Dinheiro
encontrado na cueca de vice-líder ridiculariza bazófia de Bolsonaro
A Lava
Jato acabou por falta de objeto, afirmou o presidente Jair Bolsonaro
em termos mais coloquiais. O raciocínio por trás da parolagem era simplista
como de hábito: seu governo teria extinguido a corrupção e, portanto, não
caberia mais operação para esse propósito.
Como
nas comédias, o tempo se encarregou de ridicularizar o canastrão. Nesta quarta
(14), uma semana depois de declamado o fim dos desvios, o então vice-líder do
Planalto no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi pego pela Polícia
Federal com dinheiro
na cueca
.Quando
deram com o achado, os investigadores cumpriam um mandado de busca e apreensão,
ordenado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, na
residência do senador em Boa Vista. A intervenção ocorreu para dar curso a uma
apuração sobre fraudes de verba federal para o combate à Covid-19.
Chico
Rodrigues diz que provará a inocência, mas foi desligado da vice-liderança do
governo —e afastado do Senado por decisão,
decerto polêmica, de Barroso. Já os vídeos em que aparece dando
mostras de sintonia com Bolsonaro despertam o interesse do público.
As
notas íntimas, ao calor do corpo, fazem lembrar do assessor do hoje deputado
federal José Guimarães (PT-CE) flagrado com US$ 100 mil, também na cueca, ao
tentar embarcar num voo em 2005.
Também
evocam a doleira da Lava Jato Nelma Kodama, que em 2014 tentou voar para a
Europa com 200 mil euros na calcinha —e as cenas de numerário homiziado na
cueca e na meia de aliados captadas nos vídeos que em 2009 escancararam
desmandos da gestão José Roberto Arruda, eleito pelo DEM.
Quando
o volume excede a capacidade do organismo, surgem as malas, como as encontradas
em 2017 com mais de R$ 50 milhões em apartamento do ex-ministro Geddel Viera
Lima (MDB) e, no mesmo ano, as endereçadas ao então senador Aécio Neves (PSDB)
pela JBS.
Não
é necessário ser psicanalista para intuir o que está por trás da bazófia de
Bolsonaro sobre o fim da corrupção. É o desejo de não ter seus novos e velhos
parceiros políticos —e sobretudo familiares do presidente— importunados por
procuradores, juízes e policiais.
A
realidade, porém, frustra as expectativas presidenciais, para o bem das
instituições republicanas. Os excessos cometidos na Lava Jato por aplicadores
do direito não apagam o colosso de corrupção detectado naquelas investigações.
A aproximação com o centrão tem o efeito elogiável de moderar o extremismo presidencial, mas não disfarça o interesse mútuo de manietar os órgãos de controle. Cabe à sociedade e aos guardiões da lei impedir que esse segundo e nefasto propósito da aliança prospere.
Renda
com foco – Opinião | Folha de S. Paulo
Desenho
de programa social deve começar pelo público-alvo, não pelos recursos
O
debate em torno de políticas governamentais no Brasil não raro se transforma
numa corrida por mais dinheiro, sem análise de viabilidade e consequências.
Ganha o político que propuser valores maiores, na premissa de que mais gastos
sempre serão populares.
O
padrão se repetiu até aqui no debate a respeito de um novo programa, o Renda
Cidadã, para substituir o auxílio emergencial a partir do próximo ano. O
presidente Jair Bolsonaro, com a reeleição em mente, sinaliza que não aceitará
nada menos que R$ 300 mensais por pessoa nem uma
reorganização de programas menos eficazes.
No
Congresso, da mesma forma, busca-se inflacionar a cobertura, sem grandes
preocupações a respeito dos limites orçamentários e dos riscos do elevado
endividamento público para a economia, cuja instabilidade sempre prejudica,
cedo ou tarde, os mais pobres.
A
relutância de Bolsonaro em tratar do tema antes das eleições municipais ao
menos dá margem para que as vozes responsáveis tentem colocar o debate no
trilho certo, que consiste em pensar primeiro no público a ser contemplado e no
potencial de redução da pobreza.
