Mais que solução aparente para todo e qualquer problema que afete o país, reforma se transformou entre nós em palavra mágica, usada sempre, como se fosse recurso capaz de pôr fim às crises que periodicamente ocupam a atenção da opinião pública. Vale qualquer tipo — reforma econômica, social, trabalhista e até urbana. Nenhuma é utilizada com mais frequência, porém, que reforma política, novamente na ordem do dia.
Uma comissão tratará do tema no Congresso Nacional. Ficam sempre no ar as cogitações mais variadas, porque, afinal, ninguém especifica o que se deve reformar na política. Por isso, pode-se cogitar de tudo, a começar pelo sistema político, o mais óbvio, exatamente por ser o mais problemático e complexo dos problemas brasileiros, em todos os tempos, desde que o país se tornou independente.
Reformas econômicas têm sido as mais frequentes, talvez por serem as mais fáceis de se realizar, pois basta mudar o padrão monetário, como o que já passou do mil réis ao cruzado, até chegar ao cruzeiro. Mesmo que seja uma simples mudança aparente, não deixa de ser reforma. O problema persiste quando se trata de reformas políticas. Mudar o sistema eleitoral seria, sem dúvida, uma reforma política. Só que existem apenas duas modalidade de sistemas eleitorais: o proporcional e o majoritário.
Pelo primeiro, elegem-se vereadores, deputados distritais, estaduais e federais. Pelo segundo, são escolhidos não apenas os senadores, mas também a totalidade dos ocupantes de cargos eletivos do Executivo, tanto os prefeitos, na esfera municipal, quanto os governadores, na esfera estadual, e os presidentes, no âmbito federal. Logo, trata-se de modalidade amplamente aplicada, desde sempre. Outra modalidade seria a combinação de ambos, o que, como se especifica acima, já é amplamente utilizado, em diferentes esferas.
Resta ainda o sistema partidário, que, incontestavelmente, integra o sistema político. Quando nos referimos ao sistema de organização política dos países, também não há muitas alternativas palpáveis, pois são eles presidencialistas, como nos Estados Unidos e no Brasil, ou parlamentaristas, como na França e na Espanha. Também já experimentamos o parlamentarismo, por sinal, sem resultados duráveis.
Há ainda os sistemas partidários, dos quais só existem duas modalidades originais: pluripartidários, predominantes na maioria das democracias, ou bipartidários, como tem sido a tradição de países como os Estados Unidos e que também sem sucesso já experimentamos no Brasil, tanto durante o Império, quando o Partido Conservador e o Partido liberal se alternavam no poder, quanto durante o regime militar, em que apenas Arena e MDB eram admitidos.
Em face dessas constatações conhecidas, cabe a indagação: o que mais pode-se reformar, seja nos sistemas de governo, seja nos eleitorais, seja nos de governo? Ninguém ousaria alterar os capítulos da Constituição referentes aos Direitos Individuais e aos Direitos Coletivos. Quem ousaria alterar o título Da Organização dos Poderes?
Apesar dessas e de tantas conhecidas disposições que a própria Carta declara inalteráveis, como já ocorreu no Império e na República, poderíamos mudar o regime político ou o sistema de governo. No entanto, o tema das reformas nunca saiu do noticiário político. E até mesmo do sistema, tanto durante o Império, quanto durante os períodos discricionários, como em 1937, quando Vargas instituiu o Estado Novo, e no regime militar, na vigência dos Atos Institucionais.
Por isso mesmo, propor reformas implica sempre um risco, em especial quando nos referimos genericamente a reformas políticas. As Constituições brasileiras contemporâneas sempre tiveram viés reformista. A atual, por exemplo, trata sobretudo da reforma agrária, nos artigos 184, § 1º, 185 e 189. Assunto, por sinal, conflitivo e objeto de muitos confrontos, tanto de natureza ideológica quanto política. Trata-se da única referência à reforma no texto constitucional em vigor. O termo reforma, porém, nunca deixou de estar presente no vocabulário político brasileiro e foi, em várias ocasiões, motivo de conflitos ideológicos e políticos.
Nunca, porém, as reformas políticas estiveram ausentes do debate político brasileiro. Aparecem sempre, e frequentemente, em diferentes tonalidades, mais ou menos incisivas ou até mesmo eventualmente. Mas é inegável que o termo tem apelo especial entre os políticos e os juristas. Atrás desse termo esconde-se toda espécie de interesse. Por isso, é sempre recomendável usá-lo sempre de forma cautelosa e, se possível, em tom neutro e sem conotações visíveis.
Octaciano Nogueira Historiador e cientista político
Fonte: Correio Braziliense
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