores a serem estimulados nem
“campeões nacionais” a serem financiados sem considerar as condições da
economia brasileira e sua capacidade de competir e se integrar com as cadeias
globais.
Lula parece convencido de que ainda estamos
na primeira década do século, quando o mundo vivia o superciclo de commodities,
que gerou o vigoroso crescimento brasileiro registrado em alguns daqueles anos.
Não há nada parecido com isso no horizonte.
Não se trata de demonizar o papel da política
fiscal para reativar a economia durante turbulências, como a crise financeira
mundial de 2008 e a pandemia de covid-19. Mas é fundamental que todo governo
minimamente responsável saiba a hora de retirar os estímulos para deixar a
economia voltar a andar com as próprias pernas. Lula, ao contrário, acha que é
função dele guiá-la pelo melhor caminho.
Contrariando todas as expectativas,
felizmente o País deve encerrar o ano com um crescimento de 3%. É um
crescimento robusto, muito puxado pelo agronegócio. Seria o momento ideal de
investir em uma política fiscal anticíclica, que dialogue com a política
monetária e crie um espaço fiscal para que a sociedade possa enfrentar momentos
de crise – que sempre virão – de uma forma menos penosa.
É, contudo, o exato oposto do que Lula
defende. Para ele, basta querer – e gastar – que os problemas acabam.
O choque de Milei
O Estado de S. Paulo
Novo presidente da Argentina submete a
população e os setores produtivos a remédio amargo para estabilizar a economia,
mas sucesso depende de traquejo político que ele não demonstrou
O anarcocapitalista Javier Milei, presidente
da Argentina, entregou a seus eleitores a promessa de campanha de passar a
“motosserra” nos gastos públicos. Dez medidas ousadas foram anunciadas na noite
de 12 de dezembro pelo ministro da Economia, Luis Caputo, com o objetivo de
zerar o déficit das contas públicas já no fim de 2024 e estancar a escalada
para a hiperinflação. Outras mais virão nos próximos dias para completar o
programa de estabilização, sem que se possa prever seu êxito ou fracasso. A
maior incógnita, porém, não está na seara econômica.
Não há quem saiba neste momento se Milei
estará disposto a entrar no jogo político do Congresso para negociar suas
propostas e, ainda mais preocupante, se seguirá as premissas do Estado
Democrático de Direito. Só o tempo dirá se o descabelado, controverso e
intempestivo Milei da campanha eleitoral será um governante democrático. A
cerimônia de posse, cheia de sinais antidemocráticos, como o desrespeito ao
decoro e o limite ao trabalho da imprensa, não autoriza otimismo.
Luis Caputo teve todo o cuidado de sublinhar
aos argentinos que tudo vai piorar nos próximos meses, como já fizera o próprio
Milei em seu discurso de posse, no último dia 10. Um plano econômico centrado
na desvalorização cambial de 54%, no corte dos subsídios à energia e ao
transporte, na paralisação de obras públicas, na dispensa de funcionários da
máquina estatal, na suspensão de transferências de recursos para as Províncias
e no aumento da carga tributária sobre exportadores e importadores jamais traria
melhores dias em qualquer país. Muito menos em uma economia já condenada à
recessão neste e no próximo ano e com reservas internacionais negativas.
A fúria com que os preços foram remarcados
pelo comércio nos dias anteriores ao anúncio do Plano Caputo antecipou o duro
cenário a que todos os argentinos, favoráveis ou contrários a Milei, estarão
submetidos. A inflação, o desemprego e a pobreza vão escalar por um período
ainda não conhecido até que comecem a declinar – se as medidas surtirem o
efeito esperado. Mas expor essa verdade incômoda, em vez de uma mentira
confortável, não isenta o governo de enfrentar protestos tão ruidosos como os
do fim de 2001, que forçaram o liberal Fernando de la Rúa a renunciar e a
deixar a Casa Rosada num helicóptero para evitar a massa enfurecida. Como Milei
lidará com sua provável impopularidade e com os piqueteiros é outra incógnita.
A raiz do programa da nova gestão está no
diagnóstico de que os governos argentinos, nos últimos 123 anos, jamais se
preocuparam com o déficit fiscal e o endividamento público. “Somos viciados em
déficit”, afirmou Caputo. Há boa dose de razão nesse conceito, como prova o
histórico de crises no país desde, pelo menos, a redemocratização. O
descontrole dos gastos, quase sempre financiados pela emissão de pesos sem
lastro pelo Banco Central, condenou o país a registrar déficit nas contas
públicas em 113 anos, a mergulhar em nove calotes da dívida e a enfrentar um
longo período de hiperinflação – algo que nenhum argentino de meia-idade almeja
reviver.
