Já se passaram mais de três décadas e inevitavelmente o 7 de Setembro continua nos levando de volta a um dos episódios do tempo da ditadura em que Estado e Igreja Católica entraram em choque. Esse episódio aconteceu em 1980, com o sabor de uma farsa de conotação eleitoral, e ficou conhecido como: o caso Miracapillo. Que provocou a expulsão do padre italiano do Brasil, quando poderia ter se resumido a apenas o convite de modestas Prefeitura e Câmara de Vereadores de uma das mais pobres cidades de Pernambuco, para a realização de uma missa dentro das festividades do Dia da Independência. A resposta ao convite gerou um clima de tensão próprio do tempo da ditadura, com consequências que se estendem inexplicavelmente até agora.
O padre se recusou a rezar a missa solicitada e em uma nota às autoridades locais explicou que tinha agendado outros compromissos, além do que não considerava que houvesse entre nós uma efetiva independência. Foi um Deus nos acuda na paróquia de alguns políticos inexpressivos e um deles, o que representou contra o padre, pedindo sua expulsão, virou nome nacional e até chegou a ocupar a presidência da Câmara Federal. Essa história é sempre recontada no 7 de Setembro e continua envolta em equívocos, como a impossibilidade de o padre voltar ao Brasil com o seu visto de permanência, para continuar o trabalho que desenvolvia em Ribeirão, onde estão presentes todas as condições de degradação da qualidade de vida de muitos trabalhadores, como eram há 30 anos.
O surpreendente no encaminhamento do pedido de permanência do padre entre nós é a persistência dele em retomar uma tarefa que só traz renúncia e sacrifício pessoal, mesmo passadas três décadas que mudaram o mundo e o Brasil, principalmente. Mas se refletimos sobre os dois momentos de nosso País vamos verificar que efetivamente conquistamos a democracia, o País se renovou politicamente, evoluiu na economia, criou condições de crescimento como nunca teve no Nordeste, os indicadores sociais avançaram, mas oficialmente – de acordo com os números do IBGE – há ainda 16 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza, objetos da prioridade anunciada pela presidente da República. E dessa fatia de miseráveis na forma da lei, fora do mercado de consumo e indigentes em expectativa de qualidade de vida, a maior parte está, ainda, no Nordeste, predominantemente na monocultura canavieira, como em Ribeirão, onde o padre Miracapillo aplicava seu sacerdócio preferencial para os excluídos.
Se assim é, se conquistamos a democracia, se o ex-presidente Itamar Franco revogou o ato discricionário da ditadura – que fez de Miracapillo a primeira vítima do Estatuto do Estrangeiro –, se as condições que explicariam os conceitos do padre sobre as carências de nosso povo continuam tal e qual em 1980 em muitas áreas – como a de atuação dele –, o que faz o governo, constituído de políticos que no passado estiveram ao lado do padre, não acabar de vez com essa farsa?
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