O
tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado no momento em que o
bolsonarismo avança sobre as instituições brasileiras.
O chavismo estabeleceu uma sólida ditadura na Venezuela não apenas como resultado da truculência golpista do falecido caudilho Hugo Chávez e de seu impiedoso herdeiro, Nicolás Maduro, mas também – e talvez principalmente – pelo sucesso do assalto promovido pelos gângsteres bolivarianos às instituições de Estado. E esse assalto foi bem-sucedido, entre outras razões, pela ausência de uma oposição organizada, unida e com propósitos claros.
O
tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado justamente no momento em que o
bolsonarismo avança insidiosamente sobre as instituições democráticas
brasileiras. Cada dia que passa sem reação à altura desse desafio ajuda a
consolidar esse desmonte do sistema de freios e contrapesos, que limita o poder
numa democracia representativa.
Tal
como ocorreu na Venezuela, a oposição a Bolsonaro claramente perdeu-se em lutas
internas, movidas por objetivos imediatos e paroquiais, que só dizem respeito
aos interesses eleitorais de seus caciques, sem qualquer conexão com os anseios
da sociedade.
A
mediocridade das forças que poderiam obstar a marcha bolsonarista permitiu que
o presidente Jair Bolsonaro, malgrado suas inúmeras agressões à democracia e
seu criminoso desserviço ao povo em meio à pandemia de covid-19, conseguisse
eleger seus candidatos ao comando da Câmara e do Senado.
Para
adicionar insulto à injúria, vários parlamentares supostamente de oposição
aderiram às candidaturas patrocinadas por Bolsonaro, ávidos por participar do
festim governista no Congresso e por obter espaços nas Mesas Diretoras e nas
comissões. Nem na Venezuela a oposição foi tão pusilânime.
Os
partidos com maior consistência ideológica – PSDB, DEM e PT – parecem perdidos
com questiúnculas de poder e profundas contradições internas, que embaralham
seu discurso e enfraquecem a mensagem com a qual pretendem motivar o
eleitorado.
Com a fragilização desses partidos tradicionais, restam no horizonte político pouco mais de duas dezenas de legendas que só existem para aproveitar as oportunidades fisiológicas abertas pelo governismo. Há de tudo nesse balaio: de partidos cujos proprietários foram condenados por corrupção a agremiações que se alugam para quem pagar mais. No topo de tudo, temos um presidente da República que já foi de oito partidos e hoje nem partido tem, o que dá a exata medida do menosprezo bolsonarista pelo debate partidário próprio das democracias.
O
que une esses indigitados é sua absoluta indiferença às necessidades do País e
sua associação com lobbies empenhados na manutenção de privilégios. Para eles,
a democracia é mero instrumento de apropriação do poder e de suas benesses.
Para
interromper essa putrefação da democracia, é necessário que haja uma oposição
digna do nome. Para começar, é preciso ser oposição de verdade, sem hesitação.
“Do
meu ponto de vista, o PSDB deveria ser mais claramente de oposição”, disse o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista ao Estado, na qual
avaliou, de modo sombrio, o comportamento de seu partido na eleição para o novo
comando do Congresso. “A força do presidente da República é muito grande e é
muito difícil ganhar uma eleição no Congresso contra o presidente. Mas, se não
vai ganhar, é para marcar posição. Acho que o PSDB ficou um pouco esvaecido
lá”, disse FHC, num diagnóstico que serve para os demais partidos de oposição.
Para
o ex-presidente, é a própria sobrevivência do PSDB que está em questão. “Em
política, ou você tem posição clara ou fica difícil. (...) O povo não é bobo. A
gente pensa que a população não percebe, mas percebe. Se você não toma posição
no momento oportuno, quando chega a hora H é tarde.”
FHC
advertiu que “o PSDB precisa tomar rumo, precisa ter uma palavra afirmativa
forte” – do contrário, corre o risco de acelerar seu “ciclo descendente”. Ou
seja, o PSDB e os demais grandes partidos de oposição talvez continuem a
existir, mas perderão a razão de sua existência caso se permitam confundir com
as siglas que mercadejam votos e só pensam na próxima eleição. É tudo o que o
Chávez de Eldorado quer.
A MP da Vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo
Bolsonaro
é incapaz de avaliar moralmente os efeitos de seus rompantes e demagogia.