Tal
quantificação se mostra ainda mais necessária e oportuna num país em que a
dívida pública se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto. Desenhado às
pressas, por razões compreensíveis, o auxílio emergencial de R$ 600 mensais
contribuiu decisivamente para mitigar as crises, mas seu custo seria excessivo
em base permanente.
Não
resta dúvida, de todo modo, de que há potencial importante de redução da
pobreza a partir de uma reformulação do Bolsa Família.
A
pandemia revelou os chamados cidadãos invisíveis e deixou mais evidente a
insegurança de renda que aflige os trabalhadores informais. Por fim, o grupo
mais atingido pela pobreza ainda é o infantil.
Com
tal realidade em mente, é possível tornar mais eficiente o gasto assistencial,
mirando com maior precisão os beneficiários.
Existem
já propostas bem-acabadas nesse sentido, mas as que se mostram responsáveis não
temem tocar na necessidade de rever programas menos eficientes, como o abono
salarial.
O
país deve ampliar a seguridade, mas é preciso fazê-lo sem afrontar
a responsabilidade orçamentária e o teto de gastos. Essa
condição demanda um debate sobre fontes de recursos tendo em mente objetivos
realistas, sem a ilusão de que o Orçamento desconhece limites.
Aparelhamento bolsonarista – Opinião | O Estado de S. Paulo
Líderes
de fancaria não pretendem governar, mas tomar posse do Estado.
A TV Brasil já nasceu, em 2007, com o mal congênito da impostura. Tratada no berço como uma emissora destinada a atender “à antiga aspiração da sociedade brasileira por uma televisão pública nacional, independente e democrática”, rapidamente ganhou o apelido de “TV do Lula”, em alusão ao fato óbvio de que a emissora estatal nada tinha de pública. Ao contrário, prestava-se, em parte da programação, a fazer a promoção descarada do governo lulopetista, sobretudo em tempos de campanha eleitoral, especialidade do demiurgo de Garanhuns.
A
emissora agigantou-se em funcionários e estrutura mesmo dando apenas traço de
audiência – o que já seria argumento suficiente para fechá-la sem pestanejar,
se houvesse respeito pelos contribuintes. Prestou-se ademais a empregar
apaniguados petistas de várias extrações, que ali garantiam o padrão chapa-branca
e transformaram a TV em aparelho do partido.
Por
essas e outras razões, Jair Bolsonaro, ainda na campanha presidencial, havia se
comprometido a fechar a TV Brasil, na esteira das anunciadas privatizações em
massa. Ainda que não fosse mais a “TV do Lula”, a emissora continuava sem
justificar sua existência.
Como
se sabe, nem as prometidas privatizações em massa ocorreram nem a TV Brasil foi
fechada. Hoje ela é, escancaradamente, a “TV do Bolsonaro”.
Na
terça-feira passada, a emissora transmitiu o jogo do Brasil contra o Peru pelas
Eliminatórias da Copa de 2022, momento em que o locutor achou adequado fazer
elogios ao presidente Bolsonaro. De quebra, no intervalo da partida, a TV
veiculou reportagens favoráveis ao governo.
A
própria transmissão do jogo foi fruto de um acordo obscuro do governo com a
notória CBF, fazendo da TV Brasil a única emissora de canal aberto a exibir a
partida, o que lhe rendeu boa audiência – devidamente explorada pela máquina de
propaganda bolsonarista.
Há
tempos o presidente Bolsonaro vem testando os limites das instituições
republicanas, como fez impunemente durante toda a sua trajetória como deputado.
No caso em questão, a baliza é a Lei 11.652, de 2008, atualizada pela Lei
13.417, de 2017, que, no parágrafo 1.º do artigo 3.º, proíbe “qualquer forma de
proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão”. A violação
dessa lei pode constituir crime de responsabilidade, passível de impeachment.
Para
Bolsonaro, assim como havia sido para Lula da Silva a seu tempo, essa proibição
não lhe diz respeito. O Estado é, para o atual presidente, uma extensão de seus
domínios particulares, e sua estrutura deve estar a serviço de seus interesses
privados, em geral eleitoreiros.
