- Folha de S. Paulo
Bolsonaro precisa escolher entre eles?
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, perdeu uma oportunidade de ouro para definir prioridades na relação com a China ao não aceitar o convite de Michel Temer para acompanhá-lo à cúpula do G20 na próxima semana em Buenos Aires. É compreensível que Bolsonaro não vá, pelo incômodo que causa a bolsa de colostomia que tem que carregar.
Mas, se pudesse ir, testemunharia ao vivo e em cores o previsível choque de trens entre Donald Trump e Xi Jinping em torno da guerra comercial em curso. O anunciado encontro entre os dois mandatários é o grande assunto do G20.
É pouco provável, no entanto, que haja um desenlace qualquer nesse tipo de reunião, por mais que Trump seja tão imprevisível e instável que, de repente, abraça e beija Xi e dá a guerra por encerrada, claro que com vitória dos EUA.
O mais lógico, no entanto, é que a disputa continue e force o governo Bolsonaro a definir-se. Por enquanto, o que se tem é uma frase de Bolsonaro crítica à China: “A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil”.
Não é bem verdade, mas, de fato, a China investiu mais de US$ 20 bilhões (R$ 75 bilhões) no Brasil entre 2016 e 2017. Em contrapartida, é, desde 2009, o mais importante parceiro comercial do país, tendo importado em torno de US$ 47 bilhões neste ano (R$ 178 bi), mais do que o dobro do que os EUA compraram no Brasil.
“O investimento da China e o comércio são cruciais para manter a economia brasileira à tona”, escreve para Americas Quarterly Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na FGV-SP.
É razoável supor que o vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, tenha esses dados na cabeça porque, em entrevista ao Financial Times, desqualificou a retórica do seu superior hierárquico: “Às vezes, o presidente tem uma retórica que não combina com a realidade. A China não está comprando o Brasil porque ninguém pode comprar o Brasil”.
Mourão defende a tradição pragmática da política externa brasileira e sugere manter o equilíbrio no que toca à relação com a China.
É o mais sensato a fazer, até porque China e EUA são os dois mais importantes parceiros comerciais do Brasil. Não faz sentido alinhar-se incondicionalmente a um ou ao outro.
Que se mantenham as melhores relações com os Estados Unidos é inevitável. Não seria, aliás, nada mais do que uma continuidade do que ocorreu desde o governo Fernando Henrique Cardoso, salvo um breve intervalo quando se revelou o grampo no telefone da então presidente Dilma Rousseff.
Mais complicado é definir o relacionamento com a China. A guerra comercial entre chineses e americanos é apenas a parte mais visível de uma disputa pela liderança global.
O New York Times publicou nesta quarta-feira (21) amplo levantamento sobre a chamada “Belt and Road Initiative”, plano chinês para criar vasta rede de comércio, investimento e infraestrutura “que remodelará laços financeiros e geopolíticos —e trará o resto do mundo para mais perto de Pequim”.
O Brasil necessita desesperadamente de investimento em infraestrutura e de vender ainda mais à China (e a outros países, claro). O problema é saber quão perto quer ficar de Pequim e se essa proximidade o afastará de Washington.
Não é jogo para amadores.
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