O presidente Jair Bolsonaro suprimiu do texto da primeira versão da Medida Provisória (MP) 1.026/21, também chamada de MP da Vacina, dois dispositivos importantes. O primeiro autorizava a União a assumir a responsabilidade sobre eventuais efeitos adversos que as vacinas pudessem causar. O segundo autorizava a União a contratar seguradoras ou criar um fundo público para cobrir indenizações reivindicadas por quem apresentasse problemas de saúde após ser vacinado.
A
supressão desses dispositivos foi noticiada pelo Estado, com base na Lei
de Acesso à Informação. A isenção de responsabilidade por eventuais reações
adversas era exigência contratual da Pfizer, que ofereceu 70 milhões de doses
ao Brasil, e foi alvo de críticas de Bolsonaro, que classificou como “leoninas”
as cláusulas por ela pedidas para assinar o contrato. “Lá, no contrato da
Pfizer, está bem claro que não nos responsabilizaremos por qualquer efeito
colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você”, disse ele em discurso
na Bahia, antes de pedir a supressão dos dois dispositivos. Batendo bumbo para
seu superior, o ministro da Saúde afirmou que a aquisição dessa vacina seria
uma “conquista de marketing, branding e growth” para a Pfizer.
O
detalhe é que os trechos suprimidos haviam passado pelo crivo técnico dos
Ministérios da Justiça e da Saúde, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da
Controladoria-Geral da União (CGU), que não viram qualquer problema jurídico na
primeira minuta da MP da Vacina. Mesmo assim, Bolsonaro exigiu que fosse
revista. A isenção de responsabilidade sobre efeitos adversos de uma vacina
está “adequada à realidade dos fatos, uma vez que não há ainda vacinas cuja
maturidade de pesquisa seja suficiente para seguimento do processo regular de
aprovação”, reiterou o parecer da AGU, desprezado por Bolsonaro. A CGU lembrou
que o governo já se expõe ao risco de ser responsabilizado por efeitos
colaterais das vacinas, pois elas são aprovadas pela Anvisa.
Com
isso, Bolsonaro voltou a deixar claro que, entre a ciência e o direito, de um
lado, e a demagogia e o populismo, de outro, ele não hesita. No mundo inteiro,
quando pesquisam novos medicamentos, os laboratórios precisam de uma reserva de
segurança que os proteja de eventuais ações judiciais. Essa é uma prática
antiga, inclusive no Brasil. Quando alguém faz um exame de imagem ou se interna
em um hospital para ser submetido a uma cirurgia, antes assina um
contrato-padrão isentando o estabelecimento, médicos e instrumentadores da
responsabilidade pela indenização de eventuais riscos. A chamada reserva de
segurança surgiu primeiramente nos países desenvolvidos, à medida que o direito
de defesa do consumidor se fortalecia. Aceita nos meios jurídicos e pela
Organização Mundial da Saúde, a justificativa para essa reserva é que, por se
renovarem permanentemente no plano tecnológico, as atividades clínicas e
médicas implicam contingências.
Em
resposta às críticas de Bolsonaro, para quem os vacinados ficariam sem
indenização caso virassem “jacaré”, a Pfizer distribuiu nota lembrando que,
quanto mais a economia se globaliza, mais os direitos e as obrigações jurídicas
tendem a ser universalizados. Por causa disso, todos os contratos para
fornecimento de vacinas por ela assinados com dezenas de países das três
Américas, da Europa e da Ásia seguem o mesmo modelo.
Diante
do disparate cometido por Bolsonaro na primeira minuta da MP da Vacina para
inviabilizar um acordo para a compra de 70 milhões de doses de imunizantes da
Pfizer, entidades das áreas científicas e de saúde pública afirmaram que ele se
deixou levar por uma “birra” sem fundamentação técnica. Na realidade, é muito
mais do que isso. Sua iniciativa também tem uma dimensão preocupante no plano
ético, dadas sua falta de compaixão pelo próximo e sua notória incapacidade de
avaliar moralmente as consequências de seus rompantes e de sua demagogia.
Em busca de força produtiva – Opinião | O Estado de S. Paulo
Voltou-se a cuidar do potencial produtivo, mas sem retomar o padrão de 2019.
A reação da
economia, puxada principalmente pelo consumo, foi sustentada também pelo
investimento produtivo, isto é, pela demanda de máquinas, equipamentos,
construções e outros componentes do capital fixo, segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso significa aumento da
capacidade de produção e, em muitos casos, também pode indicar modernização das
empresas e da estrutura pública. Em novembro, o total investido foi 3,1% maior
que em outubro e 3,6% superior ao de um ano antes. As boas notícias incluem os
dados trimestrais, mas apenas de curto prazo. No trimestre móvel até novembro
houve aumento de 6,3% sobre o período imediatamente anterior, mas queda de 2,3%
no confronto com os mesmos meses de 2019.
