'Somente Trump pode salvar o Ocidente', escreveu Ernesto Henrique Fraga Araújo, escolhido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Em um artigo para uma revista do Itamaraty, publicado no segundo semestre de 2017, Araújo enxerga muitas virtudes no presidente americano que está aos poucos demolindo a ordem internacional que os próprios Estados Unidos construíram desde a Segunda Guerra. "Ele propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal", e "mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente". Se os atos precedem as palavras, é difícil não enxergar uma guinada na diplomacia brasileira em direção ao alinhamento firme com os EUA, um passo que sequer a ditadura militar deu, mesmo ao se aliar a Washington em sua luta contra o comunismo.
Os EUA são uma economia aberta, estimulada por um regime aberto de concorrência e por empresas que, em vários setores, detêm o estado da arte da tecnologia e, em muitos casos, seu monopólio. O Brasil é uma economia extremamente fechada, com baixo nível de concorrência, tecnologicamente atrasado, que viveu de costas para o mundo até agora. Donald Trump, líder de uma nação que prosperou com a liberdade comercial que ajudou a espalhar pelos quatro cantos do planeta, veio para fazer a roda da história girar ao contrário, ressuscitando o protecionismo, destruindo acordos comerciais e políticos e declarando guerras tarifárias.
Os governos que precederam Trump, com mais ou menos vigor, impulsionaram a globalização financeira, comercial e produtiva, que Trump agora acredita serem nocivas aos interesses americanos, por motivos que talvez só ele saiba. Uma maior aproximação econômica com os Estados Unidos, o segundo parceiro comercial do Brasil, pode ser benéfica. O alinhamento político com Trump, porém, traria ao país todos os problemas que o presidente americano enfrenta, sem que o Brasil tenha um mínimo de poder ou capacidade para enfrentá-los. A amostra das primeiras investidas externas de Bolsonaro - transferência da embaixada em Israel para Jerusalém, alfinetadas na China e sugestões de sair do Acordo de Paris - foram recebidas com assombro em várias chancelarias ao redor do mundo.
O futuro ministro das Relações Exteriores também é um inimigo do que chama "globalismo", uma criação do marxismo cultural, definição ampla que abarcaria Bill Clinton, Barack Obama, a turma ortodoxa da Universidade de Chicago e muito mais. Araújo aponta que no centro do pensamento de Trump está "não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus".
Trump, continua Araújo, "parece ter hoje uma visão de mundo que ultrapassa em muitas léguas, em profundidade e extensão, as visões da elite hiperintelectualizada e cosmopolita que o despreza", sublinha, com uma convicção não partilhada pelo ex-secretário do Departamento de Estado americano, Rex Tillerson, que, menos sofisticado, achava que seu chefe era simplesmente "um idiota".
Não é tarefa fácil captar a profundidade da visão de Trump. Para o futuro ministro, ela é "mais geopsíquica ou psicopolítica do que qualquer outra coisa". Ele é uma figura heróica que cumpre, com sua narrativa, uma "terapia civilizacional", de cunho junguiano, para se reencontrar com um "inconsciente coletivo abandonado, sufocado sob os golpes do liberalismo tecnocrático e do politicamente correto", raciocina Araújo.
A Revolução Francesa foi a mãe de todos os despotismos e não há "valores universais" - só existem valores dentro de uma nação. O legado do Ocidente foi preservado só pelos EUA, pelo poder das armas e da política, mas também pela "vida do espírito", a fé cristã, escreve. É mais por essa fé do que pela ciência política ou pelas relações internacionais que se pode entender a luta "titânica" e "romântica" de Donald Trump. A conclusão é que "somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação".
Teorias extravagantes como essa, que põem por terra a tradição diplomática brasileira, podem originar ações desastradas com um custo muito alto para o país. A experiência de Araújo como embaixador poderá ser útil ao país desde que ele não coloque em prática o que diz acreditar. Agora como chefe do Itamaraty, terá a enorme responsabilidade de formular uma política externa e o que se pode esperar é que ele deixe para trás as idiossincrasias de um artigo do passado.
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