- O Globo
O presidente eleito resolveu ignorar os partidos e negociar diretamente com as bancadas temáticas do Congresso. A questão é saber se conseguirá governar desse jeito
O presidente eleito adotou uma estratégia ousada na montagem do novo governo. Ele resolveu ignorar os partidos e negociar diretamente com as bancadas temáticas do Congresso. Foi assim que os deputados da frente ruralista escolheram a ministra da Agricultura. Quando alguém se lembrou de avisar a cúpula do DEM, ela já havia topado o convite.
O método parece coerente com o discurso da campanha. Jair Bolsonaro prometeu a seus eleitores que mudaria a velha lógica do loteamento de cargos. Ele chegou lá sem o apoio de nenhum grande partido. A questão é saber se conseguirá governar da mesma forma.
“Na vida real, não há hipótese de isso dar certo”, diz o analista Antonio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Todo governo precisa negociar com os partidos. É assim que o sistema funciona”, afirma.
As principais decisões do Congresso passam pelos líderes partidários. Eles negociam a pauta, encaminham as votações e escolhem os relatores dos projetos. Isso faz com que um pequeno grupo de parlamentares se sobressaia entre 513 deputados e 81 senadores.
Bolsonaro nunca foi aceito neste clube. Sempre pertenceu ao chamado baixo clero, que costumava ser desprezado pelo Planalto. Ele já deixou claro que prefere negociar com a turma no varejo. Terá dificuldade quando precisar de apoio para projetos impopulares, especialmente na área econômica.
Ninguém duvida do poder da bancada evangélica para tratorar pautas de comportamento. No entanto, é improvável que a frente ajude o governo a aprovar uma reforma tributária. A bancada da bala pode juntar forças contra o Estatuto do Desarmamento, mas nunca se unirá para mudar as regras de aposentadoria.
A aposta de Bolsonaro contra os partidos embute outra contradição. O presidente eleito promete acabar com o balcão de negócios, mas dá mais poder a bancadas que fazem lobby aberto em seus setores. A nova ministra da Agricultura se empenhou tanto pela liberação da venda de agrotóxicos que ganhou o apelido de “Musa do Veneno”. O novo titular da Saúde, também indicado por uma frente temática, foi dirigente de uma das maiores seguradoras do país.
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