Vinicius Torres Freire – Folha de S. Paulo
Apesar das reviravoltas da semana passada, a presidente Dilma ainda pode ser processada no Congresso e perder o mandato. Ela é acusada de crime de responsabilidade, ato ilegal de uma autoridade, por ter violado leis que regulam como o governo deve gastar dinheiro público.
No dia a dia das conversas políticas, diz-se que a presidente está sendo julgada pelas "pedaladas". Esse é, no entanto, apenas um dos três tipos de infrações da acusação contra Dilma Rousseff.
Primeiro, a presidente autorizou o governo a fazer despesas extras sem ter a devida e específica autorização legal do Congresso para tanto. O dinheiro dos impostos não chegava na quantidade que o governo imaginara. A despesa extra não estava prevista na lei do Orçamento do governo para aquele ano.
A fim de continuar a gastar, foi preciso buscar dinheiro em outras fontes que não os impostos que são arrecadados no dia a dia. Foi preciso "abrir crédito suplementar", como se diz no jargão.
O governo teria assim violado artigos específicos que tratam literalmente de crédito suplementar, da Constituição, da Lei Orçamentária do ano, da Lei de Responsabilidade Fiscal e, assim, da lei 1.079, que trata de crimes de responsabilidade também do presidente, em seu artigo 10, item 4 ("Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária") e item 6 ("Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal").
Pedalada
Segundo, o governo é acusado de tomar dinheiro emprestado dos bancos públicos. Na verdade, o governo teria tomado empréstimos de maneira disfarçada, pois a lei o proíbe de obter crédito em banco de que seja "dono".
É como se o governo tivesse uma conta de cheque especial com um limite bem pequeno, mas estourou esse limite, ficando no vermelho muito além do que seria razoável no Banco do Brasil (BB), na Caixa Econômica Federal (CEF) e no BNDES.
Considere-se o caso mais simples. O governo não paga diretamente aos cidadãos benefícios sociais como o seguro-desemprego ou o Bolsa Família. Nesse caso, o responsável pelo pagamento é a Caixa.
Normalmente, em certo dia ou dias do mês, o governo deposita uma quantidade de dinheiro que, imagina, será suficiente para fazer os pagamentos. A quantidade não é precisa, pois o número de pessoas que recebem o benefício pode variar ou porque nem todo mundo saca todo o dinheiro no dia do pagamento.
Se faltar um pouco de dinheiro para o pagamento, o banco cobre a diferença, e o governo paga juros no "cheque especial". Se sobrar dinheiro por alguns dias na conta, o governo recebe juros.
Dentro de certos limites, valores pequenos, essas operações são razoáveis e apenas servem para facilitar a vida da administração pública. Quando chegam ao valor de bilhões, pode-se dizer que o governo está empurrando o pagamento com a barriga, "fica devendo, paga quando puder". Na prática, torna-se uma operação de empréstimo.
Assim, é possível esconder o fato de que o governo está no vermelho e, certos meses, pode parecer que o governo tem superávit (gastou menos do que arrecadou).
Se empurra o pagamento para o futuro, "pedala para a bicicleta não cair", pode seguir adiante, passeando e gastando, deixando o débito para mais tarde, gastando mais, sem fundos, em um período eleitoral. Como em 2014.
O Tribunal de Contas da União acusou o governo de pelo menos outros dez tipos diferentes de "pedaladas".
Por exemplo: o dinheiro do FGTS é usado para baratear a compra dos imóveis do Minha Casa, Minha Vida para dar subsídio, redução do preço da casa paga com dinheiro público. Esses fundos são apenas um adiantamento que o governo deve devolver, mas ficou devendo por anos.
Dívida maquiada
O governo dá outros subsídios. Por exemplo, por meio do BNDES ou do BB, empresta centenas de bilhões de reais para empresas industriais ou agrícolas. Como empresta a taxas de juros menores que as de mercado, os bancos perdem dinheiro.
O governo precisa cobrir esse "prejuízo" dos bancos, cobertura que se chama "equalização de taxas de juros". Em especial no governo Dilma 1, essa conta foi empurrada com a barriga, se tornou na prática pagamento devido e atrasado, uma espécie de crédito dos bancos com o governo. O artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operação de crédito entre um banco estatal e o governo.
A terceira acusação contra o governo é justamente essa: não registrou esse passivo na dívida pública, outra maquiagem da contabilidade oficial. O governo violou vários itens dos artigos 9 e 10 da lei 1.079, que definem respectivamente os crimes de responsabilidade contra a probidade na administração e contra a lei orçamentária.
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