- O Estado de S. Paulo
Desperdício e devaneios de uns podem ser oportunidades de avanço para outros
Pensam os Trumpistas que foram eles os inventores dos fatos alternativos. Enganam-se. Lembram-se de quando o ex-Ministro Guido Mantega nos dizia que a economia brasileira ia deslanchar? Lembram-se de como ele justificava os erros de suas previsões? A guerra cambial, a desaceleração da China, a queda das commodities, a crise da Europa. A culpa, sempre dos outros, jamais de políticas que, no conjunto, não faziam o menor sentido. Quem poderia imaginar que os fatos alternativos com os quais nos acostumamos durante os anos de governo do PT passariam a fazer parte do cotidiano norte-americano.
De acordo com o que se lê e se acompanha por aqui, em Washington, as projeções orçamentárias de Donald Trump estão fundamentadas em cenários de crescimento para lá de otimistas. A presunção é de que os EUA haverão de crescer entre 3% e 3,5% ao longo da próxima década, projeções que equivalem ao dobro do que diz o Congressional Budget Office, órgão independente responsável por elaborar cenários acerca da realidade real, não da realidade alternativa. Do que se sabe a respeito das projeções de Trump, não há nada que justifique 10 anos de crescimento tão pujante, nem mesmo os planos de investimento em infraestrutura e os almejados cortes de impostos. Na verdade, a estratégia como um todo não sustenta tamanho otimismo. Afinal, há o protecionismo, que não é amigo do crescimento. Há a tentativa de reduzir drasticamente a imigração, que tampouco ajudará a propelir quadro tão favorável.
Há trinta anos, durante a era Reagan, os EUA conseguiram alcançar taxas de crescimento de tal magnitude. Mas os tempos eram outros. A demografia era favorável – a geração nascida após a Segunda Guerra chegara à idade de contribuir para o aumento da atividade. Hoje, essa geração, conhecida como os “baby boomers”, está se aposentando, ou já não trabalha. A população envelhece, a demografia tornou-se adversa. Para crescer, é preciso contar com imigrantes qualificados, como fazem as empresas do Silicon Valley e tantos outros setores. Apertar a imigração é tiro no pé.
O protecionismo não trará empregos e produtividade para os EUA, como sabemos da experiência brasileira. Nosso “America First”, as regras de conteúdo local tão exaltadas pelo governo Dilma. O protecionismo traz inflação mais elevada quando os produtos importados encarecem, torna o crescimento mais difícil quando as empresas são colocadas em camisa de força, limita a ampliação de empregos. No caso americano, em que as empresas são elos fundamentais nas cadeias globais de valor, o protecionismo pode até ser destruidor de empregos. Afinal, se uma empresa americana produz no México porque lá a mão de obra é mais barata, ela ganha eficiência, o que permite criar empregos mais atraentes nos EUA, como mostram diversos estudos do Peterson Institute for International Economics. Se as empresas americanas forem forçadas a produzir mais aqui nos EUA, os empregos que exigem menor qualificação serão automatizados – a robótica, afinal, está em alta. O trabalhador americano que acreditou nos fatos alternativos ficará a ver navios.
Dá para gerar crescimento de 3% nos EUA de forma sustentável? Provavelmente, sim. Para tanto, é preciso aumentar a produtividade, aquela que estancou depois da crise de 2008. Aumentar a produtividade passa por diversas atitudes, inclusive pela abertura comercial ambiciosa prevista no Acordo Trans-Pacífico (TPP), enterrado por Trump. Outros países sabem disso, não à toa reunir-se-ão no Chile brevemente para discutir como avançar sem a participação dos EUA.
A reunião no Chile ocorrerá em março e contará com a presença dos países envolvidos no acordo original, além da China, que não fora incluída nas negociações do TPP. O Brasil, que procura dar novo rumo para si com reformas importantes, deveria estar atento a isso. Difícil será encontrar outro momento tão oportuno para que o País finalmente saia de sua gaiola protecionista imposta pela ideologia de governos anteriores. Desperdício e devaneios de uns podem ser oportunidades e chances de avanço para outros. Enquanto os EUA repetem nossos erros, tratemos de repetir os acertos deles.
*Economista, é pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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