Flávio Freire
DEU EM O GLOBO
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Sociólogo fundador da legenda diz que partido está a reboque de Lula e atua segundo sua conveniência eleitoral
SÃO PAULO. De ex-petistas de carteirinha a sociólogos, historiadores e cientistas políticos, o raciocínio recorrente quando analisada a atual crise que atinge o PT é o de que, há tempos, a ética deu lugar à conveniência eleitoral. Tanto especialistas em análise política como quem já participou da estrutura petista dizem acreditar que as deserções anunciadas nas últimas 48 horas — os senadores Marina Silva (AC) e Flávio Arns (PR) — são apenas os primeiros reflexos da “degradação” do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
— O PT está sendo despedaçado pelo presidente Lula, que ficou maior que o partido. E ele é quase uma unanimidade, tanto do lado dos dominados como do dos dominantes. O PT governista ficou a reboque do presidente e caminha de acordo com o que é conveniente — disse um dos fundadores do PT, o sociólogo Francisco de Oliveira, que abandonou a legenda em 2003, primeiro ano do governo petista, por causa de diferenças ideológicas.
Ideologias conflitantes
Para Oliveira, não se pode levar adiante a justificativa da cúpula do partido de que a defesa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), é tão somente uma forma de impedir que a oposição desestabilize a base do governo.
— Ora, toda oposição se opõe ao governo, em qualquer lugar do mundo. O que não pode é usar essa articulação para justificar o que sempre foi injustificável dentro do PT, que é apoiar o Sarney — disse o sociólogo, que não reconhece como positivo o governo administrado pelo partido que ele mesmo ajudou a fundar.
— Este governo tem façanhas sociais, mas se transformou numa regressão política.
Está trazendo de volta um patrimonialismo que já tinha sido superado.
O professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp Roberto Romano afirmou acreditar que a crise atual no PT nada mais é do que um resultado das ideologias conflitantes que sempre estiveram presentes no partido, como a ala sindical, o setor católico e os pensamentos alinhados ao stalinismo e trotskismo.
— O sentido da ética sempre foi diferente para cada uma dessas forças. Era previsível que esses conflitos expusessem diferentes visões em relação ao que é certo e errado — analisa o professor.
Para Romano, o apoio do PT ao arquivamento das denúncias contra Sarney, para assim mantê-lo no cargo, é um exemplo claro dessas diferenças conceituais.
O professor considera que essa situação criou uma linha divisória na história da legenda.
— Essa crise mostra um ato de ruptura entreas propostas pragmáticas que atendiam esses grupos tão conflitantes e o que é realidade de fato.
O que aconteceu ontem (anteontem) no Senado foi o escancaramento dessa contradição entre o que é propalado e o efetivo. Mostra que a ética é só um objetivo genérico que se grita tanto para a militância interna como para toda a sociedade — diz ele.
Um dos principais nomes do PT até 2005, quando deixou o par tido após expor suas diferenças com a linha política que vinha sendo adotada, o advogado e ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, hoje filiado ao PSOL, disse que a crise envolvendo Sarney é apenas a gota d’água na crise institucional que domina as fileiras internas petistas.
— O Sarney sempre foi nosso inimigo. O PT se criou lutando contra o Sarney, onde ficam a ética e a coerência? — indaga ele.
Na opinião de Arruda Sampaio, a saída dos senadores Marina Silva e Flávio Arns dos quadros petistas é apenas o primeiro movimento de “muitos outros que virão”, aposta: — O PT não é um bando de sem-vergonhas, por isso acho que muita gente ainda vai deixar o partido.
Já o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, avalia como “inevitável” o “abandono de lar” de figuras históricas d o P T depois da crise instaurada por conta da defesa ao senador José Sarney.
Para ele , no entanto, o partido pagará um preço alto por sua atual conduta nas eleições de 2010.
— É inevitável o PT sofrer consequências, mais cedo ou mais tarde, depois de tantas mudanças na forma de fazer política. Mas esse é só o início de uma crise que, provavelmente, terá um reflexo ainda maior nas eleições do ano que vem — afirma Marco Antônio Villa, para quem, mesmo assim, o partido deve seguir para o sacrifício só para não perder um dos bens mais preciosos numa campanha eleitoral.
— Todo esse barulho é para ganhar mais tempo na TV. Vai ter muita exposição ainda — ironiza o historiador
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