terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sob o manto diáfano da fantasia

Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Dilma terá de resistir ao assédio da reeleição, para a qual ainda não existe uma vacina
Ninguém mais, a esta altura das expectativas, corre o risco de sentir vertigens e suar frio por conta da sucessão presidencial. Por enquanto, o que pode acontecer – de melhor ou de pior – não emite sinais dignos de interpretações cavilosas. Lula não convenceu Ciro Gomes, eleitoralmente falando, a se arranjar mesmo por São Paulo, ao fechar-lhe o acesso a um segundo palanque para atuar em forma de pinça com Dilma Rousseff e apertar José Serra. E, se o prêmio de consolação podia ser o lugar de vice, também veio tarde. O PMDB já bloqueou a via de acesso: o candidato se atrasou. A candidatura Rousseff é insubstituível na estratégia de Lula. E a hipótese de parceria estadual com Ciro Gomes não convenceu nem o PT paulista, que prefere perder em São Paulo com candidato próprio a provar derrota com um nome eleitoralmente volátil. Sob o manto diáfano da fantasia, já ondulam na paisagem as suaves curvas da normalidade. Tudo que não ficou entendido, está subentendido.

O petismo só vai à luta com candidato próprio ou, quando nada, apropriado. Questão de princípio. E, com um vice de conveniência, que compete ao PMDB indicar depois de amaciar o PT. Retoricamente à beira do Ipiranga, Dilma Rousseff proclamou, no seu irritadiço tom de voz, que Lula não trabalhará com mais de um candidato ao lugar que ele ocupa. Um palanque é suficiente. A carapuça coube direitinho em Ciro Gomes. Dilma disse tudo com o sotaque da candidatura gerada para preencher o espaço do terceiro mandato, do qual Lula desistiu em benefício de sua biografia que vai explodir em breve nos cinemas e, em seguida, adubar a campanha eleitoral.

Passados apenas quatro anos, e em retribuição, caberá a Dilma Rousseff, se tudo correr bem pelo figurino oficial, devolver-lhe, em bom estado, a candidatura a presidente em 2014. Será uma história a ser contada pelos sobreviventes das reeleições que respondem pela tradicional taxa de imprevistos republicanos. Um passo atrás e dois à frente, ou, ao contrário, dois atrás e um à frente? Depende de quem e de onde olha. O presidente Lula, por exemplo, enche a boca com o pré-sal, sem considerar que, olhado de cima para baixo, o petróleo está situado depois da camada de sal. Logo, de cá para lá, o petróleo está depois do sal, e não antes. Seria mais exato batizá-lo de pós-sal, porque o sal é apenas para temperar.

Voltando à sucessão, e se chegar lá, Dilma Rousseff, perdulária em ss e ff, terá de resistir ao assédio da reeleição, para a qual ainda não se produz vacina específica. E, ao que as aparências insinuam, daí em diante ninguém mais vai segurar Lula. Foi o que, de resto, ocorreu até aqui. O caminho estará aberto para o terceiro mandato, observados o intervalo e o ponto de interrogação indispensável. Em tempo: o verdadeiro vice de Dilma Rousseff, na hipótese de tudo dar certo e corresponder, será o próprio Lula, durante o mandato dela. O olho do candidato engordará o mandato emprestado.

Qualquer outra solução só estará garantida quando se fechar o pacote com o PMDB, se o raciocínio presidencial não ratear. Infelizmente, só se saberá depois. Por enquanto, vale o princípio segundo o qual a Presidência deve ficar por mais tempo ao alcance de quem vai para a pós-graduação eleitoral sem se graduar antes pelas urnas. O mais importante é ter estrela. Não há como saber quem será, mas admite-se que seja quem Deus quiser. Por enquanto, basta que Michel Temer troque o papel de mordomo de filme de terror, que lhe atribuiu Antonio Carlos Magalhães – quando governava a Bahia de todas as macumbas – pelo que for mais conveniente às circunstâncias. O estoque presidencial de surpresas é inesgotável, mas requer tempo, como o pré-sal que se anuncia agora mas que é para daqui a 15 ou 20 anos.

Lula desatou antecipadamente alguns nós que amarravam os entendimentos e poderão tecer a mortalha com que se enterrariam candidaturas até hoje olhadas de lado pelo PT e pelas pesquisas. O presidente ficou solto, de verbo fácil e franco, sem cerimônia gramatical, e assumiu o comando da campanha que prescinde da própria candidata e com a qual ele quer fazer reserva de mercado para o retorno que muitos ex-presidentes quiseram, mas apenas Getulio Vargas conseguiu (por sinal, a um preço, pago 20 anos depois, e que lhe custou a vida).

Wilson Figueiredo é jornalista.

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