TRE cria força-tarefa, com polícias e Exército, para combater quadrilhas na campanha
Investigações da Secretaria de Segurança do Rio já identificaram a atuação de milicianos para se beneficiarem dos seus domínios territoriais na recém-iniciada campanha eleitoral. As ações vão de cobrança de pedágio aos que querem fazer campanha nessas áreas à proibição do ingresso de determinados candidatos. As denúncias sobre a atuação desses grupos criminosos, principalmente na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, já começam a chegar ao Tribunal Regional Eleitoral. Para combater a ação das milícias em currais eleitorais, o presidente do TRE-RJ, Luiz Zveiter, criou uma força-tarefa, composta por representantes da Secretaria de Segurança, da Polícia Federal, do Comando Militar do Leste e da Polícia Rodoviária Federal. A primeira reunião do grupo acontece amanhã e, em pauta, estarão as ameaças relatadas por candidatos a prefeito e a vereador.
Voto sob o domínio do medo
Força-tarefa vai combater atuação de milícias e facções criminosas durante campanha eleitoral
Sérgio Ramalho, Marcelo Piu
Uma semana depois do início do período eleitoral, milícias e facções criminosas já articulam estratégias para se beneficiarem do domínio territorial. Só os paramilitares mantêm 184 áreas no estado, segundo levantamento da Secretaria de Segurança. Em comparação com as campanhas eleitorais anteriores, os grupos passaram a ser mais discretos na disputa por votos, mas não ficaram menos violentos ao exigir o pagamento de taxas aos interessados em panfletar em seus redutos. Prova disso é o cartaz rasgado no Conjunto Habitacional Dom Pedro I, em Realengo, na Zona Oeste, do qual restou apenas a moldura de madeira e parte do que parece ser um número de candidatura. Episódios como esse, somados às denúncias que chegam ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) alertando para a existência de currais eleitorais em várias regiões, levaram o presidente do órgão, desembargador Luiz Zveiter, a criar uma força-tarefa para combater a atuação do crime organizado.
O grupo especial conta com representantes da Secretaria de Segurança, da Polícia Federal, do Comando Militar do Leste e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal e fará a primeira reunião amanhã. Em pauta, ameaças relatadas por candidatos, como o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que disputa a prefeitura do Rio e presidiu a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio, e a vereadora Carminha Jerominho (PTdoB), filha do miliciano Jerônimo Guimarães, o Jerominho, que tenta a reeleição, mas foi impedida de fazer campanha no antigo reduto do pai. Além de Jerominho, estão presos, no presídio federal de Catanduvas, o irmão e o tio dela, Luciano Guinâncio Guimarães e Natalino Guimarães, condenados a dez anos por formação de quadrilha. Jerominho foi vereador e Natalino teve o mandato de deputado cassado. Os principais inimigos de Carminha são ex-aliados do pai: o ex-PM Ricardo da Cruz Teixeira, o Batman, também preso; e Toni Ângelo Aguiar, que desertou da PM. O Disque-Denúncia oferece R$ 1 mil por informações que o levem à cadeia.
- Não tenho medo. Não vou ficar acuada, mesmo que tentem me fazer desistir das eleições. Sei que existem covardes capazes de fazer perversidades com as pessoas - disse ela.
Basta percorrer Campo Grande, território disputado pelos grupos de Jerominho e Toni Ângelo, cuja principal fonte de lucro é o transporte alternativo, para perceber que o clima está tenso. Na Vila Bom Jardim, em Cosmos, de onde Carminha foi expulsa em 2008, quando era candidata a vereadora, ela continua não sendo bem-vinda:
- Na última vez que ela esteve aqui, nas eleições passadas, o pessoal arrancou os cartazes e os galhardetes dela. Carminha ainda não apareceu por aqui, mas se ela vier com o seu sapatinho de seda, vai acontecer o mesmo. É ela virar as costas para tirarem tudo. Os moradores querem apoiar quem faz algo pela comunidade - disse Jorge da Silva, presidente da associação de moradores.
A fim de evitar mal-entendidos, ele acrescenta logo que ninguém é proibido de entrar na favela para fazer campanha, mas a pintura no muro de um condomínio da prefeitura na Rua das Amendoeiras, em frente à Vila Bom Jardim, denuncia quem manda por lá. No desenho, há o símbolo do super-herói Batman -usado para identificar a área da milícia integrada por Ricardo da Cruz Teixeira - e, embaixo, a palavra bem-vindo. Segundo moradores, o desenho foi feito há um ano, quando desabrigados do Morro do Bumba, em Niterói, e da Favela de Acari foram morar nos condomínios da região:
- A milícia quis mostrar quem manda aqui porque havia gente de várias facções criminosas nos condomínios - contou um morador que pediu para não ser identificado.
