quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Hélio Schwartsman: O livre-arbítrio salva Deus?

Folha de S. Paulo

Livre-arbítrio não explica o mal resultante de desastres naturais

O problema da teodiceia tem mais de 2.000 anos, de modo que não achei que causaria tanta polêmica ao evocá-lo em relação à pandemia, como fiz na coluna "Deus e a Covid". Mas, como estou até agora recebendo contestações, acho que vale a pena tentar esclarecer alguns pontos.

Conciliar o sofrimento presente no mundo com a existência de um Deus onipotente e benevolente é um problema real, que desafia filósofos e teólogos das mais diversas tradições. E nem é algo que os religiosos procurem esconder. É o tema mesmo do "Livro de Jó", incluído na Bíblia.

Em termos lógicos, a análise é simples. Se há um Deus onisciente, onipotente e benevolente, então não existe mal. Ora, há mal no mundo. Portanto, um Deus onisciente, onipotente e benevolente não existe. A forma do raciocínio, "modus tollens", é impecável. Se as premissas são verdadeiras, a conclusão também o é. Daí que, para esboçar uma resposta, é preciso negar ou relativizar a onipotência/onisciência de Deus, sua benevolência ou a existência do mal.

Uma saída popular entre cristãos é recorrer ao livre-arbítrio. Existe mal no mundo porque Deus deu aos homens o poder de fazer escolhas. Ao concedê-lo, a possibilidade do mal tornou-se uma necessidade (ou o homem não teria escolha). Engenhoso, mas por que introduzir o livre-arbítrio? Dá para imaginar razões teológicas para isso, mas não lógicas. Um mundo onde os homens só pudessem fazer o bem não violaria nenhum princípio lógico. Vários bichos vivem muito bem sem livre-arbítrio, que, segundo muitos neurocientistas, não passa mesmo de uma ilusão.

De todo modo, o argumento do livre-arbítrio explicaria no máximo o mal provocado por ações humanas, não o resultante de desastres naturais.

Não vejo problema em alguém ser religioso. Há estudos sugestivos de que sê-lo faz bem à saúde. O preço a pagar, porém, é conviver com algumas contradições. Nada que já não façamos todos os dias.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Deus não é benevolente,o criador é apenas justo,plantou,colheu.Planta-se numa encarnação,colhe-se na outra - Sim,Deus poderia ter feito todo mundo bom,mas não teríamos mérito nenhum,nossa essência espiritual evolui pelo próprio esforço.Não há contradição nenhuma no meu pensamento.