- Valor Econômico
Nove entre dez analistas estimam que a economia mundial entrou em uma espiral de desaceleração
Não é róseo o panorama econômico mundial desenhado para os próximos anos por analistas de diversas entidades multilaterais, acadêmicos, bancos e think tankers. Há quem fale em 'tempestade perfeita' ao referir-se aos prognósticos traçados para o médio prazo. Estaríamos na iminência de uma nova crise, nos moldes da que varreu o mundo em 2008?
Um rápido levantamento das opiniões que circulam no meio econômico internacional mostra que sim, o pessimismo tomou conta dos textos analíticos a partir da suposição de que a "guerra comercial", deflagrada entre os Estados Unidos e a China, tende a agravar-se. Como decorrência, nove entre dez analistas estimam que a economia mundial entrou em uma espiral de desaceleração.
O Fed (Federal Reserve Board) - o banco central dos Estados Unidos - prevê uma acentuada desaceleração na taxa de crescimento americana a partir da robusta taxa de 3,1% de expansão para este ano. Segundo tabela divulgada pelo Fomc (Federal Open Market Committee), o ritmo deve cair para 2,5% em 2019, para 2% em 2020, alcançando em 2021 crescimento de 1,8%. Se confirmada, representaria pouco mais da metade da taxa de variação do PIB deste ano. Seria uma queda e tanto em poupo tempo, com repercussão nos países que dependem da economia americana.
A incerteza é grande e isso está afetando a decisão dos investidores mundo afora. Ontem, a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris, anunciou as novas projeções para o comportamento do PIB de diversos países até 2020. Ao lado dos Estados Unidos, a China merece destaque, pois também tende a sofrer significativamente com os efeitos de um recrudescimento da disputa de tarifas e restrições não tarifárias. Do nível de 6,6% de aumento do PIB esperado para este ano, a taxa cairia para 6,3% no ano que vem, limitando-se em 2020 a 6%, um ritmo muito baixo para um país cheio de gente que ainda luta para ingressar no núcleo privilegiado dos países desenvolvidos.
De fato, os dados apresentados ontem pela OCDE são muito sintomáticos de um processo de rápida desaceleração econômica. Um dos mais expressivos refere-se à queda observada no movimento do transporte marítimo de containers, modalidade que representa hoje 80% do comércio mundial. A economista chefe da OCDE, Laurence Boone, enfatizou na entrevista coletiva de ontem o fato das mercadorias importadas pelos Estados Unidos da China, que em janeiro deste ano cresciam à taxa de 12,5%, terem caído agora para o ritmo de apenas 5% de expansão. O mundo, segundo a OCDE, deixou de transportar este ano cerca de 25 milhões de containers. O número equivale ao volume adicional da carga marítima, se o comércio tivesse repetido em 2018 o mesmo ritmo de expansão de 2017.
Mas os problemas com o comércio mundial não são o único vilão a contribuir para a tendência da desaceleração mundial. "Existe uma acumulação de riscos no horizonte", comentou Boone, citando em segundo lugar o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos pelo efeito nocivo sobre os países em desenvolvimento, além dos desequilíbrios econômicos da China; do preço do petróleo; dos preços inflados dos ativos financeiros e dos fatores políticos, algo que a OCDE não quis aprofundar, mas que certamente é hoje a principal contribuição para o aumento do risco econômico pela via das incertezas crescentes. Basta seguir os twitters do presidente Donald Trump, as trapalhadas do governo britânico com relação ao Brexit, a incerteza sobre o partido que comandará a Alemanha em três anos e as dificuldades da Itália, para ficarmos nos mais relevantes.
Para a OCDE, a combinação entre maiores aumentos de tarifa no comércio entre os Estados Unidos e a China, taxas mais altas dos juros americana e preços mais elevados do petróleo (sem considerar o efeito das incertezas relacionadas ao comércio e nem o menor crescimento previsto para a China) seria responsável por uma redução de 0,6% no crescimento do PIB mundial em 2020. A China é apontada como mais afetada pelos três fatores combinados, com perda de 1,17%, em dois anos.
Os próprios Estados Unidos seriam prejudicados com um PIB menor em 0,83% do que o projetado para 2020. Outros países também sofreriam, como a Índia, com perda potencial da ordem de 0,82% no ritmo do PIB, e o Brasil, que sofreria uma erosão de 0,79% na evolução do PIB até 2020.
A disputa pelo comércio mundial e as idiossincrasias políticas que a envolve têm camuflado uma realidade mais preocupante a médio e longo prazos. Trata-se da discrepância observada entre a baixa taxa de desemprego registrada nos Estados Unidos e na Europa, em especial, e o nível de salários, que se mantêm demasiadamente reduzidos em comparação com épocas em que alto nível de emprego era sinônimo de demanda por mão de obra e maiores salários.
Ela resulta da falta de qualificação geral dos trabalhadores em uma etapa do desenvolvimento onde predominam cada vez mais os avanços tecnológicos e digital. Esse fenômeno novo tem sérias implicações no potencial de crescimento do consumo, normalmente movido pelo aumento da remuneração dos trabalhadores em geral e/ou pelo endividamento. Também ajuda a desaceleração da taxa de crescimento do PIB.
A OCDE apregoa a necessidade de um entendimento político entre os vários governos para estancar a guerra das tarifas e encontrar eventualmente novas fórmulas de regulação do comércio mundial. Ángel Guria, secretário-geral do organismo, chegou a indicar ontem que a próxima reunião do G-20, a realizar-se no final deste mês em Buenos Aires, seria um bom momento para uma tentativa de conversar sobre o assunto. Suspeita-se de uma dose desproporcional de otimismo na proposta de Guria, haja vista os acontecimentos recentes envolvendo líderes de alguns países durante as comemorações, em Paris, dos cem anos da Primeira Grande Guerra.
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