CartaCapital
Economistas desconhecem a importância do
Cupom Cambial na fixação de câmbio, juros e inflação
O que será, que será?… / O que não tem
certeza nem nunca terá / O que não tem conserto nem nunca terá / O que não tem
tamanho… (O Que Será, música de Chico Buarque).
Miragem é um fenômeno óptico causado pelo
desvio da luz (refração) que ocorre através de camadas de ar com temperaturas
diferentes, que cria imagens deslocadas ou invertidas de objetos distantes. A
imagem que sempre nos vem à mente é de uma pessoa morrendo de sede, vagando
moribunda no deserto, pensando em encontrar um oásis. O desditado corre e se
joga ansiosamente atrás de água, cai na real, mergulhado na areia.
Nas miragens da macroeconomia mainstream,
muitos vivem a ilusão do Banco Central de um país de moeda não conversível com
total independência para fixar a taxa de juros básica. Essa miragem está
inscrita no regime de meta de inflação. Um delírio teórico não causado pelo
cansaço de caminhar exaustivamente no deserto, mas por achar que somos o
Federal Reserve (Banco Central norte-americano) e nossa moeda igual ao dólar.
Cansaço algébrico, econométrico, miragem de manual de macroeconomia.
Acreditam como Abel Ferreira, técnico do
Palmeiras, na consigna: todos somos um! Os donos da certeza não tomam
conhecimento da arbitragem entre câmbio e juros. Tal fenômeno não existe: é uma
miragem do setor financeiro internacional.
O Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom) seria uma espécie de encontro entre os Cavaleiros da Távola Redonda e Ricardo Coração de Leão. Decidem de forma totalmente independente, sem dar a mínima para a relação câmbio–juros submetida inexoravelmente às valorizações e desvalorizações do ativo subjacente: o dólar.
Mas a vida real da finança teima em destruir
miragens dos Cavaleiros da Távola Redonda acomodados nos sofás das certezas.
Certezas reiteradamente abaladas por um tal Cupom Cambial, estraga-prazeres do
mundo harmonioso e “racional”. Nesse mundo habita a invenção mais satânica
entre todas: o dinheiro, desgraça que atrapalha as certezas dos sabichões da
Crematística.
O Cupom Cambial exprime a diferença entre a
taxa de juros doméstica e a taxa do país emissor da moeda-reserva. É a
referência para a precificação de operações futuras com o câmbio. Em bom
português, é a relação indissociável entre câmbio e juros; no nosso caso, dólar
medido em reais mais juros.
O estudo do Banco de Compensações
Internacionais (BIS) – The Transmission of Unconventional Monetary Policy to Emerging
Markets – admite que há consenso a respeito da predominância dos fatores
“externos” sobre os fatores internos na determinação dos fluxos de capitais e
dos preços dos ativos denominados em moedas distintas. As condições monetárias
nos países desenvolvidos, particularmente nos Estados Unidos, o gestor da moeda
reserva, determinam o volume de capitais que buscam os mercados emergentes. Às
políticas econômicas “internas” cabe o papel de buscar relações entre câmbio e
juros atraentes para os capitais em movimento. Num ambiente internacional de
livre movimentação de capitais, os Bancos Centrais dos países de moeda fraca
encontram dificuldades em manter, simultaneamente, boas condições de
crescimento da economia e a estabilidade de sua moeda.
A diferença entre as moedas e suas
respectivas taxas de juro é um sinalizador, um farol que ilumina a rota do
dinheiro no vasto oceano do mercado financeiro internacional. Sem miragem, onde
é mais vantajoso ganhar dinheiro. As bússolas monetárias dependem da taxa do
Cupom Cambial e do carry trade, indicam para onde a bufunfa vai. Se o Cupom
Cambial é alto, incentiva aposta no dólar contra o real. Se é baixo, favorece a
aposta no real contra o dólar. O carry trade é o inverso, ou seja, cupom alto
estimula a saída de dólares do País e cupom baixo, a entrada. A B3 negocia
contratos de Cupom Cambial, DDI–Cupom Cambial.
A arbitragem câmbio–juros revela que bilhões
de dólares seguem o farol do Cupom Cambial do Brasil
Há quem atribua o surto recente de
valorização das moedas inconversíveis, como o real, aos investidores que buscam
escapar dos “baixos” rendimentos oferecidos nas economias centrais. Em tais
circunstâncias, os investidores aceleraram o carry trade entre as ínfimas taxas
de juros dos países desenvolvidos e as confortáveis e recompensadoras
remunerações oferecidas pelos mercados brasileiros.
Segundo a B3: o contrato funciona como uma
ferramenta de proteção contra flutuações da taxa de juros referenciada ao
dólar. Para entendermos o Contrato Futuro de Cupom Cambial devemos ter em mente
aspectos macroeconômicos, em especial, a paridade de juros. Assim, o Cupom
Cambial pode ser interpretado como o rendimento em dólares para estrangeiros
que assumem o risco de investir no Brasil. Considerando uma instituição que
queira investir na taxa de juros brasileira e precise proteger-se contra o
risco da variação cambial por conta da internalização de dólares, o Contrato
Futuro de Cupom Cambial mostra-se um instrumento de proteção eficiente, pois
remunera o investidor pela diferença entre a variação da taxa de juros em dólar
contratada e a realizada do período.
No mundo monetário, a arbitragem câmbio/juros
revela que bilhões de dólares têm seguido o farol do Cupom Cambial alto no
Oceano Atlântico com destino ao Brasil, desde meados de março deste ano.
O que espanta, além das tesourarias dos
bancos estrangeiros, é o fato de que quase a totalidade dos economistas
brasileiros desconhece e menospreza essa variável importante que interfere na
determinação da taxa de câmbio dólar/real e a da taxa Selic e,
consequentemente, seu efeito sobre a inflação. O mercado financeiro
internacional, o Banco Central do Brasil (Copom) e a B3 não acreditam em
miragem, mas em Cupom Cambial. O dinheiro, a bufunfa? Operam todos os dias esse
diferencial, esse contrato futuro!
O que será, que será? Os economistas fingem
que não sabem ou não sabem mesmo? Estão perdidos no deserto de ideias e presos
em convenções na imensidão de dogmas e crenças. Vivem na miragem, no oásis de
um mundo perfeito, sem dinheiro. Eles não confundem Cupom Cambial com Copom,
pois, nesse oásis sem água de seus modelos, Cupom Cambial não existe!
É sorte nossa: os Cavaleiros da Távola
Redonda do Copom e seu presidente não se confundem com Cupom Cambial. Talvez
acreditem que administrar esse diferencial seja condição necessária para matar
dois coelhos, a queda da Taxa Selic e a inflação. Talvez seja miragem. Na
humildade da incerteza, o futuro dirá. Imaginamos que a sabedoria do atual
Copom (não o Cupom) olhe e respeite o movimento oceânico dos movimentos de
capitais.
“Assim, em seu encontro com o mundo real, o
neoliberalismo recua. O mundo real assume o controle.” (Branko Milanovic)
Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital,
em 05 de novembro de 2025.

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