EDITORIAIS
Na volta às aulas, ensino presencial deve
ser prioridade
O Globo
No momento em que escolas de todo o país
começam a retomar suas atividades, secretários estaduais e municipais de
Educação, diretores e professores têm a missão crucial de fazer o possível e o
impossível para que os alunos voltem às salas de aula, depois de um inaceitável
afastamento de quase dois anos em que imperou o ensino remoto ou híbrido.
É boa notícia a forte adesão ao ensino presencial, mesmo com o agravamento da pandemia de Covid-19 pelo avanço da variante Ômicron. Como mostrou reportagem do GLOBO com o G1, dez redes públicas estão retomando o ano letivo esta semana de forma presencial, como é o caso dos estados de São Paulo, Ceará, Espírito Santo e Pernambuco (Goiás havia feito o mesmo na última semana). Nos próximos dias, Bahia e Rio de Janeiro devem se juntar ao grupo. Capitais como São Paulo, Rio, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, São Luís, Recife, Goiânia e Palmas também priorizam o modelo presencial. Espera-se que sirvam de exemplo.
Lamenta-se que o Brasil tenha sido um dos
que mantiveram por mais tempo as escolas fechadas. Em 2020, foram 178 dias, o
triplo da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Entende-se a preocupação de gestores, mas é incompreensível
que as escolas tenham sido as primeiras a fechar e as últimas a abrir,
contrariando recomendação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco). Bares, restaurantes, shoppings, academias, tudo foi priorizado, menos
a educação.
Os prejuízos desse apagão para os alunos
são imensuráveis. O ensino remoto, quando existiu, só fez aumentar os abismos
na já desigual sociedade brasileira. Histórias como a do aluno no Pará que
precisava subir numa mangueira para captar o sinal de internet ou da mãe que
tinha de escolher o filho que teria acesso às aulas on-line denunciam um modelo
que não deu certo. De acordo com o Censo Escolar, entre 2019 e 2021, o ensino
infantil perdeu 653 mil matrículas. Em entrevista ao GLOBO, a presidente
executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, estima que o fechamento das
escolas tenha causado um retrocesso de três anos de aprendizagem.
Tudo isso só acentua a necessidade de
retomada urgente do ensino presencial. Claro que todos os cuidados devem ser
adotados diante do avanço da Ômicron. É fundamental que as crianças acima de 5
anos sejam vacinadas e que as escolas sigam os protocolos sanitários para
preservar a saúde de todos. É legítimo que secretarias exijam o comprovante de
imunização, mas a ausência do documento não deve servir de barreira para que os
alunos frequentem as aulas. A escola é o espaço propício para esclarecer pais e
responsáveis sobre a necessidade da vacinação, prevista no Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA).
A debacle da educação brasileira nos
últimos dois anos aumenta a responsabilidade dos gestores no atual momento. Os
desafios são gigantescos. A começar pelo resgate das crianças que abandonaram a
escola durante a pandemia. Além disso, será necessário repor as aulas perdidas
e ao mesmo tempo ensinar os novos conteúdos a crianças ainda fragilizadas pelos
efeitos da longa paralisação. Pode haver muitos caminhos para recuperar esse
prejuízo, mas todos eles passam pelo retorno às salas de aula.
Setor público consolidado fecha 2021 com
superávit primário
O Globo
As contas consolidadas do setor público
encerraram 2021 com o primeiro superávit primário em oito anos. O saldo das
receitas menos as despesas do governo central, estados, municípios e estatais
(sem a inclusão dos juros) foi de R$ 64,7 bilhões, ou 0,75% do PIB. Anos em que
a máquina estatal consegue ficar no azul merecem destaque. Ainda mais no caso
de 2021. A maioria dos economistas, mesmo os mais otimistas, não anteviu o
resultado. O problema é que 2021 pode ter sido um ponto fora da curva, não o
começo de uma tendência.
