Rombo nas contas públicas exige ajuste de despesas
O Globo
Relatório do Tesouro projeta déficit maior em
2024, ainda que haja alta — incerta — nas receitas
Cresceu a projeção do governo para o buraco
nas contas
públicas até o final do ano. Pelos cálculos do Tesouro, o
resultado primário — diferença entre receitas e despesas, sem contar pagamentos
de juros — será um déficit de R$ 14,5 bilhões, R$ 5,2 bilhões além da
estimativa anterior. Na interpretação das autoridades em Brasília, tudo
continua sob controle. Como a regra fiscal permite um déficit de R$ 28,8
bilhões, dizem haver folga.
O discurso benevolente tenta encobrir uma
realidade bem mais preocupante. Nunca se pode perder de vista o endividamento e
sua trajetória. Em dez anos, a dívida bruta saiu de menos de 60% do PIB para os
atuais 74,4%. No ritmo atual, tardará a cair. Quanto mais demorar, piores os
efeitos sobre taxa de juros, câmbio e crescimento.
A credibilidade da política fiscal já viveu dias melhores. O arcabouço aprovado em 2023 não completou nem um ano, mas já foi alterado para afrouxar as metas. Mesmo com as mudanças, há dúvidas se as contas fecharão dentro do estipulado pelas regras. Para chegar a dezembro com um déficit de até 0,25% do PIB (os tais R$ 28,8 bilhões), será necessário atingir uma projeção de arrecadação inflada. Entre o primeiro e o segundo bimestre, o Tesouro Nacional elevou a estimativa de receitas primárias federais em R$ 16 bilhões. Ao mesmo tempo, houve aumento de R$ 24,4 bilhões nas despesas primárias, R$ 20,1 bilhões delas obrigatórias.
O cálculo do Tesouro leva em conta o
recebimento integral dos dividendos extraordinários da Petrobras. A petroleira
reteve R$ 42 bilhões no começo do ano. No mês passado, voltou atrás e aprovou a
distribuição de metade aos acionistas, passando R$ 6,4 bilhões à União. Para o
secretário do Tesouro, Rogério Ceron, é certo que a segunda metade será paga.
Dado o grau de intervenção do Palácio do Planalto na Petrobras, é até provável
que Ceron esteja certo nesse item. Mas as demais previsões serão mais difíceis
de cumprir.
As receitas são projetadas pelo governo com
expectativa de crescimento do PIB de 2,5%, sem levar em conta as consequências
negativas das chuvas no Rio Grande do Sul na economia. No quesito das despesas,
a tragédia gaúcha e o esforço de reconstrução também terão peso. O discurso
oficial de que a ajuda não será comedida e, ao mesmo tempo, zelará pelas
finanças públicas é contraditório. Os montantes transferidos ou as renúncias a
impostos ficarão fora da meta e dos limites fiscais, mas isso não quer dizer que
sairão de um vácuo. Truques contábeis à parte, empurrarão a dívida para cima.
A situação fiscal e as perspectivas são
alarmantes e exigem medidas à altura. O déficit estrutural deu um salto no
primeiro ano do governo e fechou 2023 em 1,65% do PIB. O ministro da
Fazenda, Fernando
Haddad, tem razão quando diz ser preciso “pensar nas condições
institucionais”. Seriam bem-vindas mudanças para desengessar o Orçamento.
Embora desejável, parece pouco provável que o governo tenha a intenção de abrir
essa frente no Congresso em ano com eleições municipais e desafios da magnitude
da regulamentação da reforma tributária.
Como medidas para alavancar a arrecadação têm
limites, a alternativa à disposição do governo é, com a ajuda do Legislativo,
implementar um plano consistente de ajuste de gastos. A ilusão de que a dívida
pública ascendente é inofensiva fez o Brasil chegar a um endividamento próximo
de 80% do PIB. É preciso acabar com o autoengano.
