sábado, 1 de novembro de 2025

A mina de futuro, por Cristovam Buarque

Veja 

A revolução é oferecer escola de qualidade independente da renda

O Brasil sempre transformou suas terras em riqueza, mas ainda se recusa a aproveitar a mina de conhecimento dos cérebros de seus habitantes. Preferimos gastar bilhões de reais para perfurar o solo no fundo do mar a investir em escolas com qualidade para todos. Da ideia de que o atraso dos países vinha da exploração de nossas minas, difundiu-se o conceito, criado pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, de “veias abertas” pelo colonialismo. A globalização acabou com a nitidez entre centro e periferia, mas ainda não percebemos os “neurônios ofuscados” pelas elites nacionais que impõem colonização interna ao manter o sistema educacional dividido entre escola-senzala e escola-casa-grande, que nega o aproveitamento de milhões de cérebros.

Winston Churchill disse que uma “cortina de ferro” separava países democráticos de comunistas. Oitenta anos depois, uma “cortina de ouro” serpenteia o planeta cortando cada país, separando pobres de ricos, como já lembrei neste espaço de VEJA, em uma apartação imposta por muros explícitos ou mediterrâneos invisíveis ao redor de condomínios, hospitais, restaurantes, supermercados e, sobretudo, das escolas com qualidade. Os habitantes educados de cada país formam uma nação social mundial dos ricos unidos pelo mesmo padrão de vida, enquanto os pobres, excluídos do capital de conhecimento, vivem em ilhas de pobreza.

“A economia floresceu e a pobreza persiste. Sua superação depende de educação”

Os países capitalistas ricos eram chamados de Primeiro Mundo, os socialistas, de Segundo Mundo e o conjunto dos países pobres, de Terceiro Mundo. Hoje, o planeta inteiro é um imenso terceiro mundo, onde os donos do conhecimento se beneficiam. Alguns são países com maioria da população de alta renda, mas nacos de pobreza dentro de suas fronteiras, enquanto os países com maioria da população de baixa renda têm nichos de imensa riqueza.

A crise ecológica, a migração em massa, o poder das big techs e a internacionalização do fluxo de consumo fizeram cada país depender de todos os outros: o mundo não é mais a soma de países, cada país é um pedaço do mundo. A geopolítica de países isolados se esgotou. Os geógrafos não sabem como fazer o mapa-­múndi no qual os países se imiscuem uns nos outros, os políticos não sabem como combinar os interesses imediatos de seus eleitores com a humanidade. A revolução contemporânea não consiste em descolonizar contra países estrangeiros; nem em desapropriar o capital monetário, mas em distribuir o capital conhecimento, assegurando escolas com a mesma qualidade independentemente da renda e do endereço onde mora a criança.

Talvez o maior erro moral da humanidade no século XX tenha sido adotar a ideia de que pobreza é apenas falta de renda e sua superação seria consequência automática do crescimento econômico. A economia floresceu, mas a pobreza persiste. Sua superação depende de decisão política para promover educação de qualidade para todos e, com isso, elevar a produtividade e orientar a economia para abolir a “cortina de ouro”, ao oferecer um piso social que satisfaça as necessidades básicas e determinar um teto ecológico que impeça o consumo depredador do equilíbrio ambiental, promovendo um desenvolvimento harmônico: a escola, enfim, não há dúvida, é a mina para este futuro.

Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968

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