A traição na política nacional é fator recorrente. Tanto que uma das expressões comuns na política é “cristianizar” um candidato, o que significa não apoiar o candidato majoritário do próprio partido em favor de outro. Aconteceu com Cristiano Machado, político mineiro candidato à Presidência da República pelo PSD em 1950. O PSD o traiu e a maioria dos votos de seus correligionários foi para Getúlio Vargas, então candidato do PTB.
Do episódio de Cristiano Machado até hoje, a situação somente piorou. Tudo em nosso sistema político conspira para que haja traições. As razões são muitas, a começar pelo fato de que existem partidos demais e disciplina partidária de menos. Muitas vezes, as alianças em nível federal não se reproduzem no nível estadual.
Políticos de um partido têm um pé em outro. Caciques regionais controlam mais de uma legenda: a principal e uma ou mais legendas auxiliares. Pequenos partidos cedem vagas e tempo de televisão na composição de coalizões. Tudo em uma imensa feira política.
Outro fator é a regionalização dos partidos, que são franquias políticas que dão a seus caciques razoável autonomia local. Nossos partidos são, em sua maioria, aglomerados de forças políticas estaduais.
O caso mais notório é o PMDB, que funciona como um condomínio sob o comando de caciques estaduais. Destacam-se aqueles que sabem melhor articular seu poder estadual na esfera federal, ampliando, em consequência, seu poder nacional.
Pois bem, nestas eleições para presidente da República existem alguns vetores de traição relevantes. Apontarei alguns. O primeiro está dentro da esfera petista, onde permanece um desejo latente e crescente de substituir Dilma Rousseff (PT) por Lula (PT). Justificam a demanda pelo risco que Dilma corre de ir para o segundo turno e perder, ou ganhar com uma base política instável. Acreditam que Lula é o remédio para tais problemas.
Outro vetor de traição está na precária relação entre o PMDB, o PT e o governo federal. Dispensa maiores explicações o fato de que o líder do PMDB na Câmara fomentou e organizou um bloco de insatisfeitos dentro da base governista. Antes disso, algumas lideranças estaduais do PMDB tendiam a apoiar a chapa Dilma-Temer sem maiores envolvimentos no campo do voto.
Na oposição, um aspecto saliente é a opinião de alguns tucanos de São Paulo, que torcem para que o governador Eduardo Campos (PSB) chegue ao segundo turno da eleição presidencial. Consideram que ele teria mais chances de enfrentar Dilma. Outros não escondem que não engolem os atritos entre o ex-governador José Serra e o senador Aécio Neves que resultaram em dossiês e brigas internas. Nominalmente, apoiam Aécio, mas podem fazer corpo mole.
O que movimenta o mercado das traições? Claro que é a busca do poder. Porém, existem agendas específicas, e não muito claras. No PT, a troca de Dilma por Lula é entendida como o remédio para a pacificação da base aliada e a receita para se reconquistar o apoio do empresariado e a confiança do mercado financeiro. O que significaria uma eleição mais tranquila para o “lulismo”.
No PMDB, as razões para as traições ou não engajamento na aliança federal são múltiplas. Existem disputas específicas, como em Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Ceará, por exemplo, onde o PMDB e o PT terão candidatos próprios. Existe ainda, por parte do PMDB, a preocupação de que o desempenho nas eleições para o Congresso seja ruim e que o PT possa alcançar a maioria em ambas as Casas. Para esses, a disputa é um “salve-se quem puder”.
No PSDB, além da tradicional desconfiança entre partidários, existe uma desconfiança entre “serristas” e “aecistas”, cujas origens estão na disputa entre os dois pela vaga de candidato presidencial. Basta lembrar os fenômenos “Dilmaécio” e “Dilmanastasia”, em que parcela importante do eleitorado mineiro votou em uma chapa que misturava Dilma para presidente, Aécio para o Senado e Anastasia para o governo.
Mais recentemente, havia desconfianças dentro do PSDB sobre a viabilidade de Aécio Neves como candidato presidencial. A ponto de o governador Geraldo Alckmin, já no final do ano passado, dizer que o PSDB tinha muitos nomes para concorrer, quando todos sabiam que o nome da vez era Aécio. Alckmin, pelo seu lado, acompanha com cuidado a campanha, pois sabe que, se Aécio perder, seu nome poderá ser lembrado para 2018.
Circunstâncias típicas fazem aliados do passado, que romperam de forma dramática, se recompor. É o caso de José Roberto Arruda, Joaquim Roriz e Gim Argello, que, em nome de uma chapa forte para disputar o governo de Brasília, superaram divergências e desconfianças. No arranjo, o PTB de Gim, que apoia Dilma no plano federal, deve concorrer contra o PT no plano local.
Por fim, existe o fato de que o governo Dilma não conseguiu manter incólume a base de apoio político e social que recebeu de Lula. Mesmo mantendo a preferência do eleitorado, o apoio ao governo por parte da sociedade civil, do empresariado e do mercado financeiro também favorece a possibilidade de traições. Em especial, se a disputa for para o segundo turno.
Murillo de Aragão é cientista político.
Fonte: O Tempo (MG)
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