Desmonte de rota do tráfico do Rio à Amazônia
indica caminho para polícia
O Globo
Sucesso depende da integração com outras
forças e de investigação das finanças do crime organizado
Foi exemplar a operação Rota do Rio,
promovida pela Polícia Civil do Rio de
Janeiro contra o tráfico de drogas e armas. O objetivo era
desmantelar uma ampla rede de tráfico comandada pelo Comando Vermelho,
organização criminosa hegemônica no estado. A rota dos traficantes se estendia
até o Amazonas,
seguindo o Rio Solimões e conectando Tabatinga, Letícia e Santa Rosa de Yavari,
ilha fluvial no lado peruano da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e
Peru (dois grandes produtores de drogas).
O alcance da operação pode ser medido pela
execução de 113 mandados de busca e apreensão e de quatro prisões em quatro
estados: Rio, Minas Gerais, Amazonas e Pará. Só no Rio, a polícia bateu à porta
de suspeitos em Copacabana, na Barra da Tijuca, no Recreio dos Bandeirantes e
na comunidade do Fallet-Fogueteiro, na região central. Ainda no estado, os
policiais cumpriram mandados em Armação dos Búzios e Cabo Frio.
Um desses mandados, de busca e apreensão, foi
emitido contra Raimundo Pinheiro da Silva, conhecido como “Chicó”, ex-prefeito
de Anamã, município do Amazonas. Ele é suspeito de usar um frigorífico no
estado para lavar dinheiro da organização criminosa. A droga ultrapassava a
tríplice fronteira com destino a portos no Pará e no Nordeste, depois passava
por Minas Gerais até chegar ao Rio, onde era vendida. Parte do dinheiro fazia o
caminho de volta.
Para o êxito da operação, foi crucial a
integração da Polícia Civil fluminense com serviços de inteligência e outras
corporações de fora do estado. Na investigação que durou seis meses, ela contou
com o apoio da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRCO), do Amazonas,
da Subsecretaria de Inteligência local e do Comitê Integrado de Investigação
Financeira e Recuperação de Ativos (Cifra), criado no ano passado numa
iniciativa promissora para cercar as finanças do crime em âmbito federal. Fazem
parte dele Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, representantes das
secretarias estaduais da Polícia Civil, do Ministério da Fazenda, do Ministério
Público Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Fica mais uma vez provado que apenas com a
troca de informações e a colaboração entre os diversos braços de segurança
pública o Estado brasileiro tem condição de derrotar com êxito organizações
criminosas que hoje têm ramificações internacionais e estão infiltradas em
instituições públicas. A operação também confirma que a tríplice fronteira é
ponto de partida de uma importante rota de distribuição de drogas colombianas e
peruanas. É fundamental que essa atuação integrada da Polícia Civil se torne um
padrão para enfrentar o crime organizado em todas as suas modalidades.
Fed indica que pode demorar para reduzir
juros
Valor Econômico
Não é improvável que redução dos juros nos EUA ocorra apenas no próximo ano ou que o Fed faça apenas um corte em 2024
Após quase um ano em que o Federal Reserve
(Fed, o banco central americano) resolveu estacionar os juros em seu mais alto
nível em 22 anos (5,5%), o banco ainda não se sente seguro de que a inflação vá
de fato caminhar de volta para a meta de 2%. Ao contrário, considera que há
riscos significativos de alta dos preços. Desde julho de 2023, as taxas dos fed
funds não se movem, em uma espera exasperante para os mercados financeiros ao
redor do mundo. O Fed aguardava confirmações seguidas de redução dos índices,
mas eles voltaram a subir no primeiro trimestre do ano. O revés indica que será
necessário muito mais que um par de notícias positivas para que os juros
comecem a ser reduzidos, o que só deverá ocorrer mais no fim do segundo
semestre.
O percurso da inflação se mostrou mais
acidentado do que parecia. A demora ampliou as dúvidas sobre o grau de aperto
já realizado e levou à discussão no Fed sobre se não seria preciso ir além -
aumentar novamente os fed funds. O presidente do Fed, Jerome Powell, em
entrevista logo após a última reunião do Fomc (o comitê que decide as taxas),
disse que essa hipótese era pouco provável. Ela foi, no entanto, discutida.
Muitos participantes da reunião apontaram que
os juros altos estavam tendo menos efeitos do que no passado, e esboçaram
alguns motivos. Um deles é que a taxa de juros de equilíbrio (a que não
restringe nem estimula aumento de preços) pode ser hoje mais alta do que antes.
Na reunião de março, nas projeções, a mediana dos juros de longo prazo foi de
2,6%, mas com variação entre 2,4% e 3,8%. Tomando por base os 2,6%, há bom
espaço para que os juros caiam: não há tanta margem assim se a ponta do
espectro (3,8%) for considerada. Outra hipótese foi a de que o potencial de
crescimento da economia se reduziu e é menor do que o esperado - a mediana das
estimativas dos membros do Fed é de 1,8%, e o PIB tem crescido bem acima disso
nos últimos anos.
Vários participantes da reunião, porém,
demonstraram inclinação para elevar os juros caso a inflação suba. Ainda que
isto esteja naturalmente no cardápio de qualquer banco central, a simples
manutenção de taxas altas por mais tempo, o mantra do Fed há meses, causou
forte agitação nos mercados financeiros. Apertos adicionais teriam
consequências ainda mais desestabilizadoras. O Fed deve manter-se à espera de
resultados melhores que podem demorar a ocorrer.
A piora do início do ano no combate à
inflação surpreendeu. O Fed afirma que há um maior equilíbrio no mercado de
trabalho entre oferta de mão de obra e oferta de vagas - ainda em desvantagem
para os empregadores - e alguma desaceleração nos aumentos de salários. Em
março, último dado antes da reunião do banco, o custo do trabalho e o pagamento
por hora trabalhada recuaram na comparação anual, mas a média móvel trimestral
teve alta pronunciada em relação à média do segundo semestre de 2023.
Com um ritmo econômico ainda forte, as
preocupações do Fed concentravam-se na inflação de serviços, mais alta do que
seria compatível com uma meta de 2%, situação recorrente nos últimos meses,
contrabalançada por uma inflação de bens comportada. Não mais: o Fed detectou
aumentos significativos em ambos. A inflação de serviços subiu no trimestre em
relação ao anterior, e os preços de bens essenciais aumentaram no período pela
primeira vez depois de vários meses.
A economia reduziu seu ritmo no primeiro
trimestre, mas esta não deve ser a tônica do ano para o Fed. O banco estima que
a demanda privada doméstica, que compreende os gastos de consumo e o
investimento fixo privado, aumentou em um nível parecido com os do excelente
desempenho do segundo semestre de 2023 - no terceiro trimestre do ano passado o
PIB avançou 5,2% e no quarto, 3,4%.
As análises do Fed não consideram
explicitamente os relevantes impulsos de uma política fiscal expansiva. O Fed
considera que a poupança feita com os auxílios recebidos durante a pandemia se
esgotaram para a população de baixa renda, mas isso não aconteceu com a
população de média e alta rendas. Além disso, os estímulos fiscais continuaram
fortes no governo Biden, o que permitiu que, mesmo com uma taxa de juros alta,
houvesse festa nas bolsas - valorização de US$ 8 trilhões em nove meses
(Joaquim Levy, Valor, ontem). A transmissão dos juros altos para a
economia foi também menos intensa pelas características dos mercados
americanos. Estudo do Fed mostrou que grande proporção das taxas das hipotecas
imobiliárias e de empréstimos corporativos é fixa (carregam juros baixos do
passado) e que as empresas americanas dependem menos de empréstimos bancários
do que nos demais países desenvolvidos.
Não é improvável que o Fed empurre a redução
dos juros para o ano que vem ou faça apenas um corte na taxa em 2024. Essa é
uma restrição externa relevante para o corte de juros no Brasil. A força do
dólar tem efeito negativo na inflação, e o diferencial de juros menor tem
acelerado a migração de recursos de aplicações alocadas no Brasil para os EUA.
Os fatores domésticos, porém, contam muito. Sinais de maior seriedade com a
política fiscal poderiam arrefecer a valorização do dólar e, com isso, abrir
espaço para mais cortes nos juros.
