O direcionamento de crédito é uma solução tolerável, mas deve ser transitória
O Banco Central se afastou dos dogmas liberais no mais recente pacote de crédito, anunciado na semana passada, ao estabelecer uma punição para as instituições financeiras que não sacarem recursos dos depósitos compulsórios para emprestarem para as micro, pequenas e médias empresas. É o tipo de ação pragmática compreensível numa crise sem precedentes como a atual. Mas será importante não perder a direção de longo prazo de reduzir gradualmente o sistema de crédito direcionado no país.
Depois de forte aumento em março, o crédito começou a perder fôlego a partir de abril. Segundo dados dessazonalizados do Banco Central, as concessões de empréstimos e financiamentos a pessoas jurídicas tiveram uma expansão de 29% em março, seguida de quedas de 22% em abril e de 6% em maio.
O crédito foi distribuído de forma desigual. As grandes empresas, que antes vinham se financiando no mercado de capitais e tinham linhas de crédito abertas com os bancos, saíram na frente e absorveram boa parte dos recursos disponíveis. As operações com empresas de menor porte também aumentaram, mas muito abaixo da demanda, gerando a sensação generalizada de falta de crédito para o segmento.
Em março, o estoque de crédito a pequenas empresas cresceu 9% ante fevereiro, enquanto que para empresas de menor porte avançou 1,8%. Já em abril a expansão perdeu fôlego, com incremento de 1,9% para grandes empresas e de 0,2% para as menores. Em maio, houve praticamente estagnação.
Os programas desenhados para as pequenas empresas tiveram resultados muito abaixo do esperado. O financiamento à folha de pagamentos, por exemplo, contratou apenas 10% dos R$ 40 bilhões colocados à disposição. Essa linha de crédito está sendo reformulada no Congresso, permitindo, entre outras coisas, que sejam acessadas por empresas de médio porte e a demissão de trabalhadores.
Para atenuar a severa restrição de crédito das empresas, o pacote anunciado pelo Banco Central na semana passada avança no direcionamento. Uma das medidas permite a liberação de R$ 55,8 bilhões em depósitos compulsórios de caderneta de poupança para o financiamento de capital de giro de empresas com faturamento de até R$ 50 milhões. Alternativamente, os bancos podem aplicar em Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE) de instituições financeiras de menor porte - que, espera-se, terão maior apetite para conceder crédito. Para forçar os bancos a, de fato, emprestarem, o Banco Central decidiu cortar a remuneração das instituições financeiras que não destinarem os recursos a crédito ou a DPGEs.
Com a medida, o Banco Central procura mudar a equação financeira dos bancos. Agora, eles devem pesar, de um lado, os riscos de inadimplência nos empréstimos a empresas de menor porte e, de outro, o custo financeiro da perda de remuneração dos depósitos compulsórios, que é igual ao rendimento da caderneta de poupança. Não se sabe, ao certo, como os bancos vão reagir. Talvez prefiram uma perda certa de remuneração de compulsórios à incerteza das taxas de inadimplência. De forma sensata, o arranjo criado pela autoridade monetária cria uma válvula de escape para os bancos que não querem correr riscos, ao permitir que eles apliquem em DPGEs.
Embora seja uma solução aceitável em alguns momentos, o crédito direcionado não está isento de custos. Ele representa uma distorção no mercado, que gera ineficiências, como subsídios cruzados. Ao fim, quem paga a conta são os próprios consumidores de serviços bancários, com juros mais altos em outras linhas e tarifas ou com a restrição de crédito. É por isso que o governo tem avançado, desde 2016, no projeto de redução do crédito direcionado na economia.
Do ponto de vista fiscal, a liberação de compulsórios para o crédito também não é isenta de custos. O Banco Central deverá retirar o excesso de liquidez injetado na economia, o que aumenta a dívida pública e os encargos financeiros da União.
O ideal seria que, num momento de incerteza extrema, como o atual, o Tesouro assumisse diretamente os riscos que não podem ser suportados pelo setor privado, com subsídios discutidos com o Congresso e explicitados no Orçamento. O direcionamento de crédito é uma solução tolerável no contexto atual, mas deve ser transitória, sem abandonar o projeto de longo prazo de ampliar o crédito contratado livremente nas condições de mercado.
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