Fernando Henrique e Sergio Fausto publicaram dois bons artigos hoje (03/06/2018), em O Globo e O Estado de São Paulo, alertando para o perigo - para a democracia - das saídas autoritárias ou caudilhescas. São artigos assustados com o movimento caminhoneiro e a adesão a Bolsonaro. Mas o alerta está correto. FHC diz que "a perda de confiança nas instituições é um incentivo ao autoritarismo". Fausto observa que a Lava Jato teve como "efeito colateral negativo: a disseminação de visões radicalmente depreciativas sobre o Brasil e sobre a política". Mas ambos parecem continuar defendendo o binômio instituições-lideranças (velha fórmula do PSDB, ou dos social-democratas - que, na verdade, são estatal-democratas - para resolver tudo). Ocorre que não é mais assim que as coisas funcionam.
Fausto até chama a atenção para o fato de que "não é hora de lamentar a falta de “grandes políticos” ou de aderir ao exercício estéril de “falar mal do Brasil”. Não temos outro país para chamar de nosso. Chegou o momento de construir um pacto pela ordem democrática para conter o risco da aventura autoritária". E Fernando Henrique prega que "é preciso criar um clima que permita convergência. E, uma vez no caminho e no exercício do poder, quem represente este “bloco” [democrático e reformista, que, por alguma razão boba, ele chama de "progressista"] precisará ter a sensibilidade necessária para unir os que dele se aproximam e afastar o risco maior: o do populismo, principalmente quando já vem abertamente revestido de um formato autoritário" [leia-se: Bolsonaro ou até, talvez, Ciro].
Ora, nas circunstâncias atuais, um "bloco", ou uma "frente", ou uma "aliança", ou um "polo" - com programa mínimo de reformas e inarredável cláusula democrática - dificilmente encontrará um ator político capaz de encarná-lo. Não há, pelo menos até agora (e dificilmente haverá) um nome no campo democrático capaz de sintetizar tudo isso, com energia política para contagiar o eleitorado. E mesmo que houvesse, os procuradores da Lava Jato, em aliança com juízes politizados do STF, arrumariam um jeito de lançar sobre ele alguma suspeita de corrupção. Em termos estritamente jurídicos, não vai colar, é claro. Mas o estrago estará feito (e, como são restauracionistas, os instrumentalizadores políticos da Lava Jato, querem jogar tudo no chão para começar do zero: com quem eles não dizem, porque não sabem e porque são irresponsáveis). Os candidatos com cheiro de novo (como Amoedo ou Rocha) mal conseguem chegar a 1% das intenções de voto. Álvaro Dias - um oportunista clássico - não inspira confiança (e suas declarações durante o locaute dos empresários de transporte, comprometeram-no mais ainda aos olhos dos que têm dois neurônios funcionando).
Instituições + lideranças é uma equação ultrapassada pelos fatos. Porque o problema das instituições não é apenas que elas foram aparelhadas e degeneradas e sim que elas ficaram defasadas em relação às novas formas de agenciamento da sociedade. Perderam credibilidade não porque não funcionaram e sim porque funcionaram (do jeito como funcionaram). E porque o problema das lideranças não é propriamente a falta de um nome com alta gravitatem (o último que tinha isso está preso em regime fechado e não pode concorrer) e sim que, numa sociedade cada vez mais em rede, exige-se multiliderança (emergente e móvel) e não monoliderança (fixa e congelada).
A conclusão é que é necessário criar condições para que muitas lideranças surjam, numa espécie de ecologia de diferenças coligadas e não buscar consensos em torno de um nome que represente a todos. É próprio da monoliderança, para se tornar permanente, congelar e prorrogar a configuração passada que permitiu a sua emergência para fazer do futuro repetição de passado (é quando o estádio de Vila Euclides de 1979, vai parar no Palácio do Planalto de 2003 a 2015 e, depois, na cadeia da Polícia Federal em Curitiba em 2018). Para fazer isso, o velho líder costuma matar as lideranças que surgem junto com ele, para não lhe fazer sombra e, sobretudo, para não sucedê-lo. Fernando Henrique, ao contrário de Lula, teve a grandeza e a visão democrática de não se comportar dessa forma. Mas seu tempo passou.
