DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Alguns lutam desesperadamente para escrever a própria biografia em vida, tentando determinar de modo imperial o julgamento da História. É inútil. Já Tancredo Neves está confortável. O tempo passa e a imagem construída por ele vai bem
O centenário do nascimento de Tancredo Neves deverá ser prestigiado pelos diversos personagens e grupos envolvidos na atual luta pelo poder. É do jogo. A ideia é fazer uma homenagem ao líder político. Muito justo, mesmo se servir à autopromoção de quem nada teve a ver com a trajetória dele. Também é do jogo. A História é uma só, mas costuma ser reinterpretada conforme o sentido do vento, o interesse imediato ou a resultante vetorial dos litigantes.
Tancredo viveu e morreu colado nos principais episódios da nossa política no século 20. Até aí, nada. Seria apenas a fortuna ajudando o político sagaz. O mais notável na trajetória dele é outro detalhe: em todas essas ocasiões, sem exceção, ele estava do lado certo, do lado no qual deveria estar para ajudar o país a sair melhor da confusão.
Com Getúlio Vargas em 1954. Contra a radicalização política e o golpismo antes de março de 1964. Contra a ditadura, depois, no MDB. A favor da abertura política nos anos 1970. Pela reaglutinação no PMDB quando o regime impôs o voto vinculado em 1982 para tentar garantir maioria no colégio eleitoral que escolheria o sucessor de João Figueiredo. A favor de usar o Colégio Eleitoral para fazer pacificamente a transição democrática na sucessão do último presidente militar, depois do insucesso formal das diretas já.
No Brasil, as circunstâncias levaram a palavra “conservador” a adquirir conotação pejorativa. Pena. Pois talvez falte entre nós hoje alguém como Tancredo, que a cada passagem crítica da sua longa militância agiu sempre de modo a ajudar na conservação da democracia, mesmo quando isso implicava o risco de ver amputada a carreira política.
Seria devaneio idealista e ilusão acreditar que em 1985 a simples presença de alguém como ele no comando do país, saído do autoritarismo, teria tido o poder de legar um ambiente menos conflagrado às futuras gerações políticas.
Mas, se o indivíduo tem seu papel nos acontecimentos, é razoável creditar à morte precoce do presidente eleito e não empossado a desagregação acelerada de um núcleo democrático e nacionalista, que fez do MDB talvez o mais importante partido do nosso portfólio, por representar a possibilidade de um projeto nacional e progressista com a mais ampla base social. Na herança do campo PSD-PTB.
Em meados dos anos 1980 já estavam presentes as forças centrífugas hoje hegemônicas, mas a tarefa pós-udenista delas foi facilitada pelos limites óbvios de um presidente da República com a legitimidade sob pressão, um José Sarney recém-imigrado do outro campo.
Como teria sido um governo Tancredo Neves? Ninguém pode garantir, mas é razoável supor que seria pelo menos tão democrático quanto foi o de Sarney, e com mais condições de influir na Constituinte. E talvez o nó fiscal não tivesse se arrastado por mais uma década e meia, enterrando sucessivas administrações até Luiz Inácio Lula da Silva finalmente agarrar o touro a unha em 2003, depois de um ensaio tardio esboçado por Fernando Henrique Cardoso na vigésima quinta hora do Real.
O mais são conjecturas, e cada um é livre para fazê-las. Eu fico com os fatos. Um fato: Tancredo foi do tipo de político cuja alma nunca está à venda. Outro fato: ele era um assim chamado conciliador, mas nunca transigiu nos princípios democráticos. Outro fato: nunca se soube que fosse adepto do culto à personalidade.
Alguns lutam desesperadamente para escrever a própria biografia em vida, tentando determinar de modo imperial o julgamento da História. É esforço inútil, quixotesco. Batem-se contra moinhos de vento. Para o candidato a protagonista (êta profissãozinha de risco), mais seguro é agir de olho no juízo pós-morte, quando seu poder já não mais terá como intimidar os magistrados.
Nesse particular Tancredo Neves está confortável. O tempo passa e a imagem construída por ele vai bem.