Outro desenho do Batman foi feito na parede de uma casa em frente à sede da Associação de Moradores da Vila São Jorge, também em Cosmos. O presidente da associação, Dilson Arena, nega a influência de milicianos e diz que pichações são "brincadeira dos meninos".
Carminha chegou a protocolar as ameaças na Câmara dos Vereadores. A Secretaria de Segurança confirmou o fato e explicou que ela "alega risco de vida em razão de sua atuação política". O mesmo ocorreu com Freixo. Segundo a secretaria, as ameaças chegaram pelo Disque-Denúncia, enfatizando que tomasse cuidado em áreas sob influência de milicianos. Na última semana, o candidato apareceu cercado por PMs em Bangu e na Rocinha, um cuidado redobrado por parte da secretaria. O deputado confirma que candidatos a vereador por seu partido também foram abordados em favelas dominadas por milícias. Ele admite não se sentir seguro ao fazer campanha nesses locais:
- Não adianta o TRE pedir a proteção do Exército apenas no dia da eleição se, durante todo o período de campanha, esses grupos criminosos fazem o que querem - disse ele.
Com 12,9 mil moradores, o Conjunto Habitacional Dom Pedro I, em Realengo, é um exemplo de curral eleitoral das milícias. Segundo moradores, os paramilitares exigem o pagamento de uma taxa para permitir que políticos façam corpo a corpo no conjunto, que já foi reduto do tráfico de drogas.
A atuação dos milicianos não se restringe à Zona Oeste. Preso em agosto de 2009, acusado de chefiar o maior grupo paramilitar em atividade na Baixada Fluminense, o sargento PM Juracy Alves Prudêncio, o Jura, lançou como candidata a vereadora em Nova Iguaçu a mulher, Jeane Silveira Prudêncio (PTN). De uma cela no Batalhão Especial Prisional, onde cumpre pena de quatro anos, ele cuidou da candidatura. Jeane adotou o apelido do marido. Na eleição de 2008, Jura foi o segundo mais votado no município, com 9.335 votos. O miliciano, contudo, ficou sem a vaga porque seu partido à época, o PRP, não alcançou o quociente eleitoral. Em seguida, ele foi condenado por falsidade eleitoral pela inclusão de dados errados na prestação de contas.
Cientista político e juiz, João Batista Damasceno presidiu a 158 Zona Eleitoral, que abrange os bairros da Posse até Austin, áreas sob domínio de milícias, e diz não ter recebido qualquer denúncia de candidatos prejudicados à época. Um episódio relatado pelo juiz, contudo, mostra a influência exercida por paramilitares na região. Damasceno lembra que, ao percorrer as seções eleitorais, acompanhado por uma promotora e dois PMs designados para a sua segurança, encontrou um veículo com propaganda de Jura em frente a um ponto de votação:
- Enquanto eu decidia a providência a ser tomada, os policiais que nos escoltavam logo saíram em defesa do candidato, dizendo que Jura era da casa, um policial.
Em municípios com problemas, o Exército
Além dos milicianos, o TRE está de olho nas disputas em municípios-problema como Magé, reduto da família Cozzolino, que domina a região há mais de 30 anos. Uma dinastia política levada a ferro e fogo, com ações clientelistas e cenas dignas de filmes de gângsteres. Veio de lá a denúncia de que haveria um atentado à bomba em uma zona eleitoral no mês passado, o que motivou o presidente do TRE, Luiz Zveiter, a pedir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no último dia 2, a ajuda do Exército no combate ao crime organizado. Como reforço, a Divisão de Homicídio (DH) da capital vai atuar nos eventuais casos de assassinatos relacionados às eleições em Magé.
- O Exército não está vindo para suprir a carência da polícia. Pelo contrário, não queremos que os policiais saiam de sua área de atuação, do seu cotidiano, só para ajudar o tribunal. O Exército será um plus para manter a ordem nos locais de votação. Não vamos tirar PMs das UPPs - justificou Zveiter.
O GLOBO cruzou dados dos órgãos de inteligência da Secretaria de Segurança e do TRE e mapeou algumas áreas conflagradas, como as sujeitas à atuação de criminosos - sejam milicianos ou traficantes -, e cidades que recebem os milionários royalties do petróleo, onde a tensão eleitoral é enorme. Na capital, a Zona Oeste se destaca com os bairros Campo Grande, Santa Cruz, Bangu, Sepetiba, Guaratiba, Vila Kennedy, Gardênia Azul e Rio das Pedras dominados por milícias. Também constam na lista bairros da Zona Norte, como Água Santa; além dos municípios de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Há áreas de conflitos também no Complexo Petroquímico (Comperj), em Itaboraí; em Campos; e em Rio das Ostras.
- A população tem que saber que, quando estiver na cabine de votação, a consciência dela é a senhora de suas atitudes. O eleitor que se sentir desconfortável tem de procurar o presidente da mesa - aconselhou Zveiter.
FONTE: O GLOBO
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