A
“TV do Bolsonaro” é apenas uma das tantas estruturas do Estado de que o
presidente e seu grupo político se apoderaram. O País, perplexo, vem
testemunhando, por exemplo, a conversão da Fundação Alexandre de Gusmão, órgão
de pesquisa e divulgação do Itamaraty, em escola doutrinária inspirada nos
“ensinamentos” do ex-astrólogo Olavo de Carvalho, notório guru bolsonarista. Em
vez de diplomatas e professores de Relações Internacionais, a fundação vem
recebendo blogueiros bolsonaristas e teóricos da conspiração para fazer
“conferências” que, em tese, servirão para a reflexão do corpo diplomático
brasileiro.
O
mesmo vem acontecendo nas áreas de Educação e Cultura, convertidas em cidadelas
na guerra imaginária que o presidente Bolsonaro trava com “comunistas”,
qualificação destinada a todos os que não concordam com ele.
A
impessoalidade é um dos mais importantes princípios da administração pública.
Inscrito no artigo 37 da Constituição, esse princípio determina que a
administração deve estar voltada para os interesses da coletividade, e não do
administrador.
Para
políticos oportunistas, contudo, não há essa diferença: julgando-se portadores
de legitimidade absoluta, alegadamente conferida pelas urnas, esses líderes de
fancaria não pretendem governar, mas tomar posse do Estado. Foi assim com Lula
e com Dilma, e está sendo assim com Bolsonaro – e será assim até que as
instituições deixem claro qual é o limite: a lei.
O protagonismo do Congresso – Opinião | O Estado de S. Paulo
Como
ocorreu com a reforma da Previdência, o Legislativo pode levar adiante a
reforma administrativa, enquanto o Executivo titubeia.
No ano passado, o Congresso assumiu, de forma responsável e diligente, a tarefa de aprovar a reforma da Previdência. Durante a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, ficou evidente que o Legislativo estava mais comprometido com a mudança das regras previdenciárias que o próprio governo federal, autor da proposta. Agora, tem-se uma real possibilidade de que a dinâmica se repita, com o Legislativo assumindo o protagonismo da reforma administrativa, enquanto o Executivo titubeia perante medidas impopulares para alguns setores.
No
início de setembro, o governo apresentou ao Congresso sua proposta de reforma
administrativa. Além do imenso atraso com que o texto foi apresentado – desde
novembro de 2018 integrantes da equipe do então presidente eleito prometiam uma
profunda reforma da administração pública –, surpreendeu o acanhamento das
medidas. A PEC 32/2020 propõe mudanças apenas para os futuros concursados e não
mexe com a elite do funcionalismo – militares, promotores, juízes e
parlamentares.
Ante
essas limitações do texto original da PEC 32/2020 – que podem agravar a
desigualdade entre os quadros públicos –, o Congresso dá sinais de que deseja
uma reforma mais robusta e equilibrada. Por exemplo, no início do mês, a Frente
Parlamentar Mista da Reforma Administrativa no Congresso Nacional lançou uma
agenda com quatro itens prioritários para a reforma administrativa. Entre
outras medidas, o documento defende a inclusão na reforma administrativa dos atuais
servidores públicos e dos chamados “membros de poderes”, como magistrados e
parlamentares.
O
primeiro ponto da agenda da Frente Parlamentar refere-se à redução das
distorções. Segundo o documento, é preciso “diminuir as disparidades de
salários e benefícios entre cargos similares nos setores público e privado, e
reduzir as distorções existentes dentro da própria administração pública, entre
esferas e poderes”.
Em
seguida, vem a modernização dos processos de gestão de pessoas, para
aperfeiçoar, por exemplo, a avaliação de desempenho e as regras de
desligamento. O terceiro ponto, de especial interesse para o próprio
funcionalismo, é a criação de um ambiente de maior segurança jurídica no
serviço público. Atualmente, a complexidade das regras e a aplicação
demasiadamente subjetiva por parte dos órgãos de controle favorecem, muitas
vezes, a inação. Por receio de eventual penalidade, o servidor opta por não
agir.
O
quarto ponto do documento diz respeito à modernização da gestão organizacional.
Os parlamentares integrantes da Frente buscam que a reforma institua práticas
que possam aumentar a eficiência dos órgãos da administração pública,
proporcionando, assim, melhores serviços à sociedade.