Alguns lutam desesperadamente para escrever a própria biografia em vida, tentando determinar de modo imperial o julgamento da História. É inútil. Já Tancredo Neves está confortável. O tempo passa e a imagem construída por ele vai bem
O centenário do nascimento de Tancredo Neves deverá ser prestigiado pelos diversos personagens e grupos envolvidos na atual luta pelo poder. É do jogo. A ideia é fazer uma homenagem ao líder político. Muito justo, mesmo se servir à autopromoção de quem nada teve a ver com a trajetória dele. Também é do jogo. A História é uma só, mas costuma ser reinterpretada conforme o sentido do vento, o interesse imediato ou a resultante vetorial dos litigantes.
Tancredo viveu e morreu colado nos principais episódios da nossa política no século 20. Até aí, nada. Seria apenas a fortuna ajudando o político sagaz. O mais notável na trajetória dele é outro detalhe: em todas essas ocasiões, sem exceção, ele estava do lado certo, do lado no qual deveria estar para ajudar o país a sair melhor da confusão.
Com Getúlio Vargas em 1954. Contra a radicalização política e o golpismo antes de março de 1964. Contra a ditadura, depois, no MDB. A favor da abertura política nos anos 1970. Pela reaglutinação no PMDB quando o regime impôs o voto vinculado em 1982 para tentar garantir maioria no colégio eleitoral que escolheria o sucessor de João Figueiredo. A favor de usar o Colégio Eleitoral para fazer pacificamente a transição democrática na sucessão do último presidente militar, depois do insucesso formal das diretas já.
No Brasil, as circunstâncias levaram a palavra “conservador” a adquirir conotação pejorativa. Pena. Pois talvez falte entre nós hoje alguém como Tancredo, que a cada passagem crítica da sua longa militância agiu sempre de modo a ajudar na conservação da democracia, mesmo quando isso implicava o risco de ver amputada a carreira política.
Seria devaneio idealista e ilusão acreditar que em 1985 a simples presença de alguém como ele no comando do país, saído do autoritarismo, teria tido o poder de legar um ambiente menos conflagrado às futuras gerações políticas.
Mas, se o indivíduo tem seu papel nos acontecimentos, é razoável creditar à morte precoce do presidente eleito e não empossado a desagregação acelerada de um núcleo democrático e nacionalista, que fez do MDB talvez o mais importante partido do nosso portfólio, por representar a possibilidade de um projeto nacional e progressista com a mais ampla base social. Na herança do campo PSD-PTB.
Em meados dos anos 1980 já estavam presentes as forças centrífugas hoje hegemônicas, mas a tarefa pós-udenista delas foi facilitada pelos limites óbvios de um presidente da República com a legitimidade sob pressão, um José Sarney recém-imigrado do outro campo.
Como teria sido um governo Tancredo Neves? Ninguém pode garantir, mas é razoável supor que seria pelo menos tão democrático quanto foi o de Sarney, e com mais condições de influir na Constituinte. E talvez o nó fiscal não tivesse se arrastado por mais uma década e meia, enterrando sucessivas administrações até Luiz Inácio Lula da Silva finalmente agarrar o touro a unha em 2003, depois de um ensaio tardio esboçado por Fernando Henrique Cardoso na vigésima quinta hora do Real.
O mais são conjecturas, e cada um é livre para fazê-las. Eu fico com os fatos. Um fato: Tancredo foi do tipo de político cuja alma nunca está à venda. Outro fato: ele era um assim chamado conciliador, mas nunca transigiu nos princípios democráticos. Outro fato: nunca se soube que fosse adepto do culto à personalidade.
Alguns lutam desesperadamente para escrever a própria biografia em vida, tentando determinar de modo imperial o julgamento da História. É esforço inútil, quixotesco. Batem-se contra moinhos de vento. Para o candidato a protagonista (êta profissãozinha de risco), mais seguro é agir de olho no juízo pós-morte, quando seu poder já não mais terá como intimidar os magistrados.
Nesse particular Tancredo Neves está confortável. O tempo passa e a imagem construída por ele vai bem.
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