- O Globo
O governo foi irresponsável ao deixar se fortalecer um inimigo que levamos meio século para derrotar. A inflação chegou a 9,93% em 12 meses até outubro. Estamos, portanto, a 0,07 ponto percentual da temida taxa de dois dígitos, que já é uma realidade em cinco cidades pesquisadas pelo IBGE: Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, São Paulo e Fortaleza.
A inflação chegou a dois dígitos nos anos 1940 do século passado e só foi derrubada de volta a um dígito em 1996, após o Plano Real, que em 1994 criou o mecanismo vitorioso contra a explosão inflacionária que o país vivia. Nos 15 anos antes do Real, a taxa acumulada, como contei no meu livro “Saga Brasileira", foi de 13 trilhões por cento. Na esteira dessa escalada os brasileiros viveram um cotidiano infernal do qual os mais velhos não se esquecem, e os mais novos receberam notícia.
As projeções do professor Luiz Roberto Cunha são de que se a taxa ficar em 0,7% em novembro e dezembro, o IPCA de 2015 será de 10%. Caso haja aumento da Cide de R$ 0,10 por litro para R$ 0,60 por litro, como forma de aumentar a arrecadação de 2016, dada a baixíssima probabilidade de aprovar a CPMF, a inflação fechará o ano em 11%.
Para se ter ideia, desde o Plano Real, a inflação só foi de dois dígitos duas vezes. Uma foi no ano de 1995. O plano não teve congelamento, e ter aqueles 22% foi uma vitória sobre percentuais que chegaram a superar 5000% nos 12 meses antes do real. A segunda vez foi na transição política. A vitória de Lula provocou a disparada do dólar em 2002 e o índice fechou em 12,53%. No ano seguinte, a primeira equipe do ex-presidente Lula conseguiu afastar os temores e ela voltou a 9,3%.
Desta vez o que houve exatamente? Nada. Uma presidente sucede a si mesma, os preços do petróleo despencam no mundo e a conjuntura externa é deflacionária. Não se pode culpar qualquer fator externo para a volta a dois dígitos. Há uma série de motivos, eles são todos provocados pela má gestão da economia e pela falta de compreensão da presidente Dilma e da equipe econômica do primeiro governo sobre os riscos da inflação.
Ela desorganiza o orçamento das famílias, assusta as empresas, interrompe investimentos, empobrece os pobres, diminui as chances de crescimento e ameaça o país com a volta de mecanismos de indexação. A inflação é nociva, por isso é chamada aqui nesta coluna de “inimigo”. Como jornalista de economia que atravessou no relato cotidiano todo o período hiperinflacionário, sou testemunha do mal que ela já fez ao Brasil. Este ano, o IPCA se aproxima de dois dígitos com a economia em recessão de 3%. O desconforto provocado pela soma dos dois problemas é enorme e isto tem tirado oxigênio da economia.
O governo é culpado por ter sido leniente demais, aceitou-se que ela subisse aos poucos. Entendeu-se equivocadamente a função do limite superior da banda nas metas de inflação. A regra tem que ser buscar o centro da meta, ou seja, 4,5%, e a exceção é o teto. A ideia é ficar no centro para haver um espaço que acomode os fatos inesperados que os economistas chamam de “choques”. Quando o governo acha bom e o Banco Central aceita que a taxa fique perto do teto é um perigo porque qualquer ocorrência leva o índice para acima do limite. Foi o que aconteceu. O governo errou quando aumentou seus gastos demais e erodiu a base fiscal. E ainda se permitiu cometer o desatino de segurar artificialmente os preços como fez com a gasolina e a energia, provocando a explosão de preços que ocorreu este ano na conta de luz.
O tarifaço de energia tem profundo efeito desestabilizador na economia porque afeta os custos de todas as empresas. A única contenção ao repasse disso para todos os preços é a recessão. Encontra-se o país, assim, na dolorosa situação de ter que torcer para que um mal contenha outro, para que a recessão segure a inflação.
Sim, o governo é responsável pelo que está acontecendo atualmente na economia. Ele tomou decisões insanas, desconheceu as lições do passado, ignorou os alertas, ofendeu os críticos e colocou o país em armadilhas conhecidas. Agora o Brasil está no umbral dos dois dígitos. Isso não é a volta ao passado do qual escapamos, mas é arriscado demais deixar um velho inimigo se fortalecer desta forma.
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