O receituário aplicado pela equipe econômica,
por sua vez, não se desviou do modelo ultraliberal defendido por Milei. O
plano, porém, está longe de emitir sinais positivos ao setor produtivo em curto
prazo. Algum alívio deverá vir apenas com o embarque da safra agrícola – agora
supertributada – e de possíveis renegociações com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), que aplaudiu as medidas. Como Milei lidará com os
empresários e com o FMI? Esta é mais uma incógnita.
O plano de estabilização argentino, tal como
foi anunciado, somente sobreviverá se as forças políticas aliadas e de oposição
no Congresso, o empresariado e os sindicatos forem ouvidos com respeito pela
Casa Rosada. A lógica de Milei para enfrentar o desafio “titânico” de
estabilizar a economia do país venceu, legitimamente, as eleições. Mas sua
imposição sem diálogo, como se viu até agora, eleva o risco de fracasso e de
uma nova catástrofe social. A Argentina pode até suportar mais uma debacle
econômica. A via autoritária, porém, não condiz com sua vocação democrática. Se
Milei não se inteirou disso, precisa se adaptar rapidamente.
Populismo tarifário
O Estado de S. Paulo
Cartada do prefeito de São Paulo em busca de reeleição no ano que vem, ‘tarifa zero’ nos ônibus é delírio
O prefeito Ricardo Nunes teima em fazer da
delirante “tarifa zero” nos ônibus a sua “marca” na eleição do ano que vem,
quando tentará ficar na Prefeitura a despeito da gestão claudicante.
Na segunda-feira passada, Nunes anunciou a
isenção de cobrança de tarifa aos domingos em 1.175 linhas de ônibus municipais
que atendem a capital paulista. A medida começa a valer no próximo dia 17. O
prefeito de São Paulo jura que o objetivo da ação não é eleitoreiro, e sim
apenas “fazer um teste” com a gratuidade inicial para medir os efeitos da
adoção de “tarifa zero” em larga escala na economia paulistana.
Ora, não é necessário teste algum para ver
que a “tarifa zero” é economicamente inviável numa cidade do tamanho de São
Paulo. Os subsídios às empresas de ônibus paulistanos devem passar de R$ 7
bilhões neste ano, num modelo que premia a ineficiência operacional. Se a
tarifa for zero, isso significa que o ganho das empresas estará integralmente
garantido, ampliando exponencialmente o incentivo à ineficiência, e isso num
cenário de previsível aumento do número de usuários.
Ademais, ao deixar de cobrar a tarifa de
todos os passageiros indistintamente, a Prefeitura subsidia a passagem de quem
pode pagar, consumindo recursos que poderiam financiar programas destinados aos
mais pobres. Seria muito mais justo estabelecer um critério de renda para a
gratuidade.
Argumenta-se que a “tarifa zero” seria um
incentivo ao uso do transporte coletivo em detrimento do individual. No
entanto, há sólidas razões para crer que quem tem carro ou moto não passará a
usar ônibus só porque é de graça – afinal, não é a tarifa que espanta esses
passageiros, e sim a péssima qualidade do serviço. A esse propósito, aliás, é
bom enfatizar que, se a tarifa é “grátis”, o serviço naturalmente se
desvaloriza, tornando-se irrelevante se é bom ou ruim.
Há inúmeros exemplos de cidades ao redor do
mundo, todas muito menores que São Paulo, que adotaram a “tarifa zero” e
tiveram que voltar atrás, por alguma das razões acima citadas ou pela soma de
todas elas. Mas nada disso parece demover o prefeito, que insiste em fazer o
tal “teste” em São Paulo.
Estima-se que a conta do voluntarismo de
Ricardo Nunes fique em torno de R$ 500 milhões por ano. A Câmara Municipal já
aprovou o desembolso dessa dinheirama em primeira votação. Ou seja, parece que
é para valer.
Eis a dupla imprudência do prefeito.
