Descobriu-se
que eventuais compradores não queriam entrar no projeto
Çábios
do Planalto e libélulas da plutocracia jogaram o andar de cima num dos maiores
vexames dos últimos tempos. Do nada, na semana que começou no dia 18, apareceu
a ideia
de juntar pelo menos 12 grandes empresas brasileiras para comprar 33 milhões de
vacinas Oxford/AstraZeneca. Metade dos imunizantes iriam para o SUS e a
outra metade serviria para vacinar funcionários das empresas e seus parentes.
Deu-se
um fenômeno raro na história do capitalismo. Em poucos dias descobriu-se que
eventuais compradores não queriam entrar no projeto e que o eventual vendedor
também não estava oferecendo a mercadoria.
Durante
a semana o assunto foi discutido com o presidente Jair Bolsonaro, e o governo
avalizou a operação na sexta-feira (22), com
uma carta enviada ao fundo BlackRock, acionista da AstraZeneca.
Na
segunda-feira (25), a repórter Julia Chaib mostrou a girafa, informando, desde
logo, que pelo menos seis das empresas listadas já haviam se dissociado da
iniciativa. Se a Ambev, a Vale, o Itaú, o Santander, a JBS e a Vivo não queriam
entrar no negócio, algo havia esquisito nele. Nos dias seguintes, 9 das 12
empresas listadas haviam saltado.
As
empresas saltaram por diversos motivos. O preço de US$ 23,79, quatro vezes
superior aos US$ 5,25 do mercado, não fazia sentido, nem era explicado. Também
não se conhecia a engenharia do negócio. Além
dessas questões, havia também o risco da associação das marcas de grandes
empresas a uma operação fura-fila.
A proposta viria do fundo BlackRock, a quem foi dirigida a carta do governo. O presidente-executivo da empresa no Brasil, Carlos Takahashi, detonou a mentira para os repórteres Vera Brandimarte e Francisco Goes: “Isso é ficção, se estão usando o nome da BlackRock, é fraude. (...) Nunca tivemos nada a ver com isso e não conhecemos essas empresas e essas pessoas que estão usando o nome da BlackRock. (...) Estes rumores são completamente falsos. Autoridades em todo o mundo já alertaram para esquemas relacionados com a suposta comercialização de vacinas, e é importante que as empresas e os governos se mantenham vigilantes”.
O
vexame foi produzido pela opção preferencial de um governo disfuncional, que
vai da marquetagem à fantasia e dela às fake news sem qualquer constrangimento.
FALA
O SANITARISTA GUEDES
Melhor
que isso só a notícia dada por Guedes no dia 4 de abril, quando só haviam
morrido 86 pessoas. Ele
anunciou que um amigo inglês lhe oferecia a remessa de 40 milhões de testes por
mês. Cadê?
Guedes
sustentou que era “evidente” a virtude de uma partilha segundo a qual as
empresas do consórcio ficariam com 50% das vacinas. Não era evidente, pois, na
quinta-feira (28), uma tentativa de ressuscitar a ideia trabalhava com outro
modelo, no qual o SUS ficaria com dois terços das vacinas, indo o terço
restante para as empresas. Se um papeleiro de um banco onde Guedes trabalhou
perder, em 48 horas, 16% do ativo que negocia, vai para a rua.
A
ideia de privatizar parte das vacinas é coisa que ainda não apareceu em outro
país. Foi aparecer logo em Pindorama, cujo
governo está mal avaliado internacionalmente pela sua conduta diante da
pandemia.
Para
efeito de raciocínio, admita-se que a ideia deva ser discutida. Isso pode ser
feito de forma clara e competente, longe do escurinho dos palácios. As dúvidas
que levaram grandes empresas a fugir do modelo que foi posto em circulação
ainda não foram respondidas. Por que uma vacina de US$ 5,25 será comprada por
US$ 23,79?
O
SANITARISMO DA MARQUETAGEM
A
ideia do consórcio poderia ter saído de uma equipe de burocratas
qualificados, advogados competentes e, com algum luxo, pelo menos um
sanitarista, mas na sua primeira versão, apareceram no lance as digitais de
diretores das indústrias Gerdau, o onipresente Paulo Skaf, presidente da Fiesp.
Depois
da debandada, o programa ganhou uma marca de fantasia (“Coalizão da
Indústria”) e uma nova lista passou a circular. Teria até 60 adesões. Fábio
Spina, da Gerdau, explica: “A intenção é gerar volumes adicionais de vacinas
que, de outra forma, não estariam disponíveis para o Brasil”.
A
metalúrgica se mete em política desde 1974, quando, corajosamente, o patriarca
Jorge Gerdau ajudou a campanha ao Senado do oposicionista Paulo Brossard e
encrencou-se com o Serviço Nacional de Informações. Naquela ocasião, Gerdau
explicou-se ao SNI. Mostrou que sua ajuda ao candidato do governo havia sido
muito maior e procurou assegurar “a confiança que sempre mereceu da
presidência”. Não a tinha, mas essa é outra história.
Na
terça-feira (26), depois de passar pelo Palácio do Planalto, Paulo Skaf disse
que não participou da primeira operação, mas está pronto para ajudar “naquilo
que for necessário”.
Santas
palavras. Desde o início da pandemia, inúmeras empresas estão ajudando. O banco
BTG, por exemplo, socorreu o Hospital das Clínicas de São Paulo, e uma franquia
da Dominó mandou cerca de 30 pizzas para um hospital público do centro do Rio.
Em abril, o
Itaú Unibanco estourou o teto da filantropia nacional reservando R$ 1 bilhão
para iniciativas de combate à Covid, a ser gerido por um conselho
independente. Esse dinheiro irrigou dezenas de iniciativas, e R$ 100 milhões
financiaram a produção de vacinas do Instituto Butantan e da Fiocruz. O projeto
recebeu mais R$ 300 milhões com a adesão de empresas e pessoas físicas.
Contrapartida? Zero.
GATO
NA TUBA
Enquanto
não for conhecida a engenharia
financeira desse consórcio e a planilha de custos que levou o preço das vacinas
de US$ 5,25 para US$ 23,79, ficará o medo de que haja um gato nessa tuba.
Em
março de 2019, o capitão Bolsonaro mal tinha chegado ao palácio e começou
uma negociação em torno do preço da energia gerada por Itaipu. Foi assinado
um acordo, o presidente da estatal de energia paraguaia pediu demissão, começou
uma investigação no Congresso e por pouco o governo não caiu. Em agosto, o
acordo foi revogado. Havia gato na tuba, basta lembrar que o atravessador,
vendo-se exposto, apressou-se em revelar que havia perdido seu celular.
Caíram
o chanceler, o embaixador do Paraguai no Brasil e o presidente da estatal que
acabara de ser nomeado.
Por falar em gatos e tubas, até hoje não se sabe como foi produzido o edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que gastaria cerca de R$ 3 bilhões comprando equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Os 255 alunos de uma escola mineira receberiam 30.030 laptops. Deve-se à AGU de Bolsonaro a descoberta da bizarria, provocando a anulação do edital.
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