Confiança
na evolução dos negócios é, em geral, o principal estímulo para a compra de
máquinas, equipamentos e outros itens de capital fixo pelos empresários. A
urgência de repor bens desgastados também pode entrar nos cálculos, mas esse
fator pode ser afetado pela perspectiva de avanço da demanda.
Mesmo
com algumas oscilações, a melhora das expectativas, depois do desastre de
março-abril, foi um dos eventos mais positivos do ano passado. Depois dessa
reação, no entanto, o empresariado já se mostra bem mais cauteloso do que há
alguns meses, de acordo com algumas das últimas sondagens da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A
maior cautela é observável mesmo entre os empresários ainda otimistas. Embora
em território ainda positivo, isto é, acima de 50 pontos, o Índice de Confiança
do Empresário Industrial diminuiu 2,2 pontos entre dezembro e janeiro, e chegou
a 60,9, segundo pesquisa da CNI. A mudança ocorreu, informa o relatório, “em
meio ao cenário de incerteza e com o fim das medidas emergenciais do governo de
apoio às empresas e às famílias”. A pesquisa da FGV mostrou a piora, em
janeiro, do Índice de Situação Atual e do Índice de Expectativas do
empresariado, ambos abaixo de 100, isto é, da fronteira entre pessimismo e otimismo.
Esses
indicadores seriam preocupantes mesmo se os investimentos, no ano passado, se
houvessem recuperado inteiramente em relação ao nível de 2019. Mas nem isso
ocorreu, de acordo com os números do Ipea. Apesar da retomada, mais sensível no
segundo semestre, o total investido no ano foi 4,6% menor que o aplicado de
janeiro a novembro do ano anterior. No acumulado de 12 meses a queda foi de
4,4%.
O
investimento cresceu, até novembro, principalmente pela incorporação de
máquinas e equipamentos pelas empresas. A soma investida naqueles dois itens
aumentou 7,7% de outubro para novembro e superou por 9% o valor de um ano
antes. No trimestre o avanço foi de 14%, mas a comparação com o período
setembro-novembro de 2019 aponta recuo de 6,6%. No ano, o valor diminuiu 8%. Em
12 meses, encolheu 7,6%.
No
caso da construção civil, os investimentos de novembro repetiram os de outubro
e foram 0,5% menores que os de um ano antes. Na série trimestral houve aumento
de 1,6%, no período até novembro, e perda de 0,1% em relação ao mesmo trimestre
móvel de 2019. Houve recuo de 3% no ano e de 3,4% em 12 meses. Houve sinais de
reativação no setor imobiliário privado, mas nenhum indício de melhora no setor
público. O balanço geral foi muito ruim.
Os
dados da produção industrial, divulgados na terça-feira pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), parecem combinar com as
informações do Ipea sobre o investimento fixo. A fabricação de bens de capital
cresceu 2,4% em dezembro e foi 35,4% maior que a de um ano antes, mas no
acumulado anual houve uma redução de 9,8%.
Informações
organizadas pelo setor privado detalham o recuo do investimento público.
Segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o total investido em
rodovias pelo governo federal, em 2020, ficou em R$ 6,74 bilhões. Descontada a
inflação, esse valor foi menor que o aplicado em 2010 (R$ 9,87 bilhões) apenas
em manutenção de estradas. Isso afeta, obviamente, a eficiência geral da
economia.
Feijão com arroz – Opinião | Folha de S. Paulo
Pauta
econômica imediata deve ater-se ao realismo e buscar amparo aos pobres
Vai
além de preferências políticas e ideológicas a constatação de que a conjuntura
do país exige medidas imediatas para afastar o risco de uma nova e severa
recessão econômica. É lamentável que a tarefa esteja a cargo de um governo já
comprovadamente inepto, mas trata-se de uma imposição da realidade.
Nesse
contexto, importa menos se o presidente da República e os recém-eleitos
presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado se debruçam
sobre a pauta legislativa movidos por genuína convicção
reformista ou mesmo humanitária. Interessa que façam avançar, ao menos, o que é
urgente.
