Textos de 'A mão na luva' e 'Corpo a corpo' estão entre as reedições do autor, que completaria 85 anos em 4 de julho
Dirce Waltrick do Amarante* / O Globo
Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, como era
conhecido o dramaturgo, cineasta, ator e ativista paulistano, faria 85 anos no
dia 4 julho. Talvez ele não visse muitos motivos para comemorar a data; afinal,
sempre lutou contra a ditadura militar, cujo retorno parte da sociedade
brasileira vem perigosamente reivindicando.
Mas Vianinha certamente festejaria a
reedição de sua obra dramatúrgica, pela editora Temporal. Sob a organização de
Maria Sílvia Betti, as peças, todas escritas depois do Golpe de 1964, vêm
sempre acompanhadas de estudos críticos relevantes, que destacam a
contemporaneidade de sua obra e a importância de mantê-la à disposição dos
leitores. Entre os títulos já publicados estão “Papa Highirte” (1968) e “A
longa noite de Cristal” (1969). Este ano, a editora reeditou mais duas
dramaturgias de Vianinha: “A mão na luva” (1966) e “Corpo a corpo” (1971).
Vianinha morreu em 1974, em meio às truculências do regime militar, que fez questão de registrar em muitos de seus textos teatrais, pois a matéria-prima de sua obra era a vida na sociedade. Suas peças refletem sobre o papel da imprensa, dos artistas e intelectuais nos tempos sombrios da ditadura. Fez parte, entre outros, do Grupo Opinião, fundado em 1964 no Rio de Janeiro e que contava com Ferreira Gullar, Teresa Aragão, Paulo Pontes, entre outros. O grupo surge como uma reação à censura e, como outros da época, via o teatro como “um veículo adequado para exprimir a repulsa diante da querela militar, fazendo pipocar peças de protesto ou que enfocassem os desmandos provocados pelo novo governo”, afirma João Roberto Faria em “História do teatro brasileiro” (2012).
As experiências estéticas de Vianinha
provinham da necessidade de narrar determinados acontecimentos históricos,
recorrendo, entre outros estratagemas, aos flashbacks, comuns em suas peças, os
quais ajudam a contextualizar fatos e apontar mudanças ao longo do tempo. Em
“Corpo a corpo”, o dramaturgo se vale de um longo monólogo que enfatiza o
isolamento do protagonista, o qual precisa decidir entre romper com a firma
para a qual trabalha e que dispensou seu amigo depois de anos de trabalho ou se
resignar e aceitar o destino de ser explorado por ela até ser considerado
dispensável: “... é o teu emprego, teu único mofino lugar para botar o rabo e
ganhar 3 milhões fixos (...) Você é classe média, está virando povo, borra-botas,
não suporta isso, hein? Aristocrata? Queria outro mundo dentro deste, hein?”.
A falência ética das elites é um tema
reiteradamente explorado por Vianinha, sendo ela a responsável pela desastrosa
situação política, como bem lembra João Roberto Faria. Em “A mão na luva”, o
tema vem novamente à tona no diálogo entre dois amantes, denominados
simplesmente de Ele e Ela, que podem representar qualquer um de nós. Ele é
jornalista e precisa se adequar às novas ordens da imprensa, proibida de atuar
livremente; Ela, por sua vez, cobra que Ele se dobre ou se adapte aos novos
tempos, caso queira manter o relacionamento.
Se Oduvaldo Vianna Filho, que fez parte de
uma geração diretamente atingida pelo AI-5 e seus efeitos devastadores na arte
de um modo geral, acreditava no teatro como palco para a discussão política, a
geração subsequente postulava um teatro livre de engajamentos políticos,
partidários ou ideológicos.
Com a redemocratização, a obra dramática de
Vianinha parece ter sido posta de lado. Agora, contudo, ela parece voltar à
tona com toda a sua força, pois se mostra mais atual do que nunca e espelha de
certa maneira o que estamos vivendo por aqui neste início do século XXI. Talvez
seja interessante voltarmos a suas peças para não permitir que a história se
repita. “Papa Highirte”, de 1968, narra, por exemplo, a história de um ditador
ridículo, caricato e incompetente, que se imagina amado pelo povo. Papa
Highirte é um obcecado pelo “comunismo”, que ele confunde com reivindicação de
direitos. Diz o déspota: “Queremos isso queremos aquilo, we want, we want, os
sindicatos tomados pelos comunistas; passei seis anos no governo de Alhambra
para acabar com isso”.
* Dirce Waltrick do Amarante é
escritora e dramaturga
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