Os principais responsáveis pelo superávit
do ano passado foram os estados e municípios. Governadores e prefeitos viram
uma elevação na arrecadação provocada pela retomada da economia sem que as
despesas subissem na mesma velocidade devido, em grande parte, ao congelamento
dos dispêndios com pessoal e previdência no período da pandemia. Antes de
governadores pensarem em dar aumentos, é importante reconhecerem que, sem
segurar os gastos com pessoal, não será possível ter resultado positivo no
futuro. Em um segundo plano, a inflação alta teve efeito na arrecadação. Quanto
mais cara a gasolina, maior é o valor recolhido com ICMS. Juntos, esses fatores
resultaram em um superávit de R$ 97,7 bilhões, o melhor resultado da história
dos governos regionais.
Mesmo ficando no vermelho, o governo
central registrou uma melhora em relação a 2020. No primeiro ano da pandemia, o
déficit primário foi de R$ 743 bilhões, o maior da série histórica, devido a
medidas de enfrentamento da crise sanitária e econômica. No ano passado, o
déficit foi reduzido para R$ 35,9 bilhões, com a retomada da economia
auxiliando a recuperar a arrecadação numa velocidade maior do que o previsto
anteriormente. Ajudou também que a despesa primária, graças à regra do teto de
gastos e ao congelamento dos salários dos servidores, voltou a um nível similar
ao do período pré-pandemia.
Olhando para frente, a meta deste e do
próximo governo, seja qual for, é ancorar as expectativas quanto ao futuro da
política fiscal. A dívida bruta do setor público, que teve um crescimento fora
da medida desde 2013, é alta em relação ao PIB na comparação com outros países
emergentes. Para convencer os agentes econômicos de que as contas públicas
terão uma trajetória sustentável, é preciso acabar com as dúvidas sobre as
regras fiscais. E dúvidas hoje não faltam.
A mudança do teto de gastos para acomodar o
Auxílio Brasil e a aprovação da descabida Proposta de Emenda à Constituição dos
Precatórios foram duas das trapalhadas do governo federal que abalaram os mercados.
Passaram a impressão de que a qualquer hora poderiam acontecer novas
modificações. Essa confusão deve acabar. Governadores também precisam
reconhecer que, sem congelamentos salariais, não há ajuste de contas possível.
Rédeas institucionais
Folha de S. Paulo
Após novos atritos, Supremo volta a lembrar
Bolsonaro dos limites que o contêm
Jair Bolsonaro voltou a exibir desconforto
com os limites estreitos em que se move desde a suspensão de seus ataques
contra o Supremo Tribunal Federal, que chegaram ao auge com as arruaças
golpistas de setembro.
No início de janeiro, o mandatário criticou
os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, acusando ambos de
trabalhar pela candidatura de seu principal adversário na corrida presidencial,
o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Na semana passada, Bolsonaro se recusou a
atender uma intimação de Moraes para depor sobre sua participação no vazamento
de informações sigilosas de uma investigação que examinou um suposto ataque
cibernético ao Tribunal Superior Eleitoral.
A delegada à frente do inquérito da Polícia
Federal concluiu que Bolsonaro cometeu crime ao divulgar dados do caso no ano
passado, quando ele os usou para fazer mais uma abjeta tentativa de disseminar
dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas.
O depoimento marcado pelo ministro do STF
era a chance que Bolsonaro tinha para justificar suas ações antes da conclusão
do inquérito, mas ele preferiu não comparecer, alegando que assim exercia seus
direitos como investigado.
Com a popularidade em baixa e as eleições
se avizinhando, o presidente faz o que pode para manter seus apoiadores mais
radicais mobilizados. Alimentar a fantasia de que as autoridades arquitetam
fraudes para impedir sua vitória eleitoral faz parte do plano.
Bolsonaro joga na confusão, submetendo as
instituições a estresse permanente, mas é fácil perceber que suas provocações
caem com frequência cada vez maior no vazio.
Nesta terça (1), coube
ao ministro Luiz Fux,
presidente do STF, recordar ao mandatário inquieto os limites que o constrangem.
"Não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para
violência contra as instituições públicas", discursou, na reabertura dos
trabalhos do Judiciário.
