- Folha
de S. Paulo
Autor
está arraigado na psique americana de forma sem paralelo
O
genial René Goscinny, na não menos genial série de quadrinhos "Lucky
Luke", faz com que Frank James, o irmão de Jesse James, dois vilões
retratados nas histórias, fale só através de citações de
Shakespeare. Sempre que ele abre a boca, reproduz uma linha do bardo. Até
alguns dias atrás, eu achava que era um exagero de Goscinny.
Agora, continuo achando que é um exagero, mas um que descreve com feliz
precisão uma faceta da sociedade americana do século 19 que eu até então
desconhecia. O que mudou minha avaliação foi a leitura do também genial
"Shakespeare in a Divided America", de James Shapiro (Columbia).
O
autor mostra com muita erudição que Shakespeare está arraigado na psique
americana de forma sem paralelo no Brasil e mesmo no Reino Unido. Pelo menos
até o início do século 20, todo mundo lia Shakespeare, assistia a montagens de
suas peças e as discutia em conversas cotidianas.
Os mais entusiasmados desenvolviam teorias, às vezes bem singulares, sobre
Shakespeare. Isso valia não só para presidentes, como John Quincy Adams e
Abraham Lincoln, mas também para o povo, incluindo foras da lei como o Frank
James histórico, que era mesmo um conhecedor do doce cisne de Avon. Aliás, uma
das mais sangrentas batalhas da luta de classes nos EUA, os
tumultos de Astor Place, em 1849, se deu em torno de uma controvérsia sobre
Shakespeare.
Shapiro não se limita a descrever a influência do bardo na América. Ele também
mostra como os mais diversos campos ideológicos se valeram do dramaturgo para
tentar fazer avançar suas ideias ou amplificar seus medos, tornando-o uma
espécie de canário de mina, que revela quando o ambiente se torna muito tóxico.
Não chega a ser uma surpresa, já que Shakespeare permite abordagens complexas
sobre temas tão variados como racismo, homossexualismo, assassinato político. É
justamente o que o torna uma espécie de clássico dos clássicos.
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