- Folha de S. Paulo
Questionado se os EUA viviam uma crise constitucional sob Trump, Eric Posner, da Universidade de Chicago, respondeu recentemente que existia apenas "constitutional unhappiness" mas não uma crise: inexistiria "confronto aberto entre os poderes que leve à paralisação do governo". O mesmo teria acontecido nos governos Nixon e Clinton: mal-estar produzido pela tensão entre os Poderes. E no Brasil?
Pela primeira vez na história, o STF é chamado a exercer de forma robusta a arbitragem dos conflitos entre os Poderes. A importância dessa arbitragem não escapou às análises seminais sobre o funcionamento do presidencialismo no Brasil.
Afonso Arinos, que identificou de forma pioneira o caráter inédito do presidencialismo multipartidário do país, enxergou nela seu calcanhar de Aquiles. "Nunca o Supremo Tribunal Federal pôde exercer a sua missão específica de árbitro da legalidade, contendo os excessos do Executivo", afirmou em 1958.
Exatos 30 anos depois, Sérgio Abranches apontou para o que chamou de dilema institucional do presidencialismo de coalizão: a inexistência de uma instância de arbitragem dos conflitos entre os Poderes, uma vez que crises na coalizão levariam a um "conflito indirimível" entre os dois polos fundamentais da democracia presidencialista: "Nos EUA, a Suprema Corte tem poderes que lhe permitem intervir nos conflitos constitucionais entre Executivo e Legislativo.
No Brasil da República de 1946 e no Brasil pré-constituinte da Nova República, precisamente os casos mais claros de presidencialismo de coalizão, este mecanismo inexiste".
O STF está no olho do furacão: corte alguma na história das democracias passou por teste de stress remotamente similar. Ele envolve dois impeachments presidenciais, abertura de investigação de presidente da República, anulação de pleito presidencial (indiretamente), julgamento de presidentes das duas casas legislativas, líderes e presidentes de partidos, centenas de membros da alta elite empresarial do país e do ex-presidente mais popular da história. Agenda institucional que em outros contextos históricos teria a revolução como equivalente funcional.
Mas aqui também não há crise, embora o nosso estoque de "infelicidade constitucional" tenha atingido o limiar crítico de uma possível "depressão constitucional". Nosso dilema envolve a possibilidade de estabilidade ou equilíbrio dinâmico, democrático, em meio a tensões e disfuncionalidades que precisam ser continuadamente combatidas e corrigidas pela corte e que também a contaminam.
Difícil discernir o que na arbitragem do STF é produto do colossal "overload", do desenho institucional e das individualidades. O balanço de acertos e erros ainda é positivo, mas o risco é permanente.
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Marcus Melo é professor da UFPE
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