O ministro Alexandre de Moraes assumirá
a presidência do TSE dentro de poucos meses, em agosto. No ano
passado, ele ameaçou mandar para a cadeia os que tentarem sabotar o processo
eleitoral espalhando mentiras como as que Bolsonaro patrocina.
Em setembro, a ministra Rosa Weber chegará
à presidência do STF. Foi ela quem mandou suspender a execução das emendas
orçamentárias dos aliados de Bolsonaro no centrão no fim do ano, exigindo mais
transparência para a liberação dos recursos.
Se é certo que as tensões entre os Poderes
tendem a crescer com a proximidade das eleições, caberá ao Judiciário fazer
valer a disposição enérgica anunciada até aqui.
UTI fiscal
Folha de S. Paulo
Falta superar déficit primário, que deixa
país mais sujeito a humores do mercado
Por sete anos consecutivos, a partir de
2014, o Estado brasileiro precisou de dinheiro emprestado para bancar o
conjunto de suas despesas com pessoal, custeio administrativo, benefícios
sociais e investimentos. Essa situação vexatória, conhecida no jargão econômico
como déficit primário, não
se repetiu no ano passado.
Conforme os dados divulgados pelo Banco
Central, em 2021 as receitas federais, estaduais e municipais com tributos e
outras fontes não financeiras de recursos superaram os gastos da máquina
estatal em R$ 64,7 bilhões. O resultado propicia um alento nada desprezível —o
que não significa que o país tenha deixado a UTI orçamentária.
De melhor, a dívida pública, indicador mais
costumeiro da solidez fiscal, despencou de 88,6% para 80,3% do Produto Interno
Bruto, o que reduz os temores de uma explosão decorrente do combate aos efeitos
da pandemia.
Trata-se, porém, de percentual ainda
elevado demais para um país emergente. Em 2014, quando a petista Dilma Rousseff
encerrava seu primeiro mandato e inaugurava a era dos déficits primários, o
endividamento governamental não passava de 56,3% do PIB.
Nada indica, ademais, que o superávit vai
se repetir neste ano de eleições gerais e despesas adicionais —sejam
meritórias, como o Auxílio Brasil, sejam descabidas, como a ampliação do fundo
para o financiamento de campanhas.
Muito do resultado de 2021 foi obtido, como
se sabe, com a contribuição da indesejada escalada inflacionária para o aumento
da arrecadação tributária. Também o crescimento da economia, de acordo com as
projeções mais consensuais, será muito menor em 2022.
O Estado brasileiro permanece longe da
normalidade orçamentária —e o caso federal, por suas dimensões, é o mais grave.
A reforma da Previdência e o represamento de reajustes salariais para os
servidores contêm as maiores despesas, mas falta expansão mais consistente da
atividade e da arrecadação para o reequilíbrio das contas.
Faltam, sobretudo, entendimento e liderança
política para reformas que permitam aos governos de todos os níveis
concentrarem-se no provimento de serviços essenciais e prioritários.
Fazê-lo sem respeito aos limites do
Orçamento significa iludir eleitores e esfolar contribuintes, além de tornar a
administração pública e o país mais vulneráveis aos humores voláteis do mercado
credor.
Fome ‘made in Brazil’
O Estado de S. Paulo
A catástrofe alimentar no ‘celeiro do
mundo’ não é um revés precipitado pela pandemia, mas o resultado de uma
persistente precarização das políticas sociais
O Brasil voltou ao mapa da fome. O alerta
foi cada vez mais repetido ao longo da pandemia e deve ser ainda mais. Mas
seria ruim se ele servisse para disfarçar, sob o manto da excepcionalidade, uma
degradação que, malgrado ter sido agravada pela crise sanitária, começou bem
antes dela. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
aponta que, entre 2013 e 2018, a população urbana em insegurança alimentar
aumentou de cerca de 20% para 35%, e a rural, de 35% para 47%. A insegurança
alimentar grave nas cidades cresceu de 2,8% para 4,1%, e no campo, de 5,5% para
7,1%.