Primeiro, requenta uma proposta que, de tempos em tempos, toma lugar no debate
público, mas nunca vai adiante, por sua rematada inviabilidade; segundo,
escolhe justamente o período pré-eleitoral para reavivar o tema da “tarifa
zero”, uma fantasia que decerto dominará o debate entre os pré-candidatos
quando, na verdade, a cidade tem questões mais prementes e reais a serem
tratadas.
Decerto o prefeito não estaria tão ávido por uma marca para chamar de sua se a cidade que ele administra estivesse um brinco. Sua popularidade seria natural. Mas São Paulo segue flagelada por carências tão básicas quanto incompatíveis com sua pujança política e econômica. Eis a marca da atual gestão.
Plano restitui cidadania a quem vive nas ruas
Correio Braziliense
Mais de 220 mil brasileiros estão nessa
condição. O governo federal deverá investir cerca de R$ 1 bilhão, para
resgatá-los da invisiblidade, permitindo que possam exercer a cidadania plena e
usufruir, com dignidade, das políticas públicas
Na comemoração dos 75 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, lançou o
Plano Ruas Visíveis, com o objetivo de estancar a indiferença aos que vivem
pelas calçadas das cidades brasileiras, desprovidos da necessária assistência
do poder público.
Hoje, são 221.113 brasileiros nessa condição,
segundo o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Um número 10 vezes
maior que o de 2013 e que deve ser subnotificado, considerando a dificuldade em
monitorar pessoas sem uma residência fixa. Embora esse problema seja histórico,
pela primeira vez o governo federal constrói uma política pública para esse
segmento, com orçamento e programas específicos. Até então, cada unidade da
Federação colocava a maioria dos desabrigados no campo da assistência social.
Também é a primeira vez que existe um Ministério dos Direito Humanos e
Cidadania na organicidade do Poder Executivo.
O Ruas Visíveis implica um investimento de
quase R$ 1 bilhão e envolve 11 ministérios para concretizar os sete eixos de
ações: assistência social e segurança alimentar (com investimentos de R$ 575,7
milhões); saúde (R$ 304,1 milhões); violência institucional (R$ 56 milhões);
cidadania, educação e cultura (R$ 41,1 milhões); habitação (R$ 3,7 milhões);
trabalho e renda (R$ 1,2 milhão); e produção e gestão de dados (R$ 155,9 mil).
Sinais de que é um enfrentamento complexo da questão e exige uma sintonia fina
entre os executores, a fim de que tenha êxito.
O estado de São Paulo, na primeira posição,
abriga 91.434 pessoas em situação de rua, o que corresponde a 24,8% das 221.113
inscritas no CadÚnico, dispersas em 2.354 municípios (42% das 5.570 cidades).
Além de São Paulo, nove outras capitais e cidades da Federação abrigam os
maiores contingentes de cidadãos na mesma situação: Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Salvador, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Campinas e
Florianópolis. Minas Gerais, em segundo lugar, tem 23.225 pessoas vivendo essa
dura realidade. O Distrito Federal, na nona posição, destaca-se com 7.429
pessoas em situação de rua, ou seja, três a cada mil habitantes.
No campo da saúde, há uma necessidade
indiscutível de iniciativas concretas diante do avanço absurdo da drogadição,
especialmente em São Paulo, onde cresce o número de usuários de K9, substância
sintética que transforma os usuários em zumbis — dependentes que sofrem
alucinações, paranoias, convulsões, ansiedade, taquicardia e até podem morrer.
A mesma necessidade estende-se por todo o país e deve ser complementada por
assistência psicossocial.
As crises sociais, econômicas, epidêmicas e
climáticas, entre outros fatores, lançaram milhares de brasileiros às ruas. Ao
mesmo tempo, essas pessoas tornaram-se invisíveis ante o olhar do poder público
e de enorme parte da sociedade. Alijada das políticas públicas, a população de
rua tem sido ignorada e, muitas vezes, hostilizada pelos iguais, e desamparada
como se fosse uma camada de párias entre os mais de 203 milhões de cidadãos da
população nacional.
Esses brasileiros em situação de rua compõem uma parcela das vítimas das desigualdades socioeconômicas, excluídos do ditame constitucional de que todos são iguais perante as leis e, portanto,deveriam usufruir benefícios legais e sociais, instituídos pelos Poderes da República. Espera-se que, com a iniciativa do governo, não sejam mais confundidos com integrantes de grupos criminosos, ainda que entre eles haja os que devem explicações à Justiça, mas não é uma condição que possa ser generalizada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário