Cristiane Agostine | Valor Econômico
Caxambu (MG) - O ativismo do Judiciário, com o avanço em temas políticos e sociais, traz enormes perigos para a democracia e deveria preocupar mais a sociedade brasileira do que os embates entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como os que foram transmitidos ao vivo na semana passada pela televisão. De acordo com pesquisadores, juízes e promotores têm se envolvido em disputas políticas e difundido a ideia de que o sistema político está corroído pela corrupção. Dessa forma, abrem espaço para o fortalecimento de figuras messiânicas, tanto na política quanto no próprio Judiciário e Ministério Público.
A conjuntura jurídica foi um dos principais temas debatidos na semana passada durante encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG). Em comum, pesquisadores defenderam que é preciso reformar o sistema judicial e impedir tanto a "judicialização" da política quanto a politização do Judiciário.
Dois dias antes do bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso no plenário do Supremo, a professora da USP e pesquisadora Maria Tereza Sadek lembrou que as divergências públicas entre os ministros são antigas e citou embates entre o então presidente do STF Joaquim Barbosa com Ricardo Lewandowski e com Gilmar Mendes e discussões entre Mendes e Marco Aurélio Mello. Maria Tereza disse que desde os anos 90 se fala em "crise das instituições", mas que é preciso olhar com atenção para uma diferença da crise atual: o forte avanço da judicialização, com o protagonismo tanto do Ministério Público quanto do Judiciário, que tende a trazer riscos à democracia.
Para a professora, juízes e promotores, que não têm voto popular, não devem fomentar a tese de que a representação política é marcada pela corrupção e que, por consequência, deve-se eleger "figuras messiânicas que estejam livres disso". Tampouco devem se apresentar como "salvadores da pátria". "Estamos alimentamos bravatas, um messianismo, quixotismo que é extremamente perigoso. Juízes trazem em si uma missão de salvação. Cabe a um juiz, a promotores de justiça serem salvadores da pátria?", questionou. "Por mais legítima que seja a bandeira que estão pregando, parece uma usurpação da divisão de poderes, que traz riscos de destruição da regra democrática", disse. "A campanha de desmoralização da classe política implica em consequências dramáticas para a ordem democrática", afirmou a professora, durante debate na Anpocs.
Em meio a críticas à judicialização, Christian Lynch, professor do Iesp-Uerj, disse que bacharéis, promotores e juízes "horrorizados com a baixa qualidade da política, percebida como corrupta ou massificada demais" viram no ativismo uma forma de fortalecer o Judiciário e, até mesmo, um meio de fazer política sem passar pelas campanhas eleitorais. "É uma revolução encabeçada por uma vanguarda de heróis do povo, encarnada pelos operadores jurídicos, sobretudo por promotores e juízes, cujo emblema seria a Operação Lava-Jato", disse, durante debate.
Presidente da Anpocs, Fabiano Guilherme Mendes Santos, do Iesp-Uerj, defendeu limites para a atuação do Judiciário e do Ministério Público, que devem ser definidos por uma reforma política. "É preciso delimitar melhor. A reforma política verdadeira do país é a reforma do Judiciário e do Ministério Público", disse em entrevista ao Valor. "Não faz sentido país governado por corporações. É um risco muito grande para a democracia", disse. "A agenda política não pode ser definida por juízes ou pelo Ministério Público. Eles não têm vocação para isso, não tem visão nem capacidade cognitiva para isso na sua formação. A sua formação é muito limitada para o mundo jurídico".
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