O escândalo é ainda maior porque a fome é
amargada em pleno “celeiro do mundo”. Os focos mais graves de insegurança
alimentar no planeta são países com escassez de recursos naturais ou atingidos
por guerras, conflitos civis e catástrofes naturais, tudo aquilo de que o
Brasil sempre foi poupado.
Ao contrário, nos últimos 40 anos, a
revolução agrícola catapultou espetacularmente a produção de alimentos. A
oferta no mercado internacional também cresceu, e o preço dos alimentos caiu.
Ou seja, a causa da fome no País nunca foi, e hoje é menos ainda, a escassez de
alimentos, mas sim de renda. Entre 2013 e 2018, a insegurança alimentar grave
cresceu 8% ao ano. Em 2013, o brasileiro consumia em média 96,7 quilos de carne
por ano, e hoje consome pouco mais de 25 quilos. A fome nacional não foi
construída do dia para a noite nem é uma condição extraordinária causada pelo vírus,
mas é resultado do fracasso retumbante das políticas sociais.
O governo lançou recentemente o programa
Brasil Fraterno, para mobilizar doações de alimentos de empresas em troca de
isenções fiscais. Também tramitam no Congresso propostas de incentivos para
restaurantes e supermercados doarem alimentos excedentes ou com prazo de
validade próximo. Evidentemente, são estímulos bem-vindos. Tanto mais se
considerando estimativas que apontam que o Brasil desperdiça cerca de 30% de
seus alimentos. Segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente, o Brasil ocupa
a 10.ª posição entre os países que mais jogam comida fora. Mas restringir as
ações de combate à fome à redução do desperdício é só uma folha de figueira
para disfarçar a única coisa no Brasil tão abundante quanto a comida: a
incompetência.
A causa principal do desperdício, por
exemplo, não está no varejo e muito menos nos hábitos familiares, mas na
infraestrutura precária e sistemas de transporte atrasados, que
progressivamente drenam alimentos entre a colheita e a comercialização.
A inflação dos gêneros alimentícios
básicos, muito maior que a inflação média, tem entre suas causas principais o
aumento do dólar, a instabilidade política e o aumento do desemprego, fatores
made in Brazil, especialmente pelos atos e palavras irresponsáveis do atual
presidente da República.
Tampouco o crescimento da extrema pobreza
ou o desmonte das políticas públicas de segurança alimentar na última década
são fruto de alguma conjuntura internacional e muito menos de reveses naturais.
Políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, o
Programa de Alimentação Escolar, o Programa de Cisternas ou o Programa de
Restaurantes Populares foram depauperados a olhos vistos para acomodar verbas
clientelistas e eleitorais no Orçamento público.
Mesmo com o agravamento da crise na
pandemia, além de programas de incentivo a doações, o máximo que Brasília
produziu foram propostas natimortas de tabelamento de preços. De investimentos
robustos em programas de distribuição de cestas básicas, medidas para reforçar
o abastecimento, uso de estoques públicos, modelos de operações bem conduzidas
de importação ou incentivos à agricultura familiar não se viu praticamente
nada.
O combate à fome é do tipo que pode ser
classificado como uma “guerra total”. Cada indivíduo, cada empresa, deve
empunhar suas armas e fazer o que estiver ao seu alcance. Cada centavo doado,
cada iniciativa social, por mais improvisada que seja, são valiosos. Mas
somente o Estado pode evitar uma catástrofe maior.
Corrida bolsonarista por uma boquinha
O Estado de S. Paulo
Com a perspectiva de derrota de Bolsonaro,
aliados do presidente tentam garantir preciosas vagas e avançar sobre a
estrutura do governo
A corrida pelas últimas vagas de emprego no
governo começou cedo em 2022. No primeiro mês daquele que, ao que parece, será
o último ano de mandato de Jair Bolsonaro, aliados iniciaram um já tradicional
movimento de tentar garantir espaço em órgãos públicos e estatais antes que o
atual presidente perca o poder que ainda tem. É o caso do Ministério de Minas e
Energia (MME), que, segundo revelou o Estadão, tentou criar nada menos que 200
cargos na Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional
(Enbpar), companhia cuja razão de existência é permitir a privatização da
Eletrobras.
A Enbpar, em tese, apenas assumiria
atividades que precisam continuar sob domínio da União, como as usinas de
Angra, dado que a exploração das atividades nucleares é monopólio
constitucional, e Itaipu, usina binacional regida por um tratado entre Brasil e
Paraguai. Há também políticas públicas coordenadas pela Eletrobras que seriam
repassadas à nova empresa. O fato de que a estrutura interna de Itaipu e da
Eletronuclear não passará por mudanças e será simplesmente transferida da Eletrobras
para outra holding garantiria uma “estrutura enxuta”, segundo anunciou no
início de janeiro o próprio CEO da companhia, Ney Zanella dos Santos,
vice-almirante da Marinha.
Na semântica da ala militar do governo, 200
cargos aparentemente representam uma estrutura enxuta, mas essa interpretação
não é compartilhada pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas
Estatais (Sest) do Ministério da Economia (ME), que deu aval a apenas 27.
Questionado, o MME disse ter solicitado o que julgava ser “suficiente”, afirmou
que o número final de funções a serem criadas ainda estava em análise e não
explicou o motivo que justificaria um quantitativo de funcionários sete vezes
maior que o autorizado pelo ME. É preciso lembrar que se trata da segunda
empresa pública que nasce em uma gestão que prometia arrecadar R$ 1 trilhão com
a venda de estatais, e que a capitalização da Eletrobras ainda precisa do aval
do Tribunal de Contas da União (TCU) para se concretizar.
Não é um caso isolado. Em um País que
registrou uma taxa de desemprego de 11,6% no trimestre encerrado em novembro e
a menor renda da série histórica, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o secretário especial de Produtividade, Emprego e
Competitividade do Ministério da Economia, Carlos Da Costa, teve o mérito de
criar um emprego para si mesmo e quadruplicar seu salário. Ele vai chefiar um
escritório de representação da pasta em Washington, nos Estados Unidos, cujo
objetivo será “fortalecer a interlocução com investidores, consolidando o País
como ambiente seguro para se fazer negócios”, de acordo com a Secretariageral
da Presidência da República.
Parece uma estrutura redundante, já que
essa atribuição pertence à Embaixada do Brasil na capital norte-americana. E de
fato é, tanto que Da Costa terá remuneração equiparada à função de embaixador,
algo em torno de R$ 75 mil mensais. O decreto estabelece ainda que a “duração
da missão” será de dois anos e poderá ser prorrogada uma vez. Com isso, o
secretário garantiu um cargo com o qual atravessará, ao menos, o primeiro ano
de mandato do próximo governo.
Com a consolidação do resultado das
pesquisas eleitorais, a tendência é que o mundo político em Brasília antecipe o
fenômeno do “café frio”, expressão que descreve os últimos meses de mandato de
um presidente, quando ninguém mais procura o mandatário e nem os garçons se
esforçam para agradar-lhe. Mas enquanto o café estiver morno, aqueles que
tiveram o nome associado à gestão bolsonarista tentarão avançar sobre a
estrutura do Executivo com tanto ou mais apetite que seus antecessores para
garantir os últimos nacos de poder. Em seguida, passarão a trabalhar com afinco
para se desvincular da tragédia que foi a administração de Bolsonaro e se
colocarão como técnicos a serviço do País. São os mesmos que falavam em
“despetizar” o governo e que abandonaram a reforma administrativa.
Avanço chinês mostra disfunções do Mercosul
Valor Econômico
A função de um bloco não é armar
protecionismos indefensáveis
O fato de a China ter ultrapassado o Brasil
em suas exportações para a Argentina diz muito sobre o mau estado do Mercosul e
sobre a perda de competitividade das indústrias dos dois lados da fronteira - o
contrário do que a criação de um bloco comercial na região se propôs. O poder
de conquistar mercados do maior exportador do mundo, a China, é gigantesco, mas
os desacertos políticos entre as duas maiores economias do bloco, Brasil e
Argentina, facilitaram bastante o trabalho dos chineses.
