- Folha de S. Paulo
Fim do auxílio-moradia jamais poderia se vincular ao aumento salarial
O juiz deve olhar só para o processo ou também para suas repercussões? Ambas as concepções de justiça são defensáveis em teoria.
Para intérpretes do direito mais afeitos às ideias kantianas, o que importa é fazer justiça. Se o queixoso que pede uma indenização bilionária ao governo tem razão em seu pleito, deve ser atendido ainda que isso leve o país à bancarrota. “Fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), escreveu o filósofo alemão.
Para as correntes que bebem do consequencialismo, não há como deixar de considerar também os resultados das decisões, em especial quando têm impacto para além das partes diretamente envolvidas.
Nesse estimulante embate teórico, a cúpula do Judiciário brasileiro fica com o cinismo mesmo. A posição do presidente do STF, Dias Toffoli, em relação ao reajuste salarial para carreiras jurídicas não pode ser descrita nem como kantiana nem como consequencialista.
No paradigma deontológico, jamais se poderia vincular, como fez Toffoli, o fim do auxílio-moradia ao aumento salarial. Ou o penduricalho habitacional generosamente distribuído a juízes é legal e justo, hipótese em que deveria ser mantido, ou não é, situação em que deveria ser extinto independentemente de compensações financeiras.
Isso significa que o Supremo abraçou gostosamente o consequencialismo? Não tão rápido. É verdade que Toffoli parece estar olhando para o quadro geral, mas com uma visão para lá de míope. Não dá para acreditar que ele acredite mesmo que a medida não gera despesa.
No mundo em que vivemos, existe o formidável efeito cascata, que faz com que o aumento dado a ministros da corte máxima, rapidamente se espalhe por todas as instâncias do Judiciário, ministérios públicos, defensorias e também para servidores de outros Poderes que estejam no abate-teto. Técnicos de melhor visão estimam o impacto em R$ 4 bilhões ao ano ou mais.
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