Governo gera descrença nas próprias previsões
Folha de S. Paulo
Como em 2023, gestão petista vai elevando sua
estimativa para o déficit fiscal, mas analistas ainda projetam muito mais
Os danos infligidos pelo governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) à política econômica não se limitam ao ímpeto gastador e ao abandono
precoce das metas de equilíbrio fiscal. Como se tudo isso não fosse o bastante,
o Executivo semeia o descrédito nas próprias projeções orçamentárias.
É o que se vê com o relatório bimestral
destinado a reavaliar as receitas e despesas esperadas no ano. Trata-se de
procedimento exigido por lei que, além de proporcionar maior transparência na
gestão das contas, pode servir para orientar as expectativas dos mercados que
formam preços cruciais, como as taxas de juros e
de câmbio.
Isso, claro, se os dados ali contidos forem
levados a sério —mas essa não parece ser uma preocupação na administração
petista.
Em seu primeiro relatório, estimou-se um
déficit primário (ou seja, sem contar os gastos com juros) de R$ 107,6 bilhões
em 2023. Essa seria uma boa notícia na comparação com R$ 228,1 bilhões
previstos no Orçamento do exercício. Na época, o número foi usado para pressionar o
Banco Central a acelerar os cortes de juros.
Já eram visíveis, então, prováveis
inconsistências nas cifras, e o benefício da dúvida foi se dissipando com o
passar dos meses.
A projeção de déficit subiria nos relatórios
seguintes, e o resultado final foi um rombo de astronômicos R$ 264,5 bilhões
—inflados, é verdade, pelo pagamento de R$ 92 bilhões em precatórios represados
por Jair
Bolsonaro (PL), mas em qualquer
cálculo incompatíveis com a promessa inicial.
Neste 2024, para o qual o governo fixou a
meta de equilibrar receitas e despesas, o primeiro relatório de avaliação,
publicado em março, previu saldo negativo de R$ 9,3 bilhões. Num roteiro
previsível, o número
acaba de subir para R$ 14,5 bilhões —fora R$ 13 bilhões em
gastos extraordinários com a tragédia gaúcha, corretamente excluídos da meta.
Se tais estimativas merecessem alguma
confiança, haveria hoje um ambiente muito mais favorável à queda da inflação e
dos juros. Mas, desde antes do desastre climático no Rio Grande do Sul, as
projeções independentes mais consensuais apontam para um déficit mais perto de
R$ 80 bilhões neste ano.
Nada na conduta do governo indica alguma
disposição adicional em conter despesas em busca de um resultado melhor. Ao
contrário, um bloqueio preventivo de R$ 2,9 bilhões, irrisório para as
dimensões do Orçamento, foi revertido.
Expectativas econômicas decerto são voláteis
e falhas, mas não se pode subestimar seu peso nas decisões de investimento que
afetam o bem-estar social. Um governo que não leva a sério os próprios números
só alimenta incertezas.
Imprensa mais protegida
Folha de S. Paulo
STF reconhece que assédio judicial a
jornalistas viola a Constituição Federal
O Supremo Tribunal Federal emitiu na
quarta-feira (22) um sinal
expressivo em defesa da liberdade de expressão, da imprensa e do
direito à informação ao declarar a inconstitucionalidade do chamado assédio
judicial a jornalistas.
Por iniciativa da Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo
(Abraji), a corte reconheceu o assédio judicial como "o ajuizamento de
inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito
ou efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa
ou torná-la excessivamente onerosa".
Num dos exemplos mais conhecidos dessa
prática abusiva, a jornalista Elvira Lobato, após escrever reportagem na Folha sobre
o patrimônio empresarial de dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus,
enfrentou mais de uma centena de ações judiciais dispersadas por todos os
cantos do país.
Não se tratava, por óbvio, de busca legítima
de reparação —até porque as peças, dirigidas contra a profissional e contra o
veículo, não contestavam as informações do texto, publicado em 2008. O que se
pretendia era tão-só intimidar a imprensa, impor os custos processuais e vencer
pelo cansaço.