Em
especial, a Câmara dos Deputados tem se mostrado atenta ao tema da reforma
administrativa. No mês passado, a Casa apresentou proposta de reforma referente
aos seus quadros, que pode gerar economia anual de R$ 400 milhões. Entre as
mudanças propostas estão a extinção de 1.000 cargos efetivos e de 500 cargos em
comissão. O objetivo da reforma administrativa da Câmara é tornar o quadro de
pessoal mais enxuto, apenas com “servidores nas atividades que dizem respeito à
função legislativa e às atividades estratégicas”, disse Sérgio Sampaio,
diretor-geral da Câmara.
Por
sua vez, a Secretaria de Relações Internacionais da Câmara dos Deputados
realizou em outubro evento internacional para debater experiências
internacionais de reformas administrativas. A comparação com outros países pode
ajudar a iluminar algumas disfuncionalidades locais. Por exemplo, segundo o
Banco Mundial, os gastos com o funcionalismo público no Brasil correspondem a
13,8% do PIB, o que coloca o País na 15.ª posição entre os que mais gastam em
proporção ao PIB.
Com
a reforma administrativa, o Congresso tem um imenso e urgente trabalho pela
frente. Há dificuldades, mas há também uma grande oportunidade. Como ocorreu
com a reforma da Previdência, o Legislativo pode dar uma contribuição decisiva
para o País.
Voltando à superfície – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
economia completou quatro meses de reação em agosto sem voltar ao nível
pré-pandemia.
Quatro meses de reação, de maio a agosto, foram insuficientes para levar a produção de volta ao nível pré-pandemia, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Conhecido como prévia do PIB, esse indicador é seguido no mercado como um sinalizador mensal de tendência. Em agosto, o IBC-Br continuava 4,19% abaixo do nível de fevereiro, quando foram anotados no País os primeiros casos de covid-19. O índice do mês foi 3,92% inferior ao de agosto do ano passado. O balanço do ano mostrou um resultado 5,44% abaixo do acumulado nos oito meses correspondentes de 2019.
Só
o agronegócio, o setor mais competitivo e mais resistente da economia
brasileira, atravessou a crise, até agora, com desempenho positivo, apesar dos
desarranjos em toda a teia de negócios. O principal motor da economia, o
consumo das famílias, voltou a crescer a partir de maio, reanimando o varejo.
Em agosto o comércio varejista vendeu 3,40% mais que em julho, atingiu o mais
alto patamar desde o ano 2000 e superou por 8,2% o nível de fevereiro, segundo
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Embora
o desemprego, já muito alto no começo do ano, ainda tenha aumentado, medidas de
proteção do emprego evitaram um número maior de demissões. A redução combinada
de jornadas e salários foi uma dessas medidas. Somado a essas ações, o auxílio
emergencial a mais de 65 milhões de beneficiários contribuiu para preservar o
poder de consumo das famílias. Com valor diminuído a partir de setembro, o
auxílio, em princípio, deve terminar no fim do ano.
Puxada
pelo consumo, a produção industrial aumentou 3,2% em agosto, mas sem compensar,
depois de quatro meses de alta, a queda de 27% acumulada em março e abril.
Faltaram 2,6%. Em oito meses o volume produzido foi 8,6% inferior ao de
janeiro-agosto do ano passado.
Além
disso, pela 10.ª vez, em agosto a produção foi menor que a de igual mês do ano
anterior. Este dado é mais um sinal de uma crise iniciada muito tempo antes do
aparecimento, no Brasil, do novo coronavírus. O resultado de agosto foi 18,4%
inferior ao pico atingido em maio de 2011.
A
recuperação mais fraca tem sido a dos serviços. Começou em junho, um mês depois
da reação da indústria e do varejo, e seguiu oscilando. Em agosto o setor
cresceu 2,9% em relação a julho, mas ficou 9,8% abaixo do nível de fevereiro e
foi 10% inferior ao patamar de um ano antes.