Mais
precisamente, há pela frente uma complexa conciliação de dois objetivos
essenciais: de um lado, proporcionar o maior amparo possível à população
vulnerável, no que se anuncia como mais um ano de sacrifícios e privações; de
outro, indicar compromisso mais que retórico com uma trajetória de reequilíbrio
das contas públicas.
A
administração Jair Bolsonaro não soube fazer nem uma coisa nem outra até aqui.
Enquanto o presidente exortava a população a pôr vidas em risco com a retomada
de atividades, foi o Congresso que instituiu o auxílio emergencial em vigor até
dezembro passado.
A
expansão vertiginosa de gastos não se fez acompanhar de nenhuma providência
voltada ao ajuste futuro. No alheamento do Planalto e na inoperância do
Ministério da Economia desapareceram as reformas administrativa e tributária,
as privatizações, o aperfeiçoamento do teto de gastos.
O
resultado é uma dívida pública equivalente a quase 90% do Produto Interno Bruto
e com prazos cada
vez mais apertados —a antessala de uma crise de confiança capaz
de elevar juros, paralisar investimentos e ceifar mais empregos.
Nem
mesmo o Orçamento deste 2021 está aprovado, tal a anomia do governo Bolsonaro.
É por aí que se precisa começar, com o debate imediato de como elevar a
transferência de renda às famílias sem extrapolar o limite da despesa.
Em
paralelo, deve-se examinar a proposta de emenda constitucional que autoriza
ajustes emergenciais, em caso de necessidade, como suspensão de concursos e
reajustes salariais do funcionalismo.
Felizmente
notam-se mostras de realismo nas primeiras manifestações dos dois novos chefes
do Legislativo, que declararam apoio a um auxílio
social dentro do teto de gastos. Também o ministro Paulo Guedes, da
Economia, dá sinais de que pode esquecer
por ora promessas irrealizáveis e ideias contraproducentes como
a volta da CPMF.
Para
Bolsonaro e aliados do centrão, está em jogo a sobrevivência política —muito
menos assegurada do que fazem parecer as vitórias parlamentares. Que isso
desperte algum senso de urgência e impeça nova sabotagem contra o país.
Prefeitura
de SP põe pedras embaixo de viaduto, em estratégia cruel e ineficaz
Pedras,
pregos, mangueiras de alta pressão ou simplesmente o confisco das poucas
posses. Todas essas armas e mais algumas já foram usadas por sucessivas
administrações municipais de São Paulo para tentar retirar moradores de rua de
áreas tidas como sensíveis.
A prefeitura
sob a gestão de Bruno Covas (PSDB) acaba de escrever mais um
dos capítulos dessa triste rotina ao mandar instalar pedras pontiagudas sob o
viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na zona leste, para evitar que mendigos
durmam no local.
Após
uma péssima repercussão, que não deveria surpreender, a administração se
apressou em exonerar o responsável pela decisão.
Essa
intervenção antimendigo não passou, mas várias outras passaram, não só na
gestão Covas como nas de inúmeros antecessores. Embora dirigentes mais à
direita tenham maior facilidade em adotar um discurso de exclusão em defesa da
ordem e da segurança, governantes mais à esquerda também incorreram nesse tipo
de medida.
Submetidas
a diversos tipos de pressão, muitas vezes contraditórias, prefeituras acabam
aderindo às pedras e aos pregos. É obviamente uma estratégia moralmente errada
e ineficaz mesmo em seus propósitos tortuosos —no máximo, dispersa a população
de rua.
Cumpre
reconhecer, porém, que está entre as funções legítimas da prefeitura impedir
que ocupações permanentes (barracos) se formem sob os viadutos da cidade. Obter
esse efeito sem exercer nenhum tipo de coerção não é trivial.
A
questão dos moradores de rua é das mais complexas e difíceis de resolver, e
dinheiro constitui apenas parte do problema. Mesmo países ricos e com programas
sociais bem concebidos não conseguem convencer todos os indivíduos que não têm
onde morar a abandonar as vias e viver em abrigos —ou pelo menos a criar
conexões com os serviços médicos e de assistência.
No
Brasil, ademais, regras de comportamento desnecessariamente restritivas nos
abrigos dificultam ainda mais a missão.
Embora não existam fórmulas mágicas, torna-se mais fácil alcançar os moradores de rua se os programas que podem ajudá-los a sair dessa situação estiverem baseados em confiança e não na repressão. Trata-se de meta a ser alcançada por meio de pequenos avanços sucessivos, numa linha semelhante à da redução de danos.
