segunda-feira, 28 de julho de 2025

Precisamos de um Observatório Nacional dos Supersalários - Bruno Carazza

Valor Econômico

Precisamos de um completo raio-X das folhas de pagamento em todos os níveis e Poderes da República

Neste país dos privilégios, cansa repisar o mesmo tópico semana a semana, mas, diante da relutância dos políticos de incluírem a temática dos supersalários nas discussões da reforma administrativa, peço licença ao leitor para voltar com o meu samba de uma nota só.

Os dados mais atualizados do Conselho Nacional de Justiça revelam que 18.269 juízes e desembargadores brasileiros receberam em média R$ 77.874,56 por mês em 2025, já descontados os impostos e as contribuições previdenciárias. Para os aposentados, o valor é um pouco mais baixo - R$ 63.613,56 líquidos por mês.

Projetando a média de pagamentos para o ano inteiro, só no Poder Judiciário a despesa acima do teto representará R$ 8,4 bilhões em 2025 - mas esse valor certamente será maior, pois a grande farra dos pagamentos extras se dá nos últimos meses do ano, consumindo as sobras orçamentárias.

No Ministério Público, cujo Conselho Nacional reluta em publicar os contracheques de todos os membros de forma consolidada, é de se esperar que a média seja equivalente, dada a paridade entre as carreiras de promotores e procuradores com a magistratura. Assim, numa regra de três simples com os contingentes das carreiras (são 13.600 membros do MP), teríamos um gasto extrateto de R$ 6,4 bilhões.

De janeiro a julho deste ano, a União transferiu R$ 2,8 bilhões para o conselho que administra os honorários dos advogados públicos. A se manter a média de pagamentos, até dezembro serão R$ 4,8 bilhões - dinheiro que, mais dia menos dia, engordará as contas bancárias de menos de 12 mil advogados públicos (que já recebem em média mais de R$ 30 mil mensais).

Vamos contar então: R$ 8,4 bilhões dos juízes, R$ 6,4 bilhões no Ministério Público e R$ 4,8 bilhões dos advogados públicos federais. São R$ 19,6 bilhões apropriados por uma casta de pouco mais de 40 mil doutas excelências - por ano!

Isso equivale a um decreto do aumento do IOF (previsão de R$ 20 bilhões por ano), que onerará milhões de empresas e cidadãos que tomam empréstimo. Ou a mais de três vezes o valor desviado das contas de milhões de velhinhos na fraude do INSS (R$ 6,3 bilhões em cinco anos, segundo as investigações).

Mas isso é apenas o que temos mapeado. Diante da conveniente e conivente inoperância dos órgãos de controle federal, estadual e municipal (incluídas aí as controladorias gerais, os tribunais de contas e os ministérios públicos) em dar um panorama geral sobre a remuneração de servidores no Brasil, passa de hora de algum órgão da imprensa ou entidade da sociedade civil - de preferência um convênio entre eles - se habilitar a fazer um Observatório Nacional dos Supersalários.

As lacunas a serem preenchidas são inúmeras.

Além da caixa-preta dos ministérios públicos, desde janeiro, por exemplo, o Portal da Transparência do governo federal não publica quanto os servidores que atuam no exterior recebem em dólares - uma bolada que beneficia, sobretudo, diplomatas e militares. Há também pouquíssima transparência sobre a remuneração das estatais, dado o entendimento (a meu ver equivocado) de que seu regime jurídico privado as preserva do alcance das exigências de transparência e dos limites remuneratórios próprios do direito administrativo.

O Senado não publica a remuneração individualizada de seus servidores, desrespeitando há anos a Lei de Acesso à Informação. Tampouco o Tribunal de Contas da União tem um painel de dados abertos que permita baixar em bloco a remuneração de seus integrantes.

Nos âmbitos estadual e municipal, então, o cenário é ainda pior. Levantamento feito pelo Sindifisco, o sindicato dos auditores da Receita Federal, mostra que seus colegas nos Estados têm remuneração bruta que chega a R$ 79.216,36 (Pará) e R$ 102.809,90 (Amazonas). Sem ampla transparência, não se pode identificar quanto desses valores é pago acima do teto.

Também paira grande dúvida sobre as formas de cálculo e os valores efetivamente pagos em honorários para advogados públicos e procuradores estaduais e municipais. E navegamos no escuro em relação às folhas de pagamento das Assembleias estaduais, Câmaras municipais e tribunais de contas país adentro.

Somente com um amplo painel detalhado de todas as remunerações do setor público, em todos os níveis e Poderes, teremos condições de barrar as constantes tentativas de captura do orçamento público por essas carreiras poderosas.

É inacreditável como a pauta dos supersalários não é apropriada por nenhum partido político brasileiro. A indignação contra os pagamentos astronômicos para certas categorias dos três Poderes tem a capacidade de unir eleitores de esquerda - pelo lado da desigualdade - e de direita - pela dimensão dos gastos públicos. No entanto, ninguém se habilita a enfrentar os poderosos “membros de Poder” e as “carreiras típicas de Estado”.

Da minha parte, prometo aos leitores que darei um tempo na temática dos supersalários. Existem muitas outras fontes de privilégios no Brasil, e minha intenção agora é explorar os benefícios indevidos do mundo empresarial.

 

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