Valor Econômico
Precisamos de um completo raio-X das folhas de pagamento em todos os níveis e Poderes da República
Neste país dos privilégios, cansa repisar o
mesmo tópico semana a semana, mas, diante da relutância dos políticos de
incluírem a temática dos supersalários nas discussões da reforma
administrativa, peço licença ao leitor para voltar com o meu samba de uma nota
só.
Os dados mais atualizados do Conselho Nacional de Justiça revelam que 18.269 juízes e desembargadores brasileiros receberam em média R$ 77.874,56 por mês em 2025, já descontados os impostos e as contribuições previdenciárias. Para os aposentados, o valor é um pouco mais baixo - R$ 63.613,56 líquidos por mês.
Projetando a média de pagamentos para o ano
inteiro, só no Poder Judiciário a despesa acima do teto representará R$ 8,4
bilhões em 2025 - mas esse valor certamente será maior, pois a grande farra dos
pagamentos extras se dá nos últimos meses do ano, consumindo as sobras
orçamentárias.
No Ministério Público, cujo Conselho Nacional
reluta em publicar os contracheques de todos os membros de forma consolidada, é
de se esperar que a média seja equivalente, dada a paridade entre as carreiras
de promotores e procuradores com a magistratura. Assim, numa regra de três
simples com os contingentes das carreiras (são 13.600 membros do MP), teríamos
um gasto extrateto de R$ 6,4 bilhões.
De janeiro a julho deste ano, a União
transferiu R$ 2,8 bilhões para o conselho que administra os honorários dos
advogados públicos. A se manter a média de pagamentos, até dezembro serão R$
4,8 bilhões - dinheiro que, mais dia menos dia, engordará as contas bancárias
de menos de 12 mil advogados públicos (que já recebem em média mais de R$ 30
mil mensais).
Vamos contar então: R$ 8,4 bilhões dos
juízes, R$ 6,4 bilhões no Ministério Público e R$ 4,8 bilhões dos advogados
públicos federais. São R$ 19,6 bilhões apropriados por uma casta de pouco mais
de 40 mil doutas excelências - por ano!
Isso equivale a um decreto do aumento do IOF
(previsão de R$ 20 bilhões por ano), que onerará milhões de empresas e cidadãos
que tomam empréstimo. Ou a mais de três vezes o valor desviado das contas de
milhões de velhinhos na fraude do INSS (R$ 6,3 bilhões em cinco anos, segundo
as investigações).
Mas isso é apenas o que temos mapeado. Diante
da conveniente e conivente inoperância dos órgãos de controle federal, estadual
e municipal (incluídas aí as controladorias gerais, os tribunais de contas e os
ministérios públicos) em dar um panorama geral sobre a remuneração de
servidores no Brasil, passa de hora de algum órgão da imprensa ou entidade da
sociedade civil - de preferência um convênio entre eles - se habilitar a fazer
um Observatório Nacional dos Supersalários.
As lacunas a serem preenchidas são inúmeras.
Além da caixa-preta dos ministérios públicos,
desde janeiro, por exemplo, o Portal da Transparência do governo federal não
publica quanto os servidores que atuam no exterior recebem em dólares - uma
bolada que beneficia, sobretudo, diplomatas e militares. Há também pouquíssima
transparência sobre a remuneração das estatais, dado o entendimento (a meu ver
equivocado) de que seu regime jurídico privado as preserva do alcance das
exigências de transparência e dos limites remuneratórios próprios do direito administrativo.
O Senado não publica a remuneração
individualizada de seus servidores, desrespeitando há anos a Lei de Acesso à
Informação. Tampouco o Tribunal de Contas da União tem um painel de dados
abertos que permita baixar em bloco a remuneração de seus integrantes.
Nos âmbitos estadual e municipal, então, o
cenário é ainda pior. Levantamento feito pelo Sindifisco, o sindicato dos
auditores da Receita Federal, mostra que seus colegas nos Estados têm
remuneração bruta que chega a R$ 79.216,36 (Pará) e R$ 102.809,90 (Amazonas).
Sem ampla transparência, não se pode identificar quanto desses valores é pago
acima do teto.
Também paira grande dúvida sobre as formas de
cálculo e os valores efetivamente pagos em honorários para advogados públicos e
procuradores estaduais e municipais. E navegamos no escuro em relação às folhas
de pagamento das Assembleias estaduais, Câmaras municipais e tribunais de
contas país adentro.
Somente com um amplo painel detalhado de
todas as remunerações do setor público, em todos os níveis e Poderes, teremos
condições de barrar as constantes tentativas de captura do orçamento público
por essas carreiras poderosas.
É inacreditável como a pauta dos
supersalários não é apropriada por nenhum partido político brasileiro. A
indignação contra os pagamentos astronômicos para certas categorias dos três
Poderes tem a capacidade de unir eleitores de esquerda - pelo lado da desigualdade
- e de direita - pela dimensão dos gastos públicos. No entanto, ninguém se
habilita a enfrentar os poderosos “membros de Poder” e as “carreiras típicas de
Estado”.
Da minha parte, prometo aos leitores que
darei um tempo na temática dos supersalários. Existem muitas outras fontes de
privilégios no Brasil, e minha intenção agora é explorar os benefícios
indevidos do mundo empresarial.
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