Nas
comissões, Lira prepara jogo pesado na Câmara – Opinião | Valor Econômico
Congresso
gastará tempo e energia preciosos na discussão de assuntos que passam longe dos
grandes problemas
Tanto
o governo quanto os dois novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado,
Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) apresentaram projetos que
consideram mais importantes para o trabalho no ano legislativo. Da parte do
presidente Jair Bolsonaro veio sua agenda de costumes reacionária. As
prioridades econômicas, boas e ruins, são todas conhecidas. A relação é extensa
(são 26), e inclui na prática tudo que já foi enviado ao Congresso. É como se o
calendário do Legislativo voltasse ao início de 2020.
Bolsonaro,
Lira e Pacheco, que se encontraram ontem, apresentaram uma declaração de boas
intenções, contemplando os principais pontos da agenda liberal do ministro
Paulo Guedes. Em declaração dos presidentes da Câmara e Senado, porém, constou
a necessidade de um auxílio emergencial, refutada por Guedes, cujo formato e montantes
não se conhece. Lira se comprometeu a apressar a tramitação das reformas
administrativa e tributária.
Essas
reformas são fundamentais, mas não avançaram no Congresso porque o presidente
da República as desdenha. As mudanças administrativas jogam a possibilidade de
tornar o Estado moderno e mais eficiente para a próxima geração. Por exigência
de Bolsonaro, nada do que for aprovado deverá valer para os atuais servidores
públicos. Não será o Centrão que mudará isso.
A
reforma tributária tem sido retardada pelo ministro Paulo Guedes, cuja proposta
se resumiu a uma contribuição sobre bens e serviços, unindo PIS e Cofins. O
ministro prometeu há um ano “para a próxima semana” as demais propostas, que
nunca apareceram. Guedes não desistiu de implantar sua CPMF remoçada e é
possível que volte à carga em breve, na esperança que a nova direção do
Congresso seja receptivas a ela.
As
três PECs enviadas simultaneamente ao Congresso no início de 2020 envelhecem na
lista de prioridades, que não existe. A PEC emergencial é a mais urgente, mas
continua competindo com as outras duas, a do Pacto Federativo e a dos Fundos.
No fim do ano o relator, com aval do governo, tentou fazer um “juntão” das
três, retirando sua potência. Com a crise fiscal e o aumento da pressão por gastos
com novo auxílio, é possível que de alguma forma prosperem no Congresso.
Projetos
votados por uma ou outra das Casas também têm chance de vingar, como o da
autonomia do Banco Central, a do novo mercado de câmbio, o marco regulatório
das start ups e a nova lei do gás. O Centrão não gosta de privatizações, apesar
de o governo insistir na venda da Eletrobras. Polêmica, a mudança no regime de
partilha da Petrobras encontrará resistências.
Elogiados
pela bancada ruralista, alentada pelo novo comando do Congresso, os projetos de
regularização fundiária (o original legalizava o vale-tudo da grilagem), o das
novas regras para o licenciamento ambiental e, em especial, a autorização para
mineração nas terras indígenas, estão na pauta. Com o mundo de olho no desastre
ambiental na Amazônia e Pantanal, e a política destrutiva do atual governo, é
provável que o Congresso não os vote.
A
agenda de “costumes” do presidente, por outro lado, tem avenida aberta para
avançar, diante do redesenho do poder na Câmara. As escolhas cruciais foram as
da ultrabolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) para a mais importante comissão da
Casa, a da Constituição e Justiça, e a não menos relevante Comissão Mista de
Orçamento, para a deputada Flávia Arruda (PL-DF), esposa do ex-governador do DF,
José Roberto Arruda, preso por corrupção.
Bolsonaro
mantém sua fixação em armamentos. Há projetos que facilitam seu registro, posse
e utilização e outro que faculta a todos os militares e policiais, dos
rodoviários aos civis, a aquisição de até 10 armas - um prato feito para
milícias -, além do “excludente de ilicitude” para ações de militares as
operações de garantias da lei e da ordem.
Bia Kicis, que decidirá sobre admissibilidade e tramitação de qualquer projeto importante, como pedidos de impeachment e criação de CPIs, é favorável a todos eles. Ela é investigada em inquérito do STF sobre fake news, fez propaganda contra máscaras e distanciamento social, pregou o uso de cloroquina, e esposa todo o bestiário bolsonarista. Há grande oposição a essa agenda, mas é inegável que o Congresso gastará tempo e energia preciosos na discussão de assuntos que passam muito longe dos grandes problemas nacionais.
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