terça-feira, 2 de abril de 2024

Luiz Schymura* - Protagonismo das emendas parlamentares veio para ficar

Valor Econômico

Países com democracia avançada apontam que há um papel importante do Poder Legislativo, em ação conjunta com o Poder Executivo, na coordenação do orçamento público

Ao longo dos últimos anos, um tema vem despontando no debate público: o crescimento do papel do Congresso Nacional na alocação de recursos no Orçamento público. Na prática, o que se tem visto é uma perda de protagonismo do Executivo em prol do Legislativo. Naturalmente, essa importante mudança institucional tem várias implicações. Diante dessa nova realidade, existem aqueles que creem que houve uma deterioração no modelo, enquanto há outros que acreditam que a direção a ser seguida está correta. Embora haja necessidade de ajustes, esta coluna advoga favoravelmente ao aumento do papel do Legislativo.

Para começar, é oportuno quantificar o encolhimento do Executivo no Orçamento público. Na verdade, fica mais fácil construir indicadores a partir do mecanismo que propiciou a ascensão do Legislativo: o aumento no volume das emendas parlamentares. Em termos nominais, as emendas saíram de R$ 6,14 bilhões em valores empenhados em 2014 para um montante autorizado de R$ 44,67 bilhões em 2024. Com isso, as emendas dos congressistas, que correspondiam a pouco menos de 4% do conjunto das despesas discricionárias em 2014, devem alcançar cerca de 20% no corrente ano. Salto bastante expressivo.

Ainda nessa toada, ao se analisarem as transferências federais diretas para Estados, municípios e entidades privadas - isto é, os recursos discricionários não executados diretamente pela União -, em 2014, 83% foram provenientes de políticas do Executivo federal, ficando os restantes 17% a cargo do Legislativo (esses valores não incluem fundos de participação). Em 2023, as transferências do Executivo foram 54% do total, logo as do Legislativo (emendas) corresponderam a 46%. Como se vê, os dados também corroboram o entendimento de aumento relativo da atuação dos congressistas junto aos municípios.

Em função do crescimento da participação do Legislativo na execução e elaboração do Orçamento público surge a questão: em que medida essa dinâmica é benéfica para o país?

Na visão de muitos analistas políticos, a multiplicação das emendas pulveriza o dinheiro público em ações paroquiais, em vez de se integrarem numa estratégia nacional de atuação do Estado.

Essa crítica subentende que, através do instituto das emendas parlamentares, o Congresso Nacional não consegue atingir um nível de eficiência na alocação dos recursos equiparável àquele na qual o Executivo lidera as ações. De fato, parece que essa crítica procede. A percepção é a de que as emendas parlamentares estão produzindo uma “colcha de retalhos”. Ao que tudo indica, há uma tendência dos legisladores/ propositores das emendas de buscar soluções para as suas bases eleitorais pulverizadas, sem focar numa ação política mais articulada em escala global. Dessa forma, as ações dos congressistas podem estar sendo promovidas em detrimento de um projeto mais bem orquestrado.

Por outro lado, é igualmente verdade que, em boa parte das democracias mais maduras do mundo, o Legislativo também participa do processo de definição de prioridades para a aplicação do dinheiro público. Inclusive, essa participação é um dos aspectos do funcionamento das instituições democráticas que confere legitimidade política ao Orçamento público.

Além disso, em países cujo orçamento é impositivo, o processo legislativo orçamentário é forte e coordenado, e nele é contemplada a restrição macroeconômica a ser preservada nas negociações entre Executivo e Legislativo na montagem do cronograma anual de gasto público. A partir do orçamento fechado, o processo se torna impositivo, na medida em que o Executivo executa o que foi orçado, sem discricionariedade e sem contingenciamento.

Como se vê, à luz das boas práticas internacionais, o caminho escolhido pelo Brasil está na direção correta. Afinal, países com democracia avançada apontam que há um papel importante do Poder Legislativo, em ação conjunta com o Poder Executivo, na coordenação do orçamento público federal. No entanto, existem ajustes importantes a serem feitos no modelo de emendas parlamentares hoje em vigor no país. Como um primeiro passo, é fundamental que a percepção de um orçamento estruturado como “colcha de retalhos” desapareça. Mas, para isso, é importante que algumas medidas sejam tomadas quanto ao tratamento das emendas parlamentares, tais como aumentar significativamente a transparência da destinação e do uso das verbas; e, aprimorar os critérios técnicos de elegibilidade para obtenção dos recursos.

Para Manoel Pires, Carolina Resende e Bráulio Borges, do Centro de Política Fiscal e Orçamento do FGV Ibre, outra forma de abordar essa questão é encarar a atual situação como um processo em que o Congresso precisa definir de maneira mais clara seu papel na gestão orçamentária. E, nesse processo, corrigir vícios de atuação, definir as prioridades alocativas, monitorar a execução do Orçamento e avaliar o que está sendo executado.

Em síntese, embora o modelo atual de fortalecimento das emendas parlamentares apresente inúmeros problemas, aboli-lo não é nem realista nem desejável. Isso corresponderia a retornar a um período em que o Congresso, de forma infantilizada, não tinha participação quase nenhuma no processo orçamentário efetivo e trocava votos por emendas irrelevantes em seu conjunto. Todas as mudanças e conflitos entre Executivo e Legislativo em torno das emendas parlamentares nos últimos dez a 15 anos refletem, na verdade, um Congresso que demanda a sua devida participação no processo orçamentário, o que, como já mencionado, é positivo para evolução democrática do país.

Por outro lado, para cumprir esse papel, é fundamental que o Legislativo esteja técnica e institucionalmente equipado para que o uso dos recursos públicos se integre à lógica de um projeto de país. Afinal, como aponta o provérbio popularizado pelos quadrinhos do Homem-Aranha: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. É nesse sentido que o Brasil deve caminhar para uma nova cultura orçamentária.

*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre

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