Um dos objetivos de acordos comerciais como
o do Mercosul é unir as vantagens comparativas de seus membros, propiciar o
pleno usufruto delas, buscar novas complementaridades e oportunidades de
especialização regional. Não foi o que aconteceu nos 30 anos de vida do
Mercosul.
Em vez de consolidar e expandir vantagens
dinâmicas existentes, as duas maiores economias do bloco se empenharam boa
parte do tempo em defender suas indústrias e mercados internos, com maior ou
menor grau de protecionismo ao longo do tempo. A atitude do Brasil, um dos
países mais fechados ao comércio do mundo, foi mais passiva do que a da
Argentina, envolta em crises permanentes para as quais busca refúgio em um
nacionalismo obsoleto que não poupou os países do bloco.
Com o governo de Néstor Kirchner, primeiro,
e Cristina Kirchner, depois, a Casa Rosada tomou todo tipo de medida para
impedir o comércio com seu aliado formal do Mercosul, enquanto deixou o flanco
aberto a competidores muito mais agressivos, como os chineses. A Argentina
passou anos contendo burocraticamente as exportações brasileiras para seu
mercado, por meio de licenças prévias de importação e acordos de “restrição
voluntária”. Os livros-texto apontam que essas restrições podem provocar desvio
de comércio. A China foi seu principal beneficiário.
Em 2009, por exemplo, quando o então
presidente Lula começou a retaliar os argentinos com as mesmas medidas
protecionistas que tomavam, a Argentina mudou regras de validação de
certificados que beneficiavam os brinquedos brasileiros. A China fornecia 79%
das importações argentinas desses produtos, mas o governo Kirchner resolveu
implicar com seu parceiro comercial, o Brasil, cujas vendas somavam 2,2% das
importações. Desde 2005 o Brasil, com as restrições, perde na venda de têxteis
enquanto os chineses crescem. A China passou à frente na venda de calçados no
fim da década de 2000, eles também sujeitos a licenças prévias. Em 2009, a
China recebeu 60% dessas licenças de importação para esse bem, e as empresas
brasileiras, 30%.
Que isso tenha sido feito por tanto tempo,
por pura decisão unilateral, com o principal parceiro do Mercosul, explica
muito sobre por que o bloco mal progrediu após seu forte arranque inicial. O
que se viu foi a proteção da baixa produtividade da indústria argentina contra
a congênere brasileira, de produtividade um pouco maior, em produtos em que os
chineses são melhores que ambos. A falta de visão estratégica, a disparidade de
políticas macroeconômicas, as barreiras à livre movimentação de mão de obra e
outros objetivos inconclusos do acordo comercial trouxeram perda permanente de
mercados para os dois países sem permitir que empresas concorrentes de outros
países se instalassem domesticamente para produzir.
A função de um bloco não é armar
protecionismos indefensáveis. Em vários setores a China é imbatível. Tarifas
existem para equilibrar provisoriamente o jogo em segmentos industriais para os
quais há chances de competição a longo prazo - não são todos e é preciso
definir quais são estratégicos. Mesmo na indústria automotiva, o coração das
trocas bilaterais, a enorme proteção tarifária afastou os chineses sem que
tenha havido saltos significativos de tecnologia e competitividade. As
exportações de veículos não são o forte do Brasil e da Argentina para fora do
bloco.
O resultado é que a China, que ninguém pode
controlar, vendeu 21,4% de tudo o que a Argentina importou em 2021, e o Brasil,
com o qual a Argentina tem um tratado e é obrigado a negociar, exportou 19,6%.
Em 2010, as fatias eram respectivamente de 14,3% e 30%.
Os chineses subiram os degraus de
sofisticação tecnológica. Primeiro derrubaram seus competidores nas indústrias
tradicionais, como têxteis e calçados, e depois naquelas em que países como
Argentina e Brasil poderiam avançar, e não o fizeram. O progresso chinês no
Mercosul explica parte da prostração da indústria nas maiores economias da América
do Sul.
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