Foi debalde. A advogada Taís Gasparian —que
defendeu a Folha e agora assinou a ação da Abraji— ganhou todos os
casos, sem exceção. Partiu dela, nessa época, a certeira expressão
"assédio judicial", agora consagrada pelo Supremo.
O julgamento ora finalizado pelo STF não há de
eliminar as variadas tentativas de silenciar a imprensa e de
vilipendiar o acesso à informação, mas pelo menos essa forma específica de
assédio restará bastante limitada. Decidiu-se, afinal, que o jornalista poderá
reunir todos os processos semelhantes em seu foro de domicílio.
A corte julgou ainda outra ação, esta
proposta pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e deliberou que "a
responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará
configurada em caso inequívoco de dolo ou culpa grave (evidente negligência
profissional na apuração dos fatos)".
Cuida-se, em boa hora, na proteção da
liberdade de imprensa, que ainda tem
a avançar no país.
Os fantasmas que assombram Haddad
O Estado de S. Paulo
Ministro se queixa dos ‘fantasminhas’ que
prejudicam ‘nosso plano de desenvolvimento’, mas, se há espíritos a perturbar o
trabalho da equipe econômica, não é no mercado que eles estão
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse
ter a impressão de que há um “fantasminha fazendo a cabeça das pessoas e
prejudicando o nosso plano de desenvolvimento”. Para ele, vários indicadores
macroeconômicos mostram que o Brasil vai bem. “Às vezes me chega um comentário
e eu fico pensando de onde está saindo essa informação?”, questionou o
ministro, ao participar de audiência na Comissão de Finanças e Tributação da
Câmara na última quarta-feira.
A confirmar as assombrações do ministro, o
mercado financeiro teve um dia péssimo para os negócios. Parte desse movimento
foi consequência da ata do Federal Reserve, o banco central dos EUA, que
sinalizou juros altos por mais tempo e não descartou elevá-los caso a inflação
norte-americana volte a subir. Mas é inegável que parte dessa reação se deveu
às palavras do próprio ministro, que não poderia ter escolhido forma mais
desastrosa para criticar o pessimismo dos investidores.
“As nossas expectativas, que eram
consideradas exageradas até outro dia, ‘ah, não vai acontecer o que a Fazenda
está dizendo’, por enquanto, estão acontecendo”, afirmou Haddad. “As contas
estão mais equilibradas, a inflação totalmente controlada, os núcleos estão
rodando abaixo da meta, que é exigentíssima”, acrescentou.
Sabendo como o mercado financeiro funciona, o
ministro poderia ter parado por aí, mas não se conteve. “Uma meta (de inflação)
para um país com as condições do Brasil, de 3%, é um negócio inimaginável.
Desde o regime de metas instituído, quantas vezes o Brasil teve 3% de inflação?
Em quantos anos isso aconteceu, nos 25 anos do regime de metas?”, questionou
Haddad.
É bem provável que o ministro não tenha se
dado conta da gravidade do que dizia naquele momento. Fato é que havia uma
expectativa no ar sobre a próxima decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN),
quando o colegiado formado por Haddad, pela ministra Simone Tebet e pelo
presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, se reunirá para
confirmar o alvo da inflação de 2025 e de 2026 e fixar a meta de 2027.
A completar o quadro, a ata do Comitê de
Política Monetária (Copom) do BC expôs um racha entre os membros mais antigos e
os indicados pelo presidente Lula da Silva. Essa divisão acendeu o alerta de
que o governo está incomodado com os juros elevados e poderá mudar os rumos da
política monetária em 2025, quando terá maioria entre os integrantes do Copom.
Como se sabe, a Selic é o principal
instrumento da autoridade monetária para conduzir a inflação à meta definida
pelo CMN. Para o mercado, a declaração de Haddad soou como um recado. Se a meta
é “exigentíssima”, é porque está fora do lugar. Para piorar, quem já disse
publicamente que a meta estava errada e precisava ser alterada foi ninguém
menos que o presidente da República, em abril do ano passado.