A
prestação de serviços foi especialmente afetada pelas medidas de isolamento,
muito prejudiciais a restaurantes, bares, hotéis, transportes de passageiros e
salões de beleza, para citar só algumas das atividades mais importantes no dia
a dia da maior parte das pessoas. É fácil entender a reação – crescimento
mensal de 33,3% – dos serviços prestados às famílias em agosto, quando começava
a relaxar-se o distanciamento social. A reação mais notável, avanço de 37,9%,
veio do segmento de restaurantes, bares e hotéis. O transporte de cargas
oscilou menos durante a fase de restrições, porque alguma demanda foi sempre
mantida pela indústria, pelo agronegócio e pelos sistemas de distribuição.
A
economia atravessa os meses finais de 2020 em condições complicadas. O
desemprego chegou a 13,8% da força de trabalho no trimestre de maio a julho.
Somando-se os desempregados, subocupados e desalentados, chega-se a cerca de 32
milhões de pessoas em dificuldades.
As
condições de trabalho podem melhorar um pouco, se empresários apostarem num fim
de ano mais animado. Mas a melhora deve ser limitada e temporária. Enfim, o
auxílio emergencial, já reduzido, deve acabar em dezembro, se o Executivo e
seus aliados forem incapazes de encaixar essa ajuda, ou algo semelhante, no
Orçamento de 2021.
O
Executivo deve ainda uma estratégia de sustentação econômica. Um sinal animador
é o programa, recém-anunciado pela Caixa Econômica, de ampla oferta de
financiamento imobiliário mais acessível. Por seus efeitos sobre outros setores
e pelo potencial de geração de empregos, a construção imobiliária pode ser uma
alavanca para a economia.
Novo escândalo serve de alerta sobre Centrão – Opinião | O Globo
Bolsonaro
deveria usar caso da cueca do senador Chico Rodrigues para rever sua aliança
com o fisiologismo
Já
houve assessor de parlamentar — o hoje deputado federal José Guimarães (PT-CE)
— preso em 2005 com dinheiro na cueca. O primeiro mandato de Lula passara da
metade, e Guimarães, então deputado estadual, ainda não era líder do partido na
Câmara. Agora, a cena se repete com um senador, Chico Rodrigues (DEM-RR),
apanhado na mesma situação pela Polícia Federal em Boa Vista, por uma das
várias operações lançadas Brasil afora para investigar o desvio de dinheiro
público destinado a enfrentar a Covid-19.
Desta
vez, o impacto dos estilhaços sobre a imagem do presidente da República é
imediato. Chico Rodrigues era até ontem vice-líder do governo no Senado — foi
destituído com o escândalo. Tinha grande proximidade com Bolsonaro, tanto que
emprega em seu gabinete Leo Índio, primo dos filhos do presidente. Num vídeo em
que confraterniza com ele, Bolsonaro diz que os 20 anos de amizade entre os
dois são “quase uma união estável”. O afago é correspondido por Rodrigues com
elogios. No seu entender, Bolsonaro no governo simboliza “princípios e valores
da família e a retomada da moralidade”. Até aí, seria apenas constrangedor
demais para o presidente.
Só
que o desmascaramento de um político do círculo bolsonarista ocorre pouco tempo
depois de Bolsonaro ter soltado a bravata de que “acabou com a Lava-Jato” por
não haver mais corrupção no governo. Nem Rodrigues faz parte do Executivo, nem
Bolsonaro pode acabar com a Lava-Jato. Mas o flagrante de um político da base
do presidente, tão ligado a ele, põe novamente em xeque a já exígua
credibilidade das promessas bolsonaristas de combater os assaltos ao
contribuinte.
Não
bastassem as dificuldades de filhos e amigos com o Ministério Público e a
Justiça, o novo escândalo demonstra o risco envolvido na aproximação entre
Bolsonaro e o Centrão. Buscar sustentação parlamentar é legítimo e natural numa
democracia. O perigo é quando a moeda usada na negociação escapa ao campo da
ética.
Depois
de já ter recebido cargos no governo, o Centrão agora pressiona Bolsonaro para
começar a desmontar a superpasta da Economia, do ministro Paulo Guedes. Quer a
recriação dos ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, convertidos em secretarias e abrigados sob Guedes. A
reivindicação atende à lógica de abrir espaço a nomeações e permitir chances
múltiplas de ajuda remunerada a quem precisa de algum jeitinho para resolver
dificuldades nas repartições e empresas públicas. Foi exatamente esse o enredo
reproduzido pelo senador do DEM de Roraima.
