Folha de S. Paulo
Agenda da violência é tema espinhoso para
Lula e a esquerda, que nunca soube lidar com o problema
Gradação de reação de governadores no apoio a
Castro mostra que há temor de associação com barbárie
A crise decorrente da ação mais letal da
história da polícia do Rio, que
até aqui deixou 121 mortos, tornou-se uma tábua de salvação discursiva para
a direita e encurralou o governo Lula (PT),
que vinha surfando uma onda de boas notícias rumo a 2026.
O embrião da reação é a criação
do Consórcio da Paz, mais um grupo de trabalho num país acostumado a
anunciá-los quando não tem solução para um problema. Assim, a associação
entre governadores do espectro anti-PT serve de palanque de uma
disputa retórica num campo em que a direita costuma ter vantagem.
É evidente que matar gente, promover encarceramento em massa e outras medidas "simples" (aspas compulsórias) não resolvem fundamentos da segurança pública.
Isso demanda uso intensivo de inteligência,
abordagem do fato de que o crime organizado é transnacional. Mortes podem
ocorrer, é claro, mas não podem ser o ponto de partida, vide onde deu a
política israelense de "cortar
grama" na Faixa de Gaza.
O consórcio pode até prometer os avanços, mas
é improvável que dê certo sem coordenação nacional, integrada ao governo
federal, que deveria ter chaves das fronteiras do país e recursos de
monitoramento financeiro acurados. Além disso, quando governadores falam em uso
conjunto de forças policiais, o cheiro insurrecional fica forte.
Isso dito, há o discurso, e qualquer coisa
que se oponha ao crime tem mais ressonância na população. Lula sabe disso,
tanto que fez o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) deixar o palanque que
montou para si para criticar Cláudio
Castro (PL)
e rumar ao Rio para reunir-se com o governador.
O fluminense, aliás, trocou os pés pelas mãos
no início da crise, culpando o governo federal e depois dizendo que não era bem
assim. Agora, respaldado por seus pares, trilha direção mais previsível.
Para o presidente, é um campo minado, e seu
entorno não ajuda, vide Guilherme
Boulos (Secretaria-Geral) em momento PSOL ao pedir
um minuto de silêncio pelas vítimas no Rio em
sua posse, noves fora as falas de Lewandowski e outros.
Novamente, não se trata de criticá-los pelo
que pensam, mas politicamente parece miopia. O grosso da população afetada pelo
estado de exceção que há décadas assola o Rio, que quer algum tipo de solução,
é o mesmo estrato socioeconômico que vota em Lula.
O presidente já opera sua
PEC da Segurança como antídoto, mas terá de controlar seus
"direitos-humanistas" e a si mesmo, como a desastrada fala em defesa
de traficantes depois desdita mostrou, se quiser ao menos esvaziar a retórica
dos adversários.
Para eles, o caminho não está livre. Se
existe fastio com a desordem do Rio, de resto associada exatamente aos
políticos que
há anos saem do Guanabara para a cadeia, e a cidade-estado é o coração
simbólico do Brasil, há risco de associação à barbárie.
Como ocorreu na esteira do massacre do
Carandiru, em 1992, a população pode ter desprezo por criminosos, mas não é
insensível a banho de sangue. O grupo de Orestes Quércia, que formava uma
dinastia, foi dizimado pelo episódio.
Por óbvio, a comparação para aí, dado que
em São
Paulo foram chacinadas pessoas custodiadas pelo estado, sem defesa.
Agora, trata-se de uma situação de combate, ainda que pareçam evidentes os
abusos.
Mas a ausência
do presidenciável reserva da direita, Ratinho Jr.
(PSD-PR), do lançamento do consórcio mostra que há cautela. Mesmo Tarcísio
de Freitas (Republicanos-SP), a primeira opção no grupo, preferiu
emprestar seu apoio de longe, dada a toxicidade com que boa parte do mundo
político vê o governo de Castro, herdeiro acidental de Wilson
"mirar na cabecinha" Witzel.
Tudo isso ocorre no momento em que Lula
apostava tudo numa radicalização de discurso, como a ida de Boulos ao coração
do governo exemplifica, animado
pelas vitórias táticas em questões como a disputa com Donald Trump, o
embate com o Congresso e a bandeira da isenção do Imposto de Renda.
Cereja do bolo, as agruras do bolsonarismo
que domina a direita. Com a iminente prisão de Jair
Bolsonaro (PL) e o fracasso da pauta da anistia a ele e a outros
condenados por golpismo, o grupo vivia desorientado.
Agora, com os chefes de Executivo ensaiando
um trabalho conjunto apesar das diferenças, há uma chance de o grupo seguir sem
carregar seu patrono, ainda que suas bandeiras sigam as mesmas.

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