No Dia Mundial da Água, amanhã, estaremos em "estresse hídrico". Não que falte água --há excesso no Norte. O rio Acre baixa, e traz algum alívio aos meus conterrâneos, mas o Madeira continua subindo e afeta populações de toda a região, até na Bolívia. A presidente Dilma sobrevoou a área inundada, esteve com desabrigados e anunciou a construção de uma ponte entre Acre e Rondônia. Mas se o rio invadir longos trechos da estrada nos próximos anos, de pouco adiantará uma ponte no meio das águas.
Faz tempo que o Brasil precisa debater com mais profundidade os efeitos das mudanças climáticas, para se preparar e prevenir situações, em vez de apenas socorrer as vítimas com ações emergenciais.
Isso é evidente na escassez, o drama do Sudeste. Aí se revela o atraso da gestão pública, no limite da irresponsabilidade. Chega a ser ironia que o problema maior esteja em São Paulo, Estado que foi exemplar nos anos 90, quando o Brasil definiu avançados marcos regulatórios para gestão das águas.
Na avaliação do ex-deputado Fabio Feldmann, a situação atual é de desmantelamento do sistema nacional de recursos hídricos e dos sistemas estaduais. Um retrocesso "democrático e suprapartidário", pois acomete Estados governados por diferentes partidos.
Todo o setor de saneamento, que tem seu maior deficit na coleta e tratamento de esgotos, permanece o setor da infraestrutura nacional com o pior nível de desenvolvimento, deixando o Brasil em vexaminosa situação no cenário mundial.
Falta investimento, é óbvio. Mas nas avaliações de organismos civis, como o Instituto Trata Brasil, isso ocorre mais por falta de capacidade técnica de fazer e executar projetos do que por falta de recursos.
Falta uma clara definição de responsabilidades entre União, Estados e municípios. Há excessiva burocracia para obter financiamento. A política tarifária, que aliviaria o setor, não ajuda. Com tal descaso, o tempo desfaz os avanços conquistados e as situações de crise se tornam frequentes. É o caso do Cantareira, em São Paulo, que passou por um sério período de escassez na década passada.
Desde então, a gestão do sistema pouco mudou e quase não existem medidas de redução de consumo ou de ampliação das condições para que as bacias do sistema possam produzir água. Resta menos de 25% da vegetação natural no entorno dos reservatórios, segundo o Diagnóstico Socioambiental da Cantareira (ISA, 2006).
Há exemplos de estratégias bem-sucedidas. Em Nova York, nos anos 90, foram implantados dois programas: subsídios para a substituição das válvulas de descarga nas residências, para diminuir o consumo e gestão territorial, com aquisição de terrenos em áreas ambientalmente sensíveis e pagamento por serviços ambientais. A crise atual vai passar, mas repete a lição: pensa no futuro, Brasil.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente
Fonte: Folha de S. Paulo
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