O
dano causado pelo governo continuará a se manifestar através do pífio
desempenho da economia
É
compreensível que parte do setor privado evite criticar publicamente o governo,
mas seu silêncio não significa aprovação: os preços dos ativos gritam por eles.
Ao longo de 2020, a piora da situação fiscal decorrente da péssima reação do
governo à pandemia provocou um crescimento sensível dos prêmios de risco,
destacando-se a depreciação do real, que, após uma pausa no final do ano,
prosseguiu recentemente com acentuada volatilidade. Embora poucos acreditassem
que Bolsonaro pudesse reconhecer seus erros, e passasse a exercer a Presidência
com uma competência nunca demonstrada, muitos apostavam que a liquidez
internacional levaria à valorização do real, reduzindo a pressão sobre a
inflação. Com isso, o Banco Central, que mantém uma elevada credibilidade, talvez
pudesse retardar um pouco o início da inevitável normalização monetária,
fazendo o que está ao seu alcance para ajudar na recuperação da economia.
É possível que a política fiscal expansionista de Biden venha a reforçar o enfraquecimento do dólar, mas este já vem ocorrendo significativamente desde maio de 2020, quando teve início uma política monetária com níveis recordes de estímulos. Foi em maio que o Federal Reserve derrubou a taxa dos Fed funds para 0,25% ao ano (o seu zero bound), foi em maio que comprou mais de US$ 2,5 trilhões de treasuries, que é perto de 2 vezes o total de ativos financeiros comprado durante o QE da crise de 2008, e não por acaso foi em maio que o dólar começou a se enfraquecer. Se a liquidez internacional fosse decisiva para valorizar o real, a partir de maio este teria de seguir a trajetória da mediana de uma amostra de 20 países emergentes, que se valorizou acompanhando de perto o enfraquecimento do dólar. Em 2020 e no início de 2021, o comportamento do real não tem nada a ver com o enfraquecimento do dólar. É explicado apenas por causas domésticas.
O setor privado nunca teve ilusões a respeito de Bolsonaro, mas agarrava-se a uma narrativa “construtiva”. A existência de mais de uma vacina com eficácia comprovada levaria a uma recuperação já em 2021, melhorando o mercado de trabalho, e o desembolso da “poupança precaucional” (ou circunstancial) neutralizaria a contração vinda do “despenhadeiro fiscal”, parte do qual era devida ao fim da ajuda emergencial. Mas, para ser “construtiva”, a narrativa tinha de subestimar a incompetência do governo.
Foram
patéticos os lances de ópera bufa na busca desesperada pela obtenção de algumas
vacinas vindas da Índia com o único objetivo de apressar a cerimônia de início
da vacinação, enquanto o governo se omitia em enviar o oxigênio que minorasse a
tragédia de Manaus. Mas Bolsonaro não estava interessado na vacinação e no
sofrimento dos atingidos pela pandemia, e, sim, em iniciar a vacinação antes de
Doria, em São Paulo. O que estava em jogo não era a solução do problema
sanitário, e, sim, o aumento de seu cacife na disputa para 2022.
Como
reagirá o governo à queda da popularidade, à desaceleração do crescimento
econômico e ao risco de abertura de um processo de impeachment? Especialistas
afirmam ser difícil a sua aprovação diante dos 30% de apoio mantidos pelo
presidente. Mas lembro que estes 30% não são uma constante da natureza, e que
juristas de renome já alinharam abundantes razões para a abertura do processo
de impeachment.
A
perda de popularidade e a piora do estado da economia não deixarão inertes nem
o governo e nem o Centrão. A este interessa que Bolsonaro continue presidente,
não porque seja bom para o Brasil, mas por lhe garantir a ocupação de
ministérios e outras benesses do governo. Contudo, é difícil acreditar que
sejam aprovadas reformas impopulares que contrariem interesses de grupos
políticos, inclusive os do próprio Centrão. O mais provável é que seja enviada
ao Congresso uma nova emenda emergencial permitindo o aumento de gastos que não
serão computados para o cálculo do teto, que por isso será cumprido. Mas diante
do desastroso desempenho do governo, não posso sonhar que imporá as necessárias
medidas compensatórias que levem à consolidação fiscal, com a qual nunca se
comprometeu de fato.
O
dano causado pelo governo continuará a se manifestar através do pífio
desempenho da economia e dos preços dos ativos, sobretudo da taxa cambial. Mas
a contagem regressiva para a reeleição já está correndo, e as reformas
necessárias, mas impopulares, ficam cada vez mais distantes, aumentando a cada
dia o custo da complacência com o governo atual.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
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