É certo que reclamações devem ser registradas nos bancos de dados. O risco está no direito à supressão
A revolução da microeletrônica escancarou as portas para o mundo digital, e daí começaram a se desdobrar, num processo que parece sem fim, mudanças profundas no sistema produtivo e nas comunicações, com impactos nunca vistos, em tão curto espaço de tempo, na vida das pessoas, das empresas e dos governos. Há choques disruptivos em muitos negócios, com o surgimento de atividade novas e o desaparecimento ou mudanças radicais em antigos.
Nisso tudo, a privacidade ficou fragilizada: bancos de dados públicos e privados podem ser, e são, invadidos por criminosos. Mas ações lícitas do jornalismo profissional, por exemplo, que tem papel social chave na apuração e filtragem de informações, também foram facilitadas pela existência desses bancos de dados, explorados por ferramentas de pesquisa cada vez mais eficazes.
Aconteceu, era previsível, forte reação em sentido contrário. Na Europa, o principal alvo tem sido a Google, a mais usada ferramenta de pesquisa: à parte questões concorrenciais, ações foram instauradas para que informações consideradas invasivas da privacidade sejam eliminadas dos arquivos digitalizados. Na esfera do Judiciário da União Europeia, cristaliza-se o conceito do “direito ao esquecimento”, enquanto na Justiça francesa, por exemplo, tramitam reclamações contra a Google que podem forçar a empresa a impedir o acesso a dados não só na Europa, mas em todo o mundo.
No Brasil, o Marco Civil da Internet trata do assunto — há quem considere que seja de maneira superficial — e existe pelo menos um projeto, do deputado Luiz Lauro Filho (PSB-SP), que incentiva o entendimento direto entre reclamante e meios de comunicação.
O assunto é sério, porque este é um claro choque entre direitos: o da privacidade com o do acesso à informação pela sociedade e o da liberdade de imprensa. Esta, embora também garantida pela Constituição, tem enfrentado obstáculos na primeira instância do Judiciário, que tem agido, em diversos casos, no papel de agente de censura prévia, como se ainda estivéssemos na ditadura militar.
Mas é reconfortante que o Supremo, quando convocado a se pronunciar, tenha reafirmado o direito constitucional às liberdades de imprensa e de expressão. E, no caso lapidar das biografias, assentado que há histórias privadas que devem ser conhecidas pela sociedade. Contribuem para sua formação.
Eis um ponto-chave a partir do qual deve-se examinar o “direito ao esquecimento”. É certo que reclamações de pessoas que se sintam atingidas por qualquer informação devem ser registradas nos bancos de dados. O risco está no equivocado direito à supressão. Pois há muitos fatos que só ganham importância dentro de uma perspectiva histórica. Não é possível garantir que a informação deletada hoje não venha a ser elucidativa amanhã. Melhor prevenir erros e mantê-las todas. Mesmo sob certas salvaguardas.
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