Bolsonaro
está diante de um dilema. Ou bem esvazia Guedes para satisfazer ao Centrão e
enfrenta problemas na economia, ao transmitir uma imagem péssima aos mercados;
ou então diz não ao fisiologismo e enfrenta dificuldades políticas para aprovar
no Congresso projetos também essenciais à economia. Se decidir rever a relação
com o Centrão, também diminui a chance de novas surpresas como a que a polícia
achou na cueca de Rodrigues.
Fux deve resgatar harmonia e coesão que prometeu ao Supremo na posse – Opinião | O Globo
Libertação
do traficante expôs as entranhas de um tribunal onde 82% das decisões são
monocráticas
Em
seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o
ministro Luiz Fux não poderia ter sido mais enfático ao defender a harmonia
institucional como essencial para a saúde da democracia. Defendeu também que o
Supremo, como guardião da Constituição, transmita à sociedade uma imagem coesa:
“O Supremo Tribunal Federal há de ser unívoco nas suas manifestações e, mesmo
na salutar divergência, há de ostentar coesão de ideais e de força capaz de
repudiar, em uma só voz, eventuais atentados à ordem democrática”.
Apesar
do placar, coesão não foi exatamente o que se viu no julgamento do habeas
corpus que libertou o traficante André do Rap, emitido pelo ministro Marco
Aurélio Mello e revogado por Fux, decisão corroborada ontem no plenário por 9
votos a 1. O episódio serviu para expor a deficiência da nossa legislação de
execução penal. Quando a manobra do Congresso para ajudar criminosos de
colarinho branco resultou na libertação de um traficante internacional, todos
enxergaram o óbvio: flexibilizar o Código Penal para compadres ajuda o crime
organizado.
O
Supremo agiu com bom senso ao manter a ordem de prisão. Ainda assim, criou-se
um clima de tensão no tribunal que Fux prometera pacificar. Por ter revogado
uma decisão de outro integrante da Corte, ele próprio foi criticado. Não há, no
regimento interno do STF, previsão para que o presidente revogue decisão de
outro ministro.
O
caso expôs também as entranhas do tribunal frequentemente comparado a um
arquipélago de 11 ministros-ilhas onde, das 78.998 decisões registradas neste
ano até ontem, 64.952 — ou 82% — haviam sido monocráticas (a exemplo da que
soltou o traficante).
A
miríade de brechas e recursos jurídicos para que processos cheguem ao Supremo e
a profusão de decisões monocráticas criam como que uma loteria. Há um incentivo
para que advogados impetrem e desistam de habeas corpus até que algum seja
sorteado para um ministro mais camarada, de preferência da ala “garantista”,
que costuma favorecer os réus.
Nada
há de errado em divergências na interpretação da Constituição. O Supremo existe
justamente para dirimi-las. O choque entre as visões “garantista” e
“consequencialista” (ou “punitivista”) traduz conceitos jurídicos essenciais
para a boa aplicação das leis. Mas não pode se transformar em armadilha para o
próprio tribunal. A sociedade depende de uma Corte constitucional robusta e
independente, nos termos que o próprio Fux descreveu na posse. O Supremo é
importante demais na democracia brasileira para se perder em rusgas sobre uma
decisão criminal que deveria ser trivial. Cabe agora a Fux resgatar a harmonia
e a coesão que prometeu ao tribunal.
Pandemia lega montanha de dívidas privadas a pagar – Opinião | Valor Econômico
Em
um ambiente de incertezas, a conta da inadimplência pode ser maior
A
pandemia deixou em seu rastro uma montanha de dívidas repactuadas e
inadimplência, cujas consequências sobre a economia e seu ritmo de crescimento
ainda estão por vir. Os bancos passaram facilmente pela primeira onda, no
segundo trimestre, marcado pela maior depressão da história brasileira, e
revelaram “adequada capacidade de absorção de perdas em todos os cenários”
imaginados pelo Banco Central, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira.
