- O Estado de S.Paulo
Sensibilidade maior na política do que nos mercados
Sempre ouvimos dizer que os mercados “escutam” as manifestações das agências de risco e os alertas nelas contidos. Mas não foi bem isso que aconteceu depois do rebaixamento da nota de crédito da dívida do Brasil pela Standard & Poor's (S&P), considerada a mais técnica das agências. Pelo menos nos primeiros momentos. Nem mesmo o reconhecimento da S&P de que dificilmente vai sair a reforma da Previdência, alardeada como prioridade zero para investidores e setores empresariais, conseguiu abalar os mercados. O dólar continuou sua marcha descendente e a Bolsa de Valores andou de lado, no pregão da sexta-feira. Em contrapartida, o front político acusou o golpe do rebaixamento do Brasil.
Explicações para essa aparente “distorção” não faltam. No caso dos mercados, há o argumento de que um terceiro fator está atuando sobre o ânimo dos investidores, a ponto de minimizar ou anular o impacto de decisões como essa, normalmente tidas como sinal de forte risco. Nesse caso, dizem alguns analistas, a perspectiva de condenação de Lula na segunda instância e seus desdobramentos sobre o quadro eleitoral teriam encoberto a notícia do rebaixamento. Vá lá que seja. A conferir se o argumento valerá também para os próximos dias.
Mercados sobem e descem, vão e vêm conforme vários humores. Começam o dia “nervosos”, voltam do almoço mais “animados” e fecham o dia “tranquilos”. Ou o contrário. E às vezes até se “arrependem” de suas avaliações, mudando de rumo nas sessões seguintes. Tem mais: quando não encontram justificativas mais concretas para a “indiferença” dos investidores, recorrem a uma outra: a decisão já estava precificada, no jargão do setor. E assim a nave vai.
Se o dia seguinte do rebaixamento não trouxe os estragos esperados no comportamento dos mercados -- afinal de contas, ainda há fartura de recursos circulando pelo mundo e ganhos generosos para quem aporta no Brasil --, na base parlamentar de Temer, dividida pelos interesses eleitorais, o clima esquentou. Todos se apegando à demora na reforma da Previdência e cada lado jogando sobre o outro a responsabilidade por esse atraso. Foi a resistência do Congresso, acusa o ministro Henrique Meirelles. Foi o impacto das denúncias contra Temer, rebate o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Seja por acreditarem de fato nessa hipótese, seja por necessidade de criar um fato positivo, analistas dão passagem ao discurso de que o rebaixamento pode ser a alavanca que faltava para empurrar para frente a reforma da Previdência. Nas versões conspiratórias, que prosperam em tempos difíceis, há até quem levante a hipótese de que, nos bastidores do Planalto, a redução da nota do País foi discretamente festejada, por favorecer o andamento da reforma.
Não há como negar, de todo modo, o potencial político da decisão da S&P -- ainda mais que, tudo indica, as outras agências de risco seguirão na mesma linha. Por dever de ofício, em suas falas depois do rebaixamento, Meirelles tenta circunscrever essa decisão aos seus limites técnicos e destaca que, no devido momento, a agência acabará reconhecendo o que o governo está fazendo para recuperar a economia. Mas sempre é bom lembrar que foi durante sua gestão no Banco Central do governo Lula que o Brasil conquistou grau de investimento. E, nesse caso, não houve grande preocupação de evitar um clima de quase euforia com a entrada do País no clube dos países de primeira linha para investidores.
Junte-se a isso um momento de extrema polarização política e está fechado o quadro. Para o conjunto da população, que desconhece as nuances da classificação dos títulos, a promoção ou o rebaixamento da nota de um país é vista como prova de que a economia vai bem ou vai mal. Simples assim. No caso do Brasil, portanto, a decisão da S&P ganhou ainda mais destaque, embora estivesse há bom tempo no radar dos mercados, porque o governo vinha enfatizando a melhora da economia -- com a menor inflação em 20 anos, a volta do PIB ao azul, algum alívio no desemprego e até o cumprimento da meta fiscal. Nada mais natural que agora surja aquela pergunta, por mais ingênua que possa parecer aos especialistas: afinal, se a economia brasileira estava indo bem, por que foi rebaixada?
É claro que esse impacto inicial da decisão da S&P tende a se esvaziar. Especialmente se os mercados continuarem voltados para o futuro eleitoral de Lula e esquecerem da agenda de Temer para 2018. Mas é claro também que, nessa série de terror em que se transformou a política brasileira, logo poderão aparecer outros perigos para assustar todos. Os mercados, as empresas, os com emprego e os sem emprego. O rebaixamento tende a ser só mais um episódio nessa interminável temporada, com roteiro totalmente aberto e desfecho ainda sem “spoiler”.
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