- O Globo
O ministro da economia ideal é aquele que aceita o convite, conversa com o governante de forma clara sobre os limites do seu poder e já assina a carta de demissão. Com ela no bolso, trabalhará sabendo que pode entregá-la ao chefe a qualquer momento. A carta evitará o apego ao cargo e ajudará o ministro a manter o foco no que é relevante para as suas funções e o país.
Foi assim que num dia de agosto de 1979 o ministro Mário Henrique Simonsen entregou o cargo a um presidente de ceroulas na Granja do Torto. João Figueiredo estava nesta vestimenta quanto foi receber Simonsen, que chegara de forma inesperada em sua residência. O ministro entregou a carta que era tão irrevogável que ele já havia chamado o caminhão de mudança. Foi pelo caminhão que a imprensa soube que o ministro estava deixando o governo, depois de passar oito meses sendo bombardeado pelo então ministro da Agricultura, Delfim Netto, desejoso de voltar ao comando. Delfim assumiu o Planejamento — que naquele momento tinha o maior poder —, manteve na Fazenda um ministro que aceitou ser seu subordinado e comandou a desastrosa política econômica do governo Figueiredo.
Ministro da Fazenda tem que saber que será atacado por todos os outros. É da natureza do cargo. Ele terá de zelar pelo equilíbrio das contas públicas e todos os outros vão querer políticas que favoreçam seus setores. Não pode então ser sensível. Terá que ouvir críticas em silêncio e seguir seu caminho, mas não pode transigir em decisões tomadas em sua área sem ouvi-lo. Quando acontecer, aquela carta que fica no bolso, ou na bolsa, deverá ser entregue.
Houve um dia em que o ministro Pedro Malan estava ao lado de Clóvis Carvalho num evento público. O ministro Clóvis Carvalho, chefe da Casa Civil, e homem de confiança do presidente Fernando Henrique, criticou a política econômica. Malan ouviu em silêncio e ao falar não deu demonstrações de que tivesse ouvido. Nada comentou com os insistentes jornalistas. Guardou silêncio até que o presidente Fernando Henrique demitiu Clóvis Carvalho. Não é que um ministro da Fazenda não possa ser contrariado, é que ele tem que ter noção de quando o essencial está em jogo. No essencial, não dá para transigir.
Ministro ideal de um presidente que está sob a ameaça de ser removido do cargo, em um processo de impeachment, é aquele que foca no que é fundamental de sua função pública. Era este o ambiente em 1992 no Brasil. O ministro Marcílio Marques Moreira tomou duas decisões. Primeiro, brigou para que o dinheiro que o Plano Collor havia sequestrado dos brasileiros fosse entregue aos seus donos. Não houve postergações. O dinheiro foi devolvido em parcelas, mas emagrecido. Cumpriu-se, no entanto, a promessa. Em um segundo momento, o ministro se descolou do presidente declinante. Com Celso Lafer, das Relações Exteriores, e Celio Borja, da Justiça, fez um cordão de isolamento que foi uma espécie de núcleo ético em um governo que seria meses depois deposto.
Foco na função pública, intransigência no essencial e carta no bolso, eis três características do ministro ideal. Seria simples, não fosse a natureza humana que às vezes encanta-se com os rapapés do posto. Ministro ideal é aquele que sabe que não vai salvar o mundo, nem mesmo o Brasil, mas apenas, se for competente, o Tesouro. Parece pouco, mas a tarefa é um teste de longa resistência.
Ministro ideal conhece todas as formas de dizer a palavra “não”. Muito lhe será pedido, pouco será no interesse geral. Os pleitos são sobre que bocado do dinheiro coletivo vai para que grupo específico. O ministro, ao se sentar na cadeira, deve esquecer os amigos, perdoar os inimigos e ignorar os que se apresentam como amigos do rei.
Por fim, ministro ideal não pede demissão, nem se deixa demitir, na sexta-feira. Neste dia da semana, os jornalistas fazem algo que chamamos com o exótico nome de “pescoço” e que em língua de gente significa antecipar o fechamento do jornal de domingo. Ou seja, há muito trabalho. Mas só essa reivindicação já mostra como a tendência, diante do ministro da Fazenda, é fazer algum pedido setorial. Deve, portanto, ignorar este último parágrafo e sair no dia e hora que aquela carta precisar ser entregue.
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