O apoio popular à greve dos caminhoneiros, particularmente à demanda por redução do preço do óleo diesel – o que necessariamente tem de ser bancado com recursos do Estado, por meio de subsídio –, mostra a persistência de uma mentalidade estatista em grande parte da sociedade brasileira.
Por mentalidade estatista entenda-se a presunção de que o Estado tem de ter a capacidade de oferecer tudo a todos, como se os recursos à sua disposição fossem infinitos. A Constituição de 1988 reflete claramente essa visão, pois, a título de restabelecer direitos sociais depois da ditadura militar, onerou o Estado de tal maneira que hoje a única solução para manter sua solvência é por meio de profundas reformas constitucionais – das quais muito pouca gente quer ouvir falar.
Têm prevalecido até aqui, às vezes com mais vigor, como agora, os interesses das corporações e dos grupos organizados da sociedade, sempre em detrimento da maioria desorganizada – que tem sido incapaz de perceber o quanto tal estado de coisas lhe custa. É como se o dinheiro administrado pelo Estado, fruto da arrecadação de impostos de todos os brasileiros, não fosse público, mas sim do governo – que, conforme esse raciocínio, distribui os recursos segundo critérios misteriosos, incompreensíveis ou, quase sempre, suspeitos. Nesse contexto, a muitos cidadãos, para os quais a política é uma atividade insondável e distante – quando não intrinsecamente corrupta –, não parece restar alternativa senão esperar que o governo também lhes premie com alguma benesse, quando o certo seria inteirar-se de como o dinheiro público é arrecadado e distribuído para, assim, ter condições de opinar sobre sua melhor destinação. Se o vigor de uma democracia se mede, entre outras coisas, pela capacidade que a sociedade tem de determinar como o Orçamento público é gerenciado, então vai mesmo mal a democracia brasileira.
Não se constrói esse estado de coisas da noite para o dia. Trata-se de um longo processo de controle da política por grupos de interesse muito distantes dos cidadãos comuns, para os quais somente os privilegiados e os corruptos parecem ter acesso garantido aos recursos estatais. Não à toa, há uma sensação generalizada de descrença na política – sendo que o vigor do populismo, à esquerda e à direita, é seu natural corolário.
Assim, a mentalidade estatista – a dependência desmedida do Estado e de seus agentes – que hoje parece predominar no País não resulta apenas, nem principalmente, de ignorância, mas sim da sensação de que os recursos estatais foram monopolizados por uma corte de corruptos e parasitas, restando ao cidadão comum esperar que lhe caiba ao menos alguma migalha – na forma, por exemplo, de subsídios e dos chamados “direitos sociais”.
Recorde-se que, nos grandes protestos de 2013, se reivindicava o barateamento da tarifa de ônibus, e, ao mesmo tempo, exigiam-se serviços públicos “padrão Fifa” – em alusão à excelência dos serviços da Copa do Mundo que se avizinhava. Pouco adiantou argumentar que o subsídio para manter baixa a tarifa tiraria recursos de outros setores, tornando o atendimento estatal ainda mais precário. Passados cinco anos, tal situação persiste: a Prefeitura de São Paulo, por exemplo, anunciou que o subsídio da tarifa de ônibus – sem o qual a passagem saltaria de R$ 4,00 para R$ 6,66 – aumentará para R$ 2 bilhões e sacrificará outras áreas, como zeladoria. É provável que o paulistano que hoje exige preço baixo para a tarifa de ônibus acabe mais tarde se queixando das ruas sujas e esburacadas, como se uma coisa nada tivesse a ver com outra.
Mas muitos cidadãos têm dificuldade de enxergar essa relação porque, para eles, o dinheiro existe sim – dá em árvores e só não aparece porque é roubado por políticos corruptos ou engorda funcionários públicos privilegiados. E como condenar tal opinião, quando a Câmara Municipal de São Paulo, no momento em que se apertam os cintos, resolve dar gratificação de até R$ 16 mil para servidores daquela Casa? Ao ver funcionários municipais ganhando até R$ 40 mil de salário, muito acima do teto constitucional do funcionalismo e a despeito da crise, o contribuinte dificilmente deixará de concluir que os governantes que pedem mais sacrifícios ao povo só podem estar de brincadeira.
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