sábado, 6 de abril de 2024

Mauro Vieira* - As boas notícias que vêm da Ásia

O Globo

Em 2023, o Brasil exportou US$ 2,1 bilhões para Bangladesh, cifra que se aproxima das vendas para a França

O crescimento destacado do comércio exterior brasileiro nas primeiras duas décadas do século XXI, que levou as exportações de US$ 58,2 bilhões em 2001 para US$ 339,7 bilhões em 2023, tem múltiplas dimensões e não pode ser explicado apenas pelas obviedades mais conhecidas. Entre elas estão o desempenho invejável de setores exportadores, como o agronegócio e o mineral, e o crescimento expressivo da participação da China como parceiro comercial do país, com compras de US$ 104 bilhões, pouco menos de um terço do total exportado. Outros dados ajudam a explicar o fenômeno.

Em período histórico que coincide com o recrudescimento do protecionismo comercial dos países desenvolvidos, com a estagnação de negociações de acordos de livre-comércio, com o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do multilateralismo comercial, outras oportunidades vêm sendo bem aproveitadas pelos agentes econômicos brasileiros.

Em resposta ao protecionismo agrícola, o Brasil vem desenvolvendo parcerias no “Sul Global” que impressionam pelos resultados. Visitarei na próxima semana Bangladesh e Vietnã, dois exemplos perfeitos dessa mudança de eixo nas relações comerciais do Brasil com o mundo. Farei a primeira visita de um chanceler brasileiro a Bangladesh, acompanhado de uma missão empresarial representativa dos principais setores exportadores.

Em 2023, o Brasil exportou US$ 2,1 bilhões para Bangladesh, cifra que se aproxima das vendas para a França, de US$ 2,9 bilhões no período. Enquanto, para a França, a cifra exportada em 2023 praticamente repete a de 2014, no caso de Bangladesh o crescimento em dez anos impressiona: as exportações brasileiras para aquele mercado haviam sido de US$ 869 milhões em 2014. Para o Vietnã, um dos dez membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), as exportações brasileiras no ano passado foram de US$ 3,7 bilhões, cifra próxima aos US$ 4 bilhões exportados para a Itália e superior ao montante exportado para a já mencionada França ou para o Reino Unido (US$ 3,3 bilhões). Em 2014, o mercado vietnamita havia comprado US$ 1,6 bilhão do Brasil.

Nos últimos 20 anos, período inferior ao das negociações ainda não concluídas entre Mercosul e União Europeia, o comércio entre o Brasil e a Asean cresceu nada menos que 11 vezes. O dinamismo e o nível de abertura do Vietnã e da Asean já produziram uma mudança radical no perfil exportador brasileiro, cujos números não deixam dúvidas: em 2023, as exportações para os cinco principais mercados da Asean (Cingapura, Indonésia, Malásia, Vietnã e Tailândia) somaram US$ 22,7 bilhões, valor superior aos US$ 22,6 bilhões exportados para cinco integrantes do G7: Japão, Alemanha, Itália, Reino Unido e França.

Ainda que esses números sejam eloquentes, o potencial das relações com Bangladesh e com o Vietnã vai muito além e será explorado nas visitas. Com desafios comuns e lições positivas a compartilhar em matéria de superação da pobreza, o Brasil leva ainda bens de alto valor agregado, além de tecnologias na área da transição energética e da mitigação das mudanças climáticas, com base em experiências como a do uso em larga escala do etanol, capazes de abrir caminho para novos negócios e parcerias.

Esse diálogo já vem rendendo frutos na Índia, com um exitoso programa de mistura do etanol à gasolina. Inspirada no modelo brasileiro, a mistura já apresenta ganhos tangíveis em matéria de emissões e qualidade do ar. Pode perfeitamente ser aproveitada por outros países asiáticos.

Sem prejuízo de suas alianças tradicionais, a política externa do presidente Lula assimila plenamente as novas realidades do mundo e investe, de forma criativa, nesses polos dinâmicos de uma realidade internacional já marcada pela multipolaridade. Com o apoio de uma rede de embaixadas ampliada, os interesses privados e governamentais brasileiros contam com meios e respaldo político para expandir ainda mais os laços com a Ásia como um todo.

*Mauro Vieira é ministro das Relações Exteriores

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