O Globo
O ano de 2025 vai terminando amargo para
muita gente que acreditou nos julgamentos dos vândalos golpistas do 8 de
Janeiro e dos articuladores da intentona para impedir a posse de Lula como
salvação da democracia.
Tudo por causa do enredo que começa no
contrato da mulher de Alexandre de Moraes com o banco Master, prevendo o
pagamento de R$ 3,6 milhões mensais ao longo de três anos por serviços até
agora desconhecidos, e segue com a pressão do ministro sobre o presidente do
Banco Central, Gabriel Galípolo, pela aprovação da venda do Master ao BRB,
banco estatal de Brasília.
Enquanto salvava a democracia, Moraes se movimentava no coração do poder de uma forma que não é preciso código de ética para considerar imprópria. O contrato de sua mulher foi fechado em janeiro de 2024 e continuava válido em julho de 2025, quando Moraes esteve com o presidente do BC.
Uma vez que as conversas foram reveladas,
Moraes disse que se reuniu, sim, com Galípolo, mas não falou sobre o Master, só
sobre as sanções da Magnitsky aplicadas pelos Estados Unidos contra ele. Fez o
mesmo que o colega Dias Toffoli — este viajou no jato de um empresário a Lima
com o advogado de um réu do caso Master no mesmo dia em que chamou para si o
controle da investigação sobre o banco e decretou sigilo máximo sobre o caso — mas
garante que não conversou sobre o assunto com o vizinho de poltrona, só mesmo
sobre o jogo do Palmeiras a que assistiriam.
Galípolo, que andava assertivo, dizendo estar
à disposição do Supremo e de Toffoli para todos os esclarecimentos e afirmando
ter documentado todos os contatos, mensagens e discussões a respeito do Master,
passou a adotar um comportamento errático.
Primeiro, negou “em off” a alguns veículos
ter sido pressionado, mas admitiu que, nas conversas com Moraes, se falou sobre
o caso Master. Procurou jornalistas para afirmar não ter sido pressionado, mas
pediu que não publicassem ter dito isso. Mas se não houve pressão, por que não
dizer em público, alto e bom som?
Oficialmente, o BC divulgou uma nota de duas
linhas confirmando apenas que houve reuniões para discutir as sanções da
Magnitsky. Mas essas reuniões também não constam da agenda pública de Galípolo.
Ninguém explicou nem quando nem onde ocorreram, por que não foram registradas,
nem se nessas conversas se falou, afinal, de Master.
Por fim, depois de muito questionamento,
Moraes ainda disse que sua mulher não trabalhou para o Master na negociação com
o BRB. Fica, então, a pergunta: se o escritório de Viviane não atuou pelo banco
de Vorcaro na operação mais relevante da história da instituição, o que seu
escritório fez, afinal?
Os esclarecimentos que nada esclarecem
imediatamente passaram a servir de munição ao Fla-Flu das redes, dando aos
“mitodependentes” combustível para recorrer ao velho argumento da perseguição e
das fake news contra o herói da democracia. Não faltou quem argumentasse haver
uma campanha de ataques contra Moraes, orquestrada pelo bolsonarismo e/ou pelo
“lavajatismo”.
A Lava-Jato acabou em descrédito e foi
completamente desmontada em razão das mensagens mostrando que Moro cruzou o
balcão para orientar o Ministério Público nas ações contra o megaesquema de
corrupção montado no governo Lula. Sob essa régua, como classificar as atitudes
de Moraes e Toffoli?
A investigação sobre as fraudes que
avalizaram a cessão de créditos no valor de R$ 12,2 bilhões pelo Master ao BRB,
embora tutelada por Toffoli, continua. O processo de liquidação do banco está
em curso e, se for sério, fará o escrutínio de todos os contratos e pagamentos,
incluindo os R$ 500 milhões a consultorias e escritórios de advocacia que o
Master informou no balanço de 2024.
O conteúdo do telefone celular de Vorcaro,
apreendido no dia em que ele e outros cinco acusados foram presos, também está
trancafiado em diferentes versões e locais. Pode nunca vir à tona, mas
permanecerá como fantasma sobre todos os que, de alguma forma, se envolveram
nos rolos do Master.
Nesse contexto, o ideal seria que tudo fosse
apurado e exposto à sociedade. Não é o que se desenha, a julgar pela reação dos
envolvidos e pelo silêncio dos que deveriam agir — aí, sim — pelo fortalecimento
da nossa democracia. O mais provável é que toda essa história acabe tragada
pela dinâmica da polarização e pela disputa eleitoral de 2026, para depois ser
soterrada por algum outro escândalo mais picante.
Independentemente do que aconteça, duas lições
estão evidentes para quem quiser aprender. A primeira é que cada um pode
acreditar no que melhor lhe aprouver, mas crenças ideológicas nunca foram
capazes de apagar os fatos. A segunda: numa sociedade que idolatra heróis (ou
mitos) e despreza instituições, a democracia sempre estará em xeque.
Preservá-la é a missão não de falsos heróis, mas de uma sociedade inteira.

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