Foi o suficiente para estragar o humor dos
investidores de vez. A curva futura de juros embicou para cima, o dólar fechou
em alta, o Ibovespa encerrou a quarta sessão consecutiva em queda e atingiu o
menor nível em quase um mês. Esse cenário assombrado não foi provocado por
nenhum “fantasma”, e sim pelo próprio ministro Haddad. Se há espíritos a
perturbar o trabalho do ministro, não é no mercado financeiro que eles estão, e
sim no entorno de Haddad. O mercado não torce contra o governo, mas tampouco
ignora o contexto político em que está inserido.
O que não falta são detratores a atuar contra
os objetivos de Haddad de equilibrar as contas, o que necessariamente requer
reduzir o gasto público, cortar os subsídios e zerar o déficit primário. A
presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), desqualificou Simone Tebet
depois que esta propôs a correção dos benefícios previdenciários pela inflação,
única forma de preservar o arcabouço fiscal. Já seria bastante grave, não fosse
o fato de que Gleisi muitas vezes é a porta-voz informal de Lula da Silva.
Portanto, Haddad faria melhor se, em vez de
se ocupar de fantasmas, enfrentasse os vivíssimos adversários do equilíbrio
fiscal.
São Paulo aponta o caminho das pedras
O Estado de S. Paulo
Enquanto o governo federal acelera sua
jornada rumo a uma trajetória fiscal insustentável, o governo paulista
apresenta um plano promissor para racionalizar os gastos públicos
O governo do Estado de São Paulo apresentou
as diretrizes de um plano para modernizar a administração pública, expandir
investimentos, melhorar a qualidade do gasto público e reduzir as despesas
correntes.
São medidas interdependentes. A ampliação dos
investimentos se dará por iniciativas de qualificação da infraestrutura e
melhoria do ambiente de negócios do Estado, por meio de medidas como a
reestruturação das agências reguladoras e parcerias com a iniciativa privada.
Para viabilizar investimentos públicos, o decreto prevê vendas de ativos
imobiliários, medidas de redução de custeio e de pessoal e revisão de programas
de governo e benefícios fiscais.
Por enquanto, são apenas diretrizes.
Muito ainda precisará ser detalhado. Cada
secretaria precisará elaborar, nos próximos 90 dias, diagnósticos e propostas
de otimização dos gastos. Parte das medidas dependerá da aprovação da
Assembleia Legislativa. Até por isso o governo evita apresentar uma estimativa
total do projeto. Mas só a revisão dos benefícios fiscais concedidos a
empresas, hoje na casa de R$ 60 bilhões anuais, pode aumentar a arrecadação em
até R$ 20 bilhões por ano.
Não se trata da mera redução do tamanho do
Estado ou de simplesmente gastar menos, mas de buscar um Estado eficiente, que
gaste bem. Tampouco basta investir, se esse investimento não aumenta a
produtividade. Por isso, uma das medidas mais importantes do decreto, com
potencial de se transformar em política de Estado, é a implementação de um
Sistema de Avaliação da Qualidade do Gasto. O decreto estabelece ainda a
criação de um conselho gestor do plano, que revisará mensalmente sua eficácia e
poderá propor novas diretrizes e ações.
O plano paulista é praticamente uma foto em
negativo do “plano”, por assim dizer, do governo federal para a consolidação
fiscal. O governo de São Paulo não esconde esse contraste – ao contrário,
enfatiza-o implicitamente já no nome do programa: “São Paulo na Direção Certa”.
De fato, bastou a ministra do Planejamento,
Simone Tebet, sugerir medidas no mesmo sentido, como um mecanismo de revisão de
gastos ou a desindexação dos benefícios previdenciários do reajuste do salário
mínimo, para ser escorraçada pelas bases petistas da malfadada “frente ampla”.
