sábado, 1 de novembro de 2025

Crime organizado não será combatido pelos gigolôs da violência, por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

A macabra operação no Rio evidencia o fracasso país em dar segurança aos cidadãos

Governantes tem baixíssimo interesse em realmente enfrentar o problema da criminalidade

O estado de exceção é a antítese do Estado de Direito. Enquanto no Estado de Direito estamos todos submetidos ao império do direito, no estado de exceção imperam a violência e o arbítrio. Nestas quatro décadas de democracia não fomos capazes de universalizar o respeito às leis, especialmente para as populações pretas e pobres.

É cada vez maior o número de brasileiros que estão cotidianamente submetidos ao domínio perverso do crime organizado, que ocupa o vácuo deixado pelo Estado. Estima-se que facções criminosas e milícias dominem hoje mais de 20% da região metropolitana do Rio de Janeiro, explorando não apenas o tráfico mas todos os tipos de atividade. O Rio, no entanto, é apenas a ponta do iceberg.

O fato é que, onde o Estado não impõe a lei e não constrói estruturas elementares de urbanização ou políticas básicas de bem-estar, o crime se impõe. O tráfico e as milícias assumem o controle sobre todas as atividades econômicas, espoliando e subordinando a população.

A macabra operação que resultou na morte de mais de cem pessoas, entre as quais quatro policiais, é uma expressão do fracasso retumbante e reiterado do Estado brasileiro em assegurar o direito fundamental à segurança dos seus cidadãos. Retrata ainda um Estado que, muitas vezes, reproduz os padrões de violência e arbítrio praticados cotidianamente pelos criminosos.

Quantas foram as megaoperações e intervenções nas comunidades nas últimas décadas? O que trouxeram de bom para essas comunidades? Com exceção do frustrado plano de retomada dos territórios, para a instalação de UPP e promoção de políticas públicas nas comunidades, que benefícios geraram? A resposta é simples: não contribuíram em nada! Ou pior, apenas contribuíram para aprofundar um perverso ciclo de violência.

Apesar disso, não surpreende que a imensa maioria dos moradores dessas comunidades apoiem essas operações. Essas populações estão encurraladas pelo crime, que brutaliza as suas vidas e rouba o futuro de seus jovens. Qualquer movimento contra o crime, por mais inócuo ou contraproducente que seja, será aplaudido.

O assanhamento de alguns governadores do campo conservador para se solidarizar com Cláudio Castro sinaliza o potencial eleitoral dessa necropolítica. O empenho desses políticos em bloquear qualquer tentativa de modernização das polícias ou de construir uma política nacional e integrada de segurança pública, com emprego intensivo de tecnologia e inteligência policial, é emblemático de seu baixíssimo interesse em verdadeiramente enfrentar o problema da criminalidade.

Do outro lado do espectro político, também pouquíssimo fez o campo progressista de efetivo para qualificar as políticas públicas de segurança e fortalecer as instituições de aplicação da lei. Diversas das meritórias iniciativas, muitas delas construídas pela interação entre bons policiais, pesquisadores e organizações da sociedade civil, foram rapidamente abandonadas ou negligenciadas diante dos elevados custos eleitorais que apresentavam. O sucesso na redução de homicídios em alguns estados, como São Paulo, na década passada, não gerou um ciclo virtuoso de controle da criminalidade em outras regiões.

O desafio número 1 da democracia brasileira, neste momento, é enfrentar o crime organizado antes que ele domine as estruturas políticas e institucionais do país e colocar em prática efetivas políticas públicas de segurança, que permitam às pessoas viver em paz.

Certamente não serão os gigolôs da violência que realizarão essa tarefa. Cumpre saber se aqueles que se dizem comprometidos com o Estado de Direito terão disposição e competência para fazê-lo.

 

 

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