Precisamos de novas instituições e novas lideranças (mas não uma liderança providencial e sim muitas). Volto à mesma tecla: consenso entre diferentes não vamos alcançar, precisamos de uma ecologia de lideranças (diferentes) coligadas. Nada de luta para matar aliados (sim, pois é disso que se trata: competição selvagem para ver quem fica no topo). Novas instituições também não podem ser feitas em laboratórios, escritórios ou comitês de campanha: elas brotarão de um novo padrão de relação entre Estado e sociedade: não é pra hoje.
Chegamos então à seguinte situação. O que precisa ser feito, não pode ser feito em tempo hábil. Mas os democratas não podem, enquanto isso, ficar inermes. Há algo mais grave a evitar antes de poder oferecer um caminho seguro à população. As duas coisas não podem ser feitas ao mesmo tempo. O tal "polo" democrático e reformista, pode ter o melhor programa da galáxia, mas isso, por si só, não terá incidência sobre a conjuntura pré-eleitoral ou eleitoral. O pólo deve chamar todos os democratas e pessoas de bem a agir, por todos os meios legais e legítimos, para impedir a volta do PT ao poder (com um candidato próprio ou através do estatista insuportável Ciro Gomes) e a vitória de Bolsonaro (e - muita atenção, porque isso não é de menor importância - o crescimento do bolsonarismo no Brasil profundo, sobretudo nas novas elites econômicas do interior). Ou será um polo contra os populismos (o neopopulismo lulopetista, o nacionalismo retrógrado cirista e o populismo-autoritário bolsonarista), ou não terá efeito político.
Claro que esse polo precisa apostar num candidato, quando for a hora, mas não agora: se se alinhar em torno de um nome, afastará as demais lideranças que poderiam compor o campo democrático. Isso significa que todas as lideranças capazes de ser atraídas para esse polo devem bater na mesma tecla, ad nauseam, chamando a atenção do país para os perigos de todos os populismos em cena. E devem fazer um pacto de não-agressão ou de não destruição mútua.
Dessa constelação de atores políticos devem fazer parte outros atores políticos que já são candidatos (Amoedo, Rocha, Meirelles, Paulo Rabello e até mesmo Álvaro Dias e, se tiver o juízo de se livrar do esquerdismo, Marina Silva), que não são (ou não são ainda) candidatos (como Roberto Freire, Fernando Gabeira, Eduardo Jorge e outras personalidades do mundo político, de organizações sociais e empresariais e lideranças em qualquer campo, nacionais, regionais e locais). Movimentos de rua (não-bolsonaristas, não-olavistas e não-intervencionistas) que convocaram o impeachment de Dilma - como o Vem Pra Rua e o MBL - devem ser ativos atores na iniciativa.
O lançamento do manifesto Por um polo democrático e reformista (previsto para o dia 5 de junho) não pode ser apenas um lançamento (muito menos em Brasília): deve ser multiplicado por mil lançamentos, de Norte a Sul, em todos os municípios que polarizam regiões e microrregiões do país, constituindo um movimento vigoroso. A agenda tem de ser feita agora. Tem de ser um movimento, tem de filiar pessoas (como se fosse uma campanha de filiação de um partido). Além do blá-blá-blá eleitoral, o centro político desses atos deve ser bem definido e pode ser resumido em um parágrafo. O Brasil está diante de um perigo maior e correndo sério risco. É dever de todos os brasileiros barrar a volta ou a ascensão dos populismos. Os populismos de esquerda e de direita devem ser identificados com a velha política da qual a população quer se livrar. Eis o ponto.
Claro que ninguém pode ter certeza de se isso dará certo. Mas podemos ter a certeza de que, se não der, nós, os democratas e os amantes da liberdade, podemos nos preparar para, pelo menos, uma década de guerra civil fria pela frente. Viraremos sobreviventes-resistentes, arrastando-nos nas sombras ou jogados com as mãos amarradas nas costas nas carrocerias dos caminhões que trafegarão céleres de volta ao século 20.
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