Acusando o governo de ser autoritário, quatro entidades que representam médicos decidiram renunciar aos postos que ocupavam em comissões e conselhos da União. Eles anunciaram uma "batalha jurídica" contra medidas recentes de Dilma.
Rompimento na Saúde
Entidades médicas abandonam comissões do governo e recorrem à Justiça contra programa oficial
BRASÍLIA - Quatro entidades que representam os médicos anunciaram ontem o início de uma guerra contra o governo por causa do programa Mais Médicos, que busca levar profissionais brasileiros e estrangeiros para cidades do interior e da periferia das regiões metropolitanas. As instituições médicas abandonaram o Conselho Nacional de Saúde e renunciaram coletivamente aos assentos que ocupam em órgãos do governo, como câmaras, comissões e grupos de trabalho do Ministério da Saúde e de órgãos relacionados.
Elas também anunciaram que entrarão com ações judiciais para barrar o programa. As associações classificam o Mais Médicos como autoritário e acusaram o Ministério de Saúde de atropelar os debates com a classe.
- Vamos ter uma batalha jurídica com eles, grande. Vamos exigir que as leis sejam seguidas à risca - disse o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira Filho.
A Fenam, o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) justificam que decidiram sair dos grupos após o governo agir de forma "unilateral e autoritária", e culparem os médicos por problemas que, na verdade, são causados por má gestão, falta de investimentos e corrupção. Eles afirmam que suas propostas foram tratadas com indiferença nos conselhos e grupos.
Em nota, as quatro entidades afirmam que, desde 2011, tentaram entendimento com o governo e apresentaram propostas para levar médicos às áreas mais pobres do país. Elas alegam que o governo tratou com indiferença suas sugestões e transferiu às entidades a responsabilidade pela "crise da assistência".
"Ao editar de forma unilateral e autoritária medidas paliativas que afetam a qualidade dos serviços públicos de Saúde e o exercício da Medicina no país, o governo federal rompeu o diálogo com as entidades médicas, que, desde 2011, buscavam insistentemente o consenso, sempre apresentando propostas para a interiorização da assistência", diz a nota.
A saída dos grupos de discussão no Ministério da Saúde, na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e no Conselho Nacional de Saúde foi decidida, segundo Ferreira, porque não fazia mais sentido debater assuntos da área se o governo tomou decisões sem ouvir os envolvidos.
- Entendemos que o governo nos atropelou. Uma dessas comissões do governo da qual fazíamos parte estava reunida desde o dia 18 de junho. O governo não deu nem bola. Nosso entendimento é que a comissão perdeu a lógica - disse o presidente da Federação dos Médicos.
Além de afirmarem que a corrupção é uma das causas dos problemas na Saúde, as entidades denunciam aparelhamento nos órgãos oficiais. O presidente da Fenam justificou a saída da entidade do Conselho Nacional de Saúde por entender que o órgão serve a interesses do governo.
- É um gesto político. Estamos mostrando que estamos insatisfeitos. O conselho deve ser técnico e não pode ser aparelhado politicamente para defender lógicas de governo ou de partido - afirmou Geraldo Ferreira.
A presidente do CNS, Maria do Socorro Souza, em solenidade recente no Planalto, defendeu o veto do Ato Médico, medida que Dilma tomou e que contrariou a classe médica.
Na Justiça, o grupo se prepara para dar trabalho ao governo, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF). Ferreira afirmou que, entre as medidas que as entidades pretendem tomar contra o Mais Médicos está o ajuizamento de uma ação civil pública pedindo suspensão da medida provisória que cria o programa. No pedido, vão alegar que o programa deveria contratar médicos por concurso público e pagar salário a esses profissionais e não remunerá-los com uma bolsa. Para a Federação, o governo também instituiu um serviço civil obrigatório.
Outra ação, no STF, está sendo preparada e deve ser ajuizada em 15 dias. Ferreira ainda afirma que a Fenam está instruindo os sindicatos nos estados que entrem com pedidos na Justiça trabalhista de pagamento de direitos para os médicos que assumirem vagas pelo programa.
- O governo está fazendo uma fraude, fingindo que isso é uma relação de ensino, quando na verdade é de trabalho. Não imagino que a população brasileira sequer imagine que esses médicos estão indo a esses lugares para estudar. Isso é uma fraude desavergonhada do governo federal - disse Ferreira, referindo-se à exigência de que os alunos de Medicina trabalhem dois anos no SUS antes de receber o registro definitivo.
A Fenam negou que sindicatos ligados à federação tenham sugerido boicote às inscrições no Mais Médicos. Ferreira afirmou que foi feita uma reunião com administradores de grupos de médicos nas redes sociais após as notícias de que esse tipo de sugestão circulou nesses grupos. O dirigente disse que instruiu os administradores a avisar caso identifiquem recomendações desse tipo na rede, e que as entidades que representam os médicos estão "se preparando para uma guerra" com o governo também no ambiente virtual.
- Comprovamos que não houve por parte de nenhum sindicato (sugestão de boicote). É uma comunicação de guerra. Vamos enfrentar uma guerra. O governo está preparado, tem estrutura, tem seus blogueiros. Vamos enfrentar esse embate - disse Geraldo Ferreira.
Questionado sobre o número de pré-inscritos no Mais Médicos, que, segundo o Ministério da Saúde, já chega a 11,7 mil, Ferreira afirmou que esse total pode não se concretizar, pois muitos profissionais podem mudar de ideia e declinar caso sejam chamados, após verem as condições do trabalho e de pagamento.
- Acho que quem se inscreveu foi pensando que R$ 10 mil seria um salário bom. Porque a maioria dos concursos públicos, na realidade, paga bem menos. Acho que atraiu. Mas, depois que se inscrevem, vão analisar. Como o governo abriu para inscrição, o médico se inscreveu, e agora ele percebeu que isso é uma bolsa, que não tem garantias trabalhistas - disse. - Pagar com bolsa, para fraudar a boa-fé das pessoas, não se pode acreditar que os médicos sejam tão ingênuos para aceitar essas coisas.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário