sexta-feira, 24 de maio de 2024

Bruno Carazza - Quem são os deputados que vão analisar a reforma tributária – e quais interesses representam

Valor Econômico

Se o diabo mora nos detalhes, regulamentação da reforma gera nova oportunidade para distorções

A reforma tributária tem tudo para ser o acontecimento mais importante para a economia brasileira desde o Plano Real, mas seu sucesso depende da qualidade das regras que vão definir o seu funcionamento.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PB) nomeou um grupo de trabalho com sete integrantes para analisar o Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, proposta do governo para regulamentar a nova tributação sobre o consumo no Brasil.

Reza a sabedoria popular que o diabo mora nos detalhes, e o que não falta são empresas de olho em criar novas brechas para pagar menos imposto a partir de 2026, quando iniciará a transição para o novo sistema.

Para dar alguns exemplos, a indústria de alimentos e o setor supermercadista se articulam para ampliar a cesta básica que será isenta dos novos tributos. Entre as empresas que já conseguiram direito a um regime específico, empresas de planos de saúde e do segmento imobiliário se mobilizam para ter direito a gerar créditos tributários para os seus clientes.

Já entre os setores que o governo pretende incluir no novo imposto seletivo, pensado para incidir sobre produtos que geram danos ao meio-ambiente e causam mal à saúde, mineradoras, empresas de óleo e gás, montadoras e produtores de refrigerantes e bebidas tentam escapar dessa sobretaxa.

Para lidar com essas e outras pressões, buscando a harmonização de interesses privados com a demanda da sociedade por um sistema mais simples e eficiente, Lira afastou da relatoria o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que foi peça-chave na aprovação da PEC, e montou um colegiado com representantes dos sete maiores partidos da Câmara.

O único remanescente do grupo de trabalho que definiu as regras gerais da nova tributação sobre o consumo é Reginaldo Lopes (PT-MG). Indicação do partido de Lula para acompanhar a reforma desde o início do mandato, será dele o papel principal de defender os princípios gerais concebidos originalmente pelo time do secretário Bernard Appy e aprovados pelo Congresso no final do ano passado.

Ser o principal nome do governo no colegiado não quer dizer que Lopes terá protagonismo na condução dos trabalhos. Afinal de contas, Arthur Lira (PP-PB) indicou um nome da sua mais estrita confiança, o baiano Cláudio Cajado (PP-BA). Cajado tem como credencial o fato de ter sido indicado por Lira para relatar o projeto do arcabouço fiscal (Lei Complementar nº 200/2023), uma das várias entregas que tornaram o presidente da Câmara credor do governo.

Deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo e integrante do GT da reforma tributária — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos DeputadosDeputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo e integrante do GT da reforma tributária — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

 

Entre os demais componentes do GT, Joaquim Passarinho (PL-PA) é presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, bancada que aglomera diversos deputados alinhados com grupos empresariais e que capitaneou a apresentação de diversos projetos paralelos de regulamentação da reforma tributária provenientes do setor privado.

Ao longo de sua trajetória política, Passarinho foi relator do projeto que resultou na Lei nº 14.066/2020, que passou a regulamentar a fiscalização das barragens após os acidentes de Mariana e Brumadinho, além de ter apresentado propostas de interesse do setor de mineração, como sugestões para flexibilizar o Código de Minas (PL 1167/2021), uma nova regulamentação para a comercialização de ouro (PL 6432/2019) e vedações a limitações orçamentárias à Agência Nacional de Mineração (PL 4054/2019).

Já o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) foi relator da Medida Provisória que dispunha sobre a tributação e as condições comercialização de álcool (Lei nº 14.292/2022), além de ter apresentado outros projetos que atendem ao setor sucroalcooleiro (como o PL 1564/2019) e a construtoras (PL 2646/2020, PL 1469/2019 e PL 4085/2015). Coutinho tem uma longa trajetória no setor da construção civil, como executivo de construtora, dirigente do Sindicato da Construção Civil e secretário municipal de habitação no Recife.

Moses Rodrigues (União-CE) foi o único integrante do grupo de trabalho que apresentou emendas durante a tramitação da PEC nº 45/2019, que deu origem à reforma tributária. As quatro sugestões que ele ofereceu beneficiavam o setor de educação privada, que acabou beneficiado com uma alíquota reduzida em 60%. A educação, sobretudo a superior, também é objeto de diversas proposições apresentadas pelo deputado, que tratam da regulação de cursos (PL 5526/2023, PL 1306/2023) e do Fies (PL 178/2022, PL 3865/2020). Sem surpresa alguma, Moses Rodrigues já foi dirigente de faculdade privada em Sobral, no Ceará.

O novato deputado Luiz Gastão (PSD-CE) apresentou apenas dois projetos de lei em sua trajetória parlamentar até o momento. Um deles, porém, trata da regulação das sociedades anônimas de futebol (PL 3032/2023), aumentando as garantias para os investidores privados nos clubes de futebol. Aliás, as SAFs conseguiram na última hora o direito a um regime tributário diferenciado, durante a votação da PEC da reforma tributária. Fora isso, Gastão foi presidente do sistema Fecomércio no Ceará e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC) – segmento bastante insatisfeito com o desenho atual do novo sistema de tributação sobre o consumo.

Fechando o grupo, o deputado Hildo Rocha (MDB-BA) tem projetos que versam sobre royalties de petróleo e a compensação financeira pela exploração de recursos minerais (PL 975/2022), além de ter uma atividade legislativa bastante profícua com relação ao setor de medicina e saúde (PL 1770/2020, PL 1509/2022, PL 91/2022, PL 3715/2021, PL 1329/2021, PL 492/2021, PL 959/2020, entre outros).

Diz o ditado popular que sete é conta de mentiroso. Ao estabelecer um grupo de trabalho com sete integrantes, sem qualquer hierarquia ou divisão de tarefas entre si, Arthur Lira não colabora para a busca de consensos ou a eficiência da análise.

Ao tornar a regulamentação da reforma um bicho de sete cabeças, Lira guardará a sete chaves o poder para decidir qual será o formato do novo sistema tributário brasileiro.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Vai Vendo!