O lucro líquido dos bancos caiu 31% neste semestre em relação ao mesmo período
de 2019, principalmente devido à provisão para créditos de recebimento
duvidosos de R$ 65 bilhões no primeiro semestre, uma cobertura de 90% das
perdas, a mais alta desde 2014.
Não
há qualquer problema com as instituições financeiras a caminho, apesar disso.
Feitas as contas, com base nas regras de Basileia, há uma folga de capital de
R$ 233 bilhões nas instituições financeiras, mais que suficiente para manter
uma oferta de crédito em ascensão. Com as repactuações em massa, e dilatação de
prazos de pagamento, porém, a inadimplência pode aumentar, o que só se saberá
no fim de 2020 e início de 2021. Mesmo que ela cresça, não há riscos para a
estabilidade financeira.
A
dívida das empresas mais afetadas pelos efeitos da covid-19 soma R$ 1,1
trilhão, considerando-se seus débitos domésticos, a internalização dos externos
e os títulos emitidos nos mercados de capitais. Isso equivale a 30% da dívida
total das empresas não financeiras do país. A dívida dos trabalhadores tidos
como vulneráveis (os que ganham até 3 salários mínimos) é de R$ 200 bilhões, ou
11% da dívida total das famílias. Em situação extrema, calculou o BC, essas
perdas exigiriam um aporte de capital de R$ 3,5 bilhões das instituições
financeiras, ou 3,5% de seu patrimônio de referência.
Em
um ambiente de incertezas, a conta da inadimplência pode ser maior. A
porcentagem de ativos problemáticos (atrasos de pagamento superior a 90 dias)
encerrou o primeiro semestre em 7,9% (abaixo dos 8,5% de dezembro) do total da
carteira, mas essa queda pode ser enganosa. As próprias repactuações reduzem
por definição créditos em atraso e a carteira de crédito dos bancos aumentou. O
ingresso de dívidas de grandes empresas, as maiores devedoras, como novos
ativos problemáticos aumentou entre o primeiro trimestre e o segundo. Um
indicador anterior, o de pré-atrasos (entre 30 e 90 dias) subiu em abril,
indicando deterioração futura ao longo dos próximos meses, segundo o BC.
O
crédito para pessoas físicas encontra as famílias com seu comprometimento de
renda perto do pico da série, em 2015. Os montantes de inadimplência no cartão
de crédito e no financiamento mobiliário foram os maiores registrados até hoje.
Em junho, 25,8% do estoque das operações com pessoas físicas (R$ 1,8 trilhão)
haviam sido reestruturados. O futuro desses pagamentos, para o BC, dependerá
dos “efeitos da crise, bem como das condições da economia quando as medidas
emergenciais de apoio às famílias saírem de cena”.
A
possibilidade de calote pode ser maior nas faixas de menor renda. Os que ganham
até três mínimos renegociaram com instituições financeiras dívidas de R$ 190,9
bilhões, ou 29% do total reestruturado entre pessoas físicas. A revisão atingiu
mais R$ 101,4 bilhões de pessoas com renda entre 3 e 5 mínimos. Outros R$ 98
bilhões foram reordenados com autônomos, empresários e microempreendedores,
severamente atingidos pela pandemia.
A
repactuação de pagamento de débitos foi maior entre as grandes empresas, um estoque
de R$ 222 bilhões. Micros, pequenas e médias empresas têm mais R$ 187 bilhões a
pagar. Quem mais fez renegociação foram os setores de transportes (42,2% do
total), lazer e mídia (40,6%), duramente afetados pelo isolamento social, e
outros indiretamente prejudicados por ele com fortes quedas nas vendas (têxtil
e couro, 35,5%, e construção madeira e móveis (33,1%). Esses setores somam um
terço dos R$ 462 bilhões renegociados com as empresas não financeiras. “É ainda
incerto como essas dívidas repactuadas comportar-se-ão após o fim das carências
para pagamento”, registra o BC.
Os bancos cobriram com provisões os ativos problemáticos. Mesmo com a permissão para que repactuassem operações de crédito sem precisarem efetuar novas provisões, não fizeram isso, o que, para o BC, “demonstra a resiliência do sistema bancário”. Não se pode dizer o mesmo da economia diante de uma nova onda de inadimplência.
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