Respondendo à monomania lulopetista por mais
gastos, o Ministério da Fazenda foi praticamente reduzido a um “Ministério da
Arrecadação”. Mas mesmo esse expediente já começa a fazer água. A cada nova
projeção fiscal, fica mais claro que, na composição do Orçamento federal, não
só as receitas foram superestimadas e as despesas foram subestimadas, mas os
gastos fixos foram criados com base no entusiasmo ou na ilusão de receitas
provisórias.
Espaço para aumentar impostos não há. Entre
os grandes países emergentes, o Brasil já tem a maior carga tributária. A
dívida pública do Brasil também só não é maior que a da Argentina e a do Egito.
Pelos critérios de cálculo do FMI, a dívida bruta do setor público brasileiro
subiu de 85% do PIB em 2022 para 88% em 2023, enquanto a média dos emergentes é
de 68%. A manter essa rota, pelas projeções do FMI a dívida chegará em 2028 a
96% do PIB.
O Brasil conhece esse roteiro. Foi justamente
o descontrole fiscal das gestões petistas que precipitou a economia nacional na
pior recessão da história moderna. Mas o negacionismo do governo é invencível,
e ele ruma obstinado em sua volta ao passado.
Segundo as projeções fiscais da Secretaria do
Tesouro, o espaço já marginal para as despesas discricionárias, ou seja, de
custeio e investimentos, encolherá aceleradamente até desaparecer em 2030.
Em contraste, São Paulo está mostrando o
caminho. É incerto ainda em que medida o governo terá capacidade de articulação
para resistir às pressões corporativistas e se terá pulso e habilidade para
dirigir a máquina pública nessa direção. O governo ainda precisará detalhar os
meios para chegar ao fim desejado – e, como se sabe, o diabo mora nos detalhes.
Mas do que se sabe até o momento dessa nova política econômica, São Paulo está,
de fato, se orientando na direção certa.
O vaivém das refinarias
O Estado de S. Paulo
Petrobras usa órgão de defesa da concorrência
ora para vender, ora para reaver refinarias
A Petrobras, dando sequência à guinada
promovida pelo governo Lula em sua estratégia empresarial, pediu e obteve do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a anulação do compromisso de
venda de metade de seu parque de refino, além da transportadora de gás TBG. O
acordo, firmado em 2019, no governo Bolsonaro, havia sido desenhado pela
própria área técnica da Petrobras, que sugeria a venda para extinguir um
questionamento sobre atuação anticoncorrencial.
Poucas horas após a petroleira tornar público
o pedido, a Superintendência-Geral do Cade manifestou-se a favor e recomendou
voto favorável ao plenário, que aprovou o pedido dois dias depois. Ainda que a
Petrobras tenha ressaltado, em comunicado, que as propostas apresentadas foram
“fruto de amplo debate técnico” entre ambos, restou a desconfiança de que os
interesses do governo de ocasião no controle da empresa prevaleceram, dado que
a venda foi aprovada e também revertida com inaudita velocidade.
Desconfiança é o pior sinal a ser emitido por
um organismo regulador de mercado. A legislação que criou o Cade estabelece, em
seu parágrafo único, que “a coletividade é a titular dos bens jurídicos
protegidos por esta lei”. Com isso, impõe, de forma muito clara, que sua
atuação deve garantir à sociedade acesso a um mercado de livre concorrência.
Não é – ou não deveria ser – função do Cade
atender aos interesses de empresa A, B ou C, sejam eles quais forem, sem antes
avaliar em detalhes em que medida esses interesses podem prejudicar o mercado e
os consumidores. Dito isso, foi no mínimo questionável que uma reclamação
contra a Petrobras feita pela Associação Brasileira dos Importadores de
Combustíveis (Abicom) há cinco anos tenha sido solucionada por um plano
produzido pela própria Petrobras.
Na época, a reclamação parecia o que a gestão
de Bolsonaro e o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, precisavam para
justificar a venda e reforçar o caixa, já que o Tesouro é também remunerado na
transação. Além do mais, podendo escolher com quais refinarias pretendia
permanecer, a companhia, por óbvio, manteve as mais rentáveis, sem objeção do
Cade. A pandemia de covid e a insegurança que cercou a decisão fizeram com que
apenas três das oito unidades postas à venda fossem de fato privatizadas.
Agora, sob a gestão Lula da Silva, a empresa quer voltar atrás mesmo em relação
às vendas efetuadas.
Alegando que a alienação das refinarias é um
obstáculo ao processo de transição energética, a Petrobras propõe alternativas
para garantir a concorrência que partem do pressuposto de que o Cade confia
integralmente no bom comportamento da empresa – como o compromisso de fechar
contratos com “estrita observância ao direito de concorrência”, divulgar em seu
site as diretrizes comerciais e não discriminar refinarias independentes.
Aceitar negócios garantidos pelo fio do bigode não é exatamente o que se espera de um órgão antitruste. Conflitos concorrenciais deveriam ser solucionados com imparcialidade e rigor pelo Cade, e não, como parece ter sido, com resolução terceirizada a uma das partes envolvidas.
Reflexões sobre o ato de adotar
Correio Braziliense
Dados do CNJ mostram que cerca de 92% das
crianças em busca de adoção têm mais de 6 anos de idade, e cerca de 48% do
sistema é composto por adolescentes entre 12 e 17 anos
É triste um país que tem uma fila com mais de
35 mil nomes interessados em adotar (adotantes) e cerca de 30 mil crianças em
situação de acolhimento. Amanhã (25) é o Dia Nacional da Adoção, mas somente 4
mil bebês e crianças estão efetivamente aptos a ganhar uma família.
Além de uma infinidade de papéis que precisam
ser preenchidos e uma série de etapas a serem cumpridas para que o processo
seja definitivamente concluído, o sistema brasileiro lida com questões
comportamentais que fogem ao seu controle. Embora o interesse de pessoas e
famílias em adotar uma criança seja nítido, é visível também a incongruência
entre as expectativas (exigências) dos candidatos a pais adotivos e o perfil
das crianças.
De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e
Acolhimento (SNA), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a
preferência por crianças brancas, com, no máximo, 3 anos de idade, que não
tenham laços familiares anteriores conhecidos nem condições de saúde que
necessitem de cuidados específicos, acaba se transformando em entrave para que
os processos de adoção evoluam.
Aproximadamente 98% das famílias desejam
adotar crianças perfeitamente saudáveis, diz o CNJ, o que reduz imensamente as
chances de adoção para quem tem deficiência ou alguma necessidade específica, e
aqui incluem-se aqueles com transtorno do espectro autista (TEA), cujo
diagnóstico tem crescido bastante nos últimos anos.
Como resultado, o Brasil tem um número
elevadíssimo de crianças e adolescentes ocupando instituições de acolhimento.
Dados do CNJ mostram que cerca de 92% das crianças em busca de adoção têm mais
de 6 anos de idade, e cerca de 48% do sistema é composto por adolescentes entre
12 e 17 anos.
Essas estatísticas corroboram a imagem de um
Brasil preconceituoso, racista e pouco sensível à causa da adoção, mais
especificamente à causa da adoção tardia. A verdade é que faltam campanhas de
conscientização, numa tentativa de sensibilizar a sociedade sobre o tema.
Outra barreira que impede que esse processo funcione é a rejeição dos adotantes quanto a grupos de irmãos. O que costuma ocorrer é a adoção de brasileiros por estrangeiros, muitos deles afeitos a não separar irmãos ou ainda simpáticos às histórias geralmente tristes de crianças e jovens com alguma deficiência.
Independentemente de raça, gênero, faixa etária ou desenvolvimento cognitivo, a adoção é um ato de amor, de generosidade e desejo. Ensinar à sociedade valores como inclusão, diversidade, igualdade e aceitação do que é diferente precisa ser um exercício diário e não somente debatido entre os agentes que vivenciam essa situação, mas também entre as pessoas que estão no ambiente escolar, as famílias e os entes políticos. Caso contrário, corremos o risco de transformar o ato de adotar em algo frio, mecânico, sem entusiasmo. Por isso, é preciso mudar. É preciso evoluir.
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