- Valor Econômico
Trabuco e Caffarelli coordenam escolha do substituto de Ferreira
A privatização de algumas empresas no Brasil foi feita de um jeito que, no fim, elas permaneceram sob o jugo do governo. O pior exemplo é a Telemar (hoje, Oi), a gigante de telefonia que, neste momento, está em processo de recuperação judicial. O melhor é a Vale, que, desde a privatização, em 1997, cresceu muito, tornando-se a maior produtora de minério de ferro do mundo e uma das maiores exportadoras.
Nos dois casos, a presença de acionistas controlados diretamente pelo governo, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou indiretamente, como os fundos de pensão de grandes estatais, dá a Brasília o poder de interferir na gestão das companhias. Na antiga Telemar, a situação pós-privatização era esdrúxula: somadas as participações dos entes ligados à União, tinha-se a maioria do capital, mas quem mandava nos destinos da empresa eram os sócios privados.
Na Vale, o maior acionista individual é a Previ, a fundação de previdência dos funcionários do Banco do Brasil (BB) - 46,81% do capital total da Valepar, a controladora da Vale, ou 15,50% do capital total da companhia. Seus sócios no controle - além de mais três fundos de pensão com os quais está associada por meio do veículo acionário Litel - são a Bradespar, braço de participações do Bradesco, com 17,44% da Valepar; o grupo japonês Mitsui (15%); o BNDESPar (9,47%) e a Eletron (0,02%).
Os governos desde Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não colocaram mão pesada na Vale, mas, desde Lula (2003-2010), os ruídos se tornaram constantes. Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff se empenharam para desestabilizar Roger Agnelli, que presidiu a empresa em sua fase mais luminosa - na primeira década deste século. A pressão funcionou e Agnelli deixou o comando da Vale em 2011. Entre outras razões, Lula e Dilma gostariam que a empresa, uma companhia comprovadamente vocacionada para a mineração, entrasse no ramo da siderurgia.
Mas depois se viu que as pressões políticas não se limitaram aos governos do PT. Nos últimos meses, políticos do PMDB e do PSDB vinham pressionando o presidente Michel Temer a usar sua influência para substituir o atual presidente, Murilo Ferreira. Sem entrar no mérito da gestão de Ferreira, o processo de fritura do executivo é anacrônico. A Vale, apesar das participações diretas e indiretas do governo em seu capital, é uma empresa privada. Seu estatuto determina que a escolha do CEO passe por um processo de seleção conduzido por uma empresa "headhunter" internacional.
Nesse contexto, a reorganização societária da Vale é um bálsamo. Com capital pulverizado, uma classe apenas de ação (ordinária, que dá direito a voto) e inexistência de grupo controlador e migração para o nível mais exigente de governança da bolsa brasileira - o Novo Mercado -, a nova companhia veda a possibilidade de interferência política em seus desígnios. O governo continuará com sua "golden share", mas suas prerrogativas são limitadas - vetar alteração do nome da empresa e mudança da sede fiscal, por exemplo.
Um investidor que detenha hoje ações preferenciais da Vale está sujeito às decisões do grupo controlador. Este, como foi mencionado, pode sofrer influência de Brasília. Com o novo acordo, só haverá ações ordinárias e a figura do controlador desaparece.
Todos ganham com as mudanças: seus atuais controladores (que vão receber prêmio de 10% na incorporação da Valepar pela Vale); os acionistas minoritários (que, mesmo sofrendo provavelmente diluição de 3%, serão compensados pela valorização subsequente do ativo); o país (uma Vale fortalecida deve atrair novos investidores e favorecer o desenvolvimento do mercado de capitais) e até o governo (uma Vale mais eficiente pagará mais impostos e ampliará sua capacidade de investimento, gerando mais renda e emprego).
É preciso registrar que o atual grupo controlador da Vale foi muito importante para modernizar a companhia e trazê-la até aqui. O novo passo vai fazer com que a empresa ganhe uma espécie de maioridade. No período de transição para a nova realidade, que vai durar três anos, haverá a profissionalização do conselho de administração e a criação de comitês para abastecer os conselheiros de informações qualificadas. A nova Vale certamente dará uma chacoalhada na forma de se pensar a governança de grandes empresas no Brasil.
A escolha do novo CEO seguirá as regras do estatuto, mas o processo será coordenado pelos presidentes do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e do Banco do Brasil, Paulo Caffarelli, representantes dos dois maiores acionistas - Bradespar e Previ, respectivamente.
A reorganização societária da Vale tem pontos similares com a migração da Klabin para o nível 2 da BM&FBovespa e a reestruturação da Embraer, que acabou ingressando no Novo Mercado da bolsa. Com as mudanças, a Vale vai se tornar uma "corporation" (empresa sem controlador definido), a exemplo do que já são suas duas principais concorrentes: as australianas BHP e Rio Tinto. A Embraer, por exemplo, é uma "corporation" desde 2006.
Hoje, a Vale já consegue entregar à China um minério mais barato e de melhor qualidade, mesmo estando a uma distância do gigante asiático bem maior que a das duas rivais. Com a empresa alcançando o mesmo status corporativo, imagine-se o ganho de eficiência adicional que ela terá... Seu custo de capital, por exemplo, será menor que o atual, o que faz uma enorme diferença.
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A Vale trabalha em outra frente que pode lhe trazer mais uma boa notícia: a reabertura da Samarco. A empresa negocia com a sócia BHP um contrato para que a Samarco utilize, como depósito de seus rejeitos, uma cava que ela possui na região de Mariana (MG). A expectativa é que um acordo seja assinado até o meio deste ano, o que facilitaria a obtenção das licenças ambientais para que a Samarco volte a operar.
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