- O Globo
Quedas sucessivas da Selic estão chegando na ponta em várias linhas e transformando o mercado de crédito. Isso vai estimular a recuperação
Algumas boas notícias começam a surgir no mercado de crédito como reflexo da queda consistente da taxa de juros, que ontem foi para 5%. A Selic tem ido a níveis historicamente baixos há algum tempo, mas agora as previsões dos economistas começam a apontar a possibilidade de uma taxa de juros básica abaixo de 4% no ano que vem. A oferta de crédito está aumentando, os spreads estão caindo, e o mercado privado tem assumido mais espaço, antes dominado por bancos públicos.
Esse novo cenário do crédito começou a se formar através da sucessão de quedas da Selic, que começou no governo anterior. De janeiro de 2018 até setembro de 2019, nesse um ano e nove meses, o saldo do crédito para a pessoa jurídica aumentou 18%, e para a pessoa física, subiu 22%. Os juros médios caíram 4,6 pontos percentuais nas linhas para as empresas e 4,5 pontos para as pessoas físicas. De lá para cá, a Selic caiu de 7% para 5%. Os juros ainda permanecem altíssimos na ponta, principalmente nas linhas do chamado hotmoney, como cheque especial e cartão de crédito, mas já houve um ciclo de melhora. As taxas médias cobradas nas operações com as empresas foram de 22,4% para 17,8%, e as das pessoas físicas foram de 55,8% para 51,3%.
Há outros eventos no mercado, como o contado aqui neste espaço pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, em que o crédito rural este ano está em grande parte coberto por linhas de bancos privados, e menos dependente do Plano Safra. Empresas têm emitido debêntures no mercado privado para captar recursos e pagar antecipadamente dívidas contraídas no BNDES. Os juros à época subsidiados estão agora mais altos do que os custos com os quais as empresas estão se financiando.
O grande impacto, contudo, da queda da Selic, é no custo da dívida pública, que chegou a ser de quase 9% do PIB nos 12 meses terminados em janeiro de 2016. Agora, está indo para abaixo de 5%. Se estivesse pagando o custo daquela época, a despesa extra seria de quase R$ 300 bilhões por ano. Essa redução leva a uma diminuição do déficit nominal e facilitará o ajuste nas contas públicas, porque a economia necessária para se estabilizar a dívida será menor.
No comunicado da redução da Selic para 5%, ontem, o Banco Central indicou que haverá uma nova redução de meio ponto, na próxima reunião, em dezembro, caso as condições das economias brasileira e internacional permaneçam as mesmas. Foi o que ele quis dizer na parte em que “a consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva deverá permitir um ajuste adicional, de igual magnitude.” Dessa forma, a Selic cairá para pelo menos 4,5% no ano que vem e há economistas apostando em novas reduções.
Na visão do Banco Central, a recuperação da economia continuará em “ritmo gradual”, em outras palavras, isso significa um passo lento. Por um lado, a aprovação da reforma da Previdência e outras medidas fiscais que devem ser apresentadas pelo governo melhoram a trajetória da dívida pública. Por outro, não há como negar que o baixo ritmo de recuperação favorece esse cenário de juros baixos e a inflação. A grande dúvida é o que acontecerá com os índices de preços quando a economia de fato passar a crescer mais fortemente.
A economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte, avalia que o cenário é benigno para a inflação e o Banco Central tem que aproveitar o momento para reduzir a taxa Selic. Mas ela vê com cautela a desvalorização do real sobre o dólar, que saiu de R$ 3,76 no final de julho e bateu em R$ 4,18 no mês passado. Mesmo com a aprovação da Previdência, permanece ao redor de R$ 4. Isso pode bater na inflação em um cenário de recuperação mais forte.
— Estamos com dólar em torno de R$ 4 há praticamente há 3 meses. Por enquanto, o efeito sobre a inflação está pequeno, porque a recuperação permanece fraca. Mas isso pode mudar em caso de aceleração da economia. Para cada 10% de aumento do dólar, o impacto sobre o IPCA fica em torno de 1 ponto em 12 meses — afirmou.
Ontem, o Fed reduziu a taxa de juros americanas para a faixa entre 1,5% e 1,75%, como esperado, mas indicou que fará uma pausa, depois de três cortes este ano, o que não estava no radar. Isso pode pressionar a cotação do real, porque o diferencial entre os juros brasileiros e os americanos será menor, o que fortalece a moeda americana.
A expectativa é que o Banco Central, se tiver que elevar os juros mais à frente, não volte com a Selic ao mesmo patamar em que estava antes. Esse